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O que entregar “alma do governo” ao Centrão pode significar para Bolsonaro

Nomeação de Ciro Nogueira à Casa Civil torna mais remota a possibilidade de impeachment do presidente, mas não garante apoio substantivo à sua reeleição nem a “aventura golpista”, analisam cientistas políticos.

Jair Bolsonaro deve empossar na próxima semana o senador Ciro Nogueira (PP-PI) como ministro da Casa Civil, em um gesto que dará a “alma do governo” a um dos maiores líderes do Centrão, segundo declaração do próprio presidente feita nesta terça-feira (27/07).

A iniciativa elevará a um patamar inédito a dependência do Palácio do Planalto desse grupo de partidos, que não tem bandeiras ideológicas definidas e se aproxima de governantes em busca de cargos e verbas para bases eleitorais e grupos de interesse. Presidentes anteriores também buscaram o apoio do Centrão, mas não chegaram a ceder a Casa Civil, que coordena a atuação dos demais ministérios e faz o meio de campo com o Planalto e o Congresso.

A entrada de Nogueira nessa pasta estratégica evidenciou a contradição de Bolsonaro, que foi eleito em 2018 com críticas a esse grupo de partidos, que ele chamava de “velha política”, e hoje diz pertencer ele próprio ao Centrão. Mas o entendimento dessa aliança ultrapassa aspectos morais e de coerência discursiva, e está ligado a fatores estruturais e conjunturais da política brasileira, segundo cientistas políticos ouvidos pela DW Brasil.

Eles avaliam que a nomeação de Nogueira torna ainda mais remota a possibilidade de impeachment de Bolsonaro e deve garantir que ele conclua seu mandato, com um poder reduzido de ditar a agenda. Os efeitos dessa aliança para a sua campanha à reeleição, porém, dependerão de como a economia e a popularidade do presidente evoluírem. Se outra candidatura, como a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mostrar-se mais competitiva, esse partidos começarão a construir pontes com ela.

O apoio do Centrão também não deve servir a uma eventual tentativa de golpe e de desrespeito ao resultado das urnas, como Bolsonaro e seu círculo próximo às vezes ameaçam, segundo os analistas. Não porque os políticos desses grupo de partidos sejam todos necessariamente entusiastas da democracia, mas porque se beneficiam exatamente das eleições e de um Congresso em funcionamento e não teriam incentivos para alterar esse sistema.

Bolsonaro tentou dispensar partidos, mas não conseguiu

Desde a redemocratização, todos os presidentes brasileiros buscaram montar uma coalização com partidos para garantir a governabilidade e implementar políticas públicas. O núcleo da aliança era formado ainda na campanha e ampliado após a posse, cedendo espaços no governo aos partidos.

Bolsonaro foi o primeiro a abrir mão dessa estratégia logo de saída. Eleito na onda por uma “nova política”, ele recorreu a pessoas sem vínculos partidários identificadas ao seu discurso e a militares da ativa e da reserva para montar o seu governo, esperando que seu apoio popular fosse suficiente.

Esse esquema funcionou no início do mandato, menos por mérito do presidente e mais pelo interesse do próprio Legislativo, que estava empenhado em aprovar pautas como a reforma da Previdência, articulada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), segundo o cientista político Fernando Meireles, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Bolsonaro foi o presidente que menos enviou projetos de lei [no primeiro ano] comparado a outros presidentes”, diz.

Em meados de 2020, desgastado pela atuação do governo na pandemia e enfrentando dificuldades crescentes com o Legislativo, Bolsonaro começou a abrir espaço no governo para políticos que tinham diálogo no Congresso, e, no início de 2021, pela primeira vez deu o comando de um ministério a um membro do Centrão, quando João Roma (PRB) assumiu a pasta da Cidadania. Depois Flávia Arruda (PL) chegou à Secretaria de Governo, e agora Nogueira à Casa Civil.

Apoio essencial para terminar o mandato

“Bolsonaro percebeu que precisava de maior apoio político no Congresso. O principal motivo é evitar a abertura de um processo de impeachment e conseguir terminar seu mandato. A CPI aprofundou a fragilidade do governo, e quanto mais frágil mais dependente ele fica de uma base relativamente fiel”, diz o cientista político Leonardo Martins Barbosa, pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro, vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A CPI da Pandemia revelou como o negacionismo do governo se refletiu em decisões de políticas públicas que prejudicaram o combate à covid-19, e trouxe à tona suspeitas de tráfico de influência e de corrupção na compra de vacinas. Também desgastaram o Planalto a apresentação de novos pedidos de impeachment e a decisão da oposição de começar a organizar protestos de rua.

Barbosa considera improvável que, com Nogueira na Casa Civil, o Centrão se volte contra Bolsonaro e apoie seu impeachment no ano e meio que lhe resta de mandato. No caso de Dilma Rousseff, afirma, isso só foi possível graças a um grande esforço de coordenação política que envolveu o então vice-presidente, Michel Temer, e amplos setores sociais, inclusive de grandes empresários, fatores hoje ausentes.

Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/o-que-entregar-alma-do-governo-ao-centr%C3%A3o-pode-significar-para-bolsonaro/a-58680207

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