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Adeus, Otelo

Otelo Saraiva de Carvalho, um dos principais estrategistas da Revolução dos Cravos, morreu essa semana. Com uma personalidade carismática que transbordava paixão e sinceridade, parecido Chávez e Lamarca, ele e seus camaradas colocaram fim nos 48 anos de ditadura salazarista em Portugal.

Por Valerio Arcary

Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte.
Os corajosos experimentam a morte apenas uma vez.
William Shakespeare

Há pessoas que são sujeitos de feitos tão extraordinários que entram para a história ainda em vida. Otelo Saraiva de Carvalho era ainda jovem quando assumiu a liderança do 25 de abril de 1974, a insurreição militar que derrubou o governo de Marcelo Caetano e a ditadura salazarista, a forma portuguesa do regime fascista. A valentia de seu papel merece admiração e respeito.

Os riscos não eram pequenos. Foi uma proeza, ou mesmo uma façanha politico-militar, porque poucos meses antes um levante nas Caldas da Rainha tinha fracassado. A ditadura tinha quase meio século de existência. Exigiu coragem pessoal, capacidade de articulação, organização minuciosa e lucidez estratégica. 

Otelo foi o chefe do COPCON (Comando Operacional do Continente), uma unidade militar chave durante os 18 meses decisivos da situação revolucionária. Como muitos outros, entre os oficiais de carreira das Forças Armadas, Otelo tinha origem social nas camadas medias plebeias, era um homem de ação, muito voluntarismo e alguma simplicidade, pouco repertório politico, mas se radicalizou à esquerda com a experiência trágica da guerra colonial, e se entusiasmou com a intensidade da mobilização popular.

Otelo tinha uma personalidade carismática, transbordava sinceridade e paixão, um pouco entre um Chávez e um Capitão Lamarca, ou seja, entre o heroísmo da organização do levante, e uma aventura à deriva das posteriores relações com as FP-25, um grupo militarista, que o levou à prisão. Felizmente, depois veio a anistia.     

Os protagonistas

Ensina a história que, em situações revolucionárias, os seres humanos excedem-se ou se elevam, entregando-se na melhor medida de si próprios. Aparece, então, o que têm de melhor e pior. Os oficiais do Movimento das Forças Armadas (MFA) foram protagonistas centrais da revolução portuguesa. O lugar dos indivíduos ou a sua estatura se revela.

Spínola era enérgico e perspicaz, um ultrareacionário pomposo, com poses de general germanófilo, com seu espantoso monóculo do século XIX. Costa Gomes, sutil e astuto, era, como um camaleão, um homem da oportunidade. Do MFA surgiram as lideranças de Salgueiro Maia ou Dinis de Almeida, valentes e honrados, mas sem educação política; de Vasco Lourenço, de origem social popular, atrevido e arrogante, mas tortuoso; de Melo Antunes, instruído e sinuoso, o homem chave do grupo dos nove, o feiticeiro que termina prisioneiro de suas manipulações; de Varela Gomes, o homem da esquerda militar, discreto e digno; de Vasco Gonçalves, menos trágico que Allende, mas, também, sem a bufonaria de Daniel Ortega. Foi da tropa, também, que surgiu o “Bonaparte” Ramalho Eanes, sombrio e sinistro, que enterrou o MFA.

A guerra nas colônias mergulhou Portugal em uma crise crônica. Um país de 10 milhões habitantes, acentuadamente defasado da prosperidade européia dos anos 1970, sangrando pela emigração da juventude que fugia do serviço militar e da pobreza, não podia continuar mantendo um exército de ocupação de dezenas de milhares de homens, indefinidamente, em uma guerra africana.

A reforma pelo alto, por deslocamentos internos do próprio salazarismo, a transição negociada, a democratização pactuada, tantas vezes esperada, não veio. O fascismo “defensivo” deste Império desproporcional e semi-autárquico sobreviverá a Salazar, permanecendo incríveis 48 anos no poder. A burguesia desta pequena metrópole resistirá à vaga de descolonização dos anos cinquenta por um quarto de século.

Encontrará forças para enfrentar, a partir dos anos 1960, uma guerra de guerrilhas na África, em Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, mesmo se, na maior parte desses longos anos, mais uma guerra de movimentos, que uma guerra de posições, ainda assim, sem solução militar possível. Mas a guerra sem fim acabou destruindo a unidade das Forças Armadas. Quis a ironia da história que tenha sido o mesmo exército que deu origem à ditadura que destruiu a I República, que tenha derrubado o salazarismo para garantir o fim da guerra.

Clandestinamente, na oficialidade média, já estava se articulando o MFA. A fraqueza do governo Marcelo Caetano era tão grande que cairia como uma fruta podre, em horas. A nação estava exaurida pela guerra. Pela porta aberta pela revolução anti-imperialista nas colônias, iria entrar a revolução política e social na metrópole.

O serviço militar obrigatório era de assombrosos quatro anos, dos quais pelo menos dois eram cumpridos no ultramar. Mais de 10 mil mortos, sem contar os feridos e mutilados, na escala de dezenas de milhares. Foi do interior desse exército de alistamento obrigatório que surgiu um dos sujeitos políticos decisivos do processo revolucionário, o MFA.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/07/adeus-otelo-1936-2021/

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