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Ainda desmoralizada pelo Syriza, a esquerda grega está lutando para se reconstruir

Ainda desmoralizada pelo Syriza, a esquerda grega está lutando para se reconstruir

Por Aliki Kosyfologou e Thanos Andritsos / Tradução: Gercyane Oliveira / Foto: (Lefteris Partsalis / Xinhua via Getty)

 

“Águas cristalinas, sol constante, sabores locais explosivos e pores-do-sol sublimes”: assim prometeu o “verão grego sem fim“, a campanha oficial da Grécia em 2020 para promover o turismo. Um ano e um desastre ambiental depois, todos estão perguntando para onde este verão foi – e quem realmente gostou dele.

De acordo com uma pesquisa para o Ιnstitute da IELKA (Retail Consumer Goods), apenas um em cada três gregos disse que tiraria férias em 2021, com muitos incapazes de fazê-lo, dada sua situação financeira desastrosa. Aqueles que ficaram nas cidades tiveram que suportar o calor, a atmosfera tóxica, a falta de atividades criativas de qualidade para crianças e até mesmo cortes de energia, com o fornecimento esgotado tanto pelo uso excessivo quanto pela crise climática.

Neste contexto, a promessa de um “verão grego sem fim” soa como algo de uma era passada. Mas de uma perspectiva climática, também soa como uma ameaça. Neste último verão, a Grécia foi atingida por repetidas ondas de calor, a pior do país em mais de três décadas. As temperaturas subiram a um recorde de 47 graus Celsius. As condições extremas de calor facilitaram os incêndios que destruíram uma centena de hectares de terra – dez vezes a média ao longo da última década.

Este também foi um verão em que a Grécia “reabriu” suas portas para os clientes da indústria turística – uma “história de sucesso” que teve um custo elevado em termos de infecções e hospitalizações. Diante de um aumento alarmante dos casos da COVID-19 e dos índices de vacinação ainda fracos, os gregos estão se perguntando se o governo irá impor uma nova série de restrições neste outono.

Assim, nos últimos dois anos, a Grécia parece que está trocando entre dois trajes nacionais. O inverno consiste no aumento de mortes por coronavírus, dizimação de hospitais, desemprego, fechamento de empresas, restrições severas e autoritarismo. Depois de maio, a Grécia veste suas roupas de verão para receber os convidados estrangeiros. E a partir de outubro, voltamos às fábricas diabólicas, com o governo culpando os “irresponsáveis cidadãos” pela crise, como de costume.

Austeridade e a pandemia

Ogoverno de direita da Nova Democracia de Kyriakos Mitsotakis lidou com a pandemia através de sucessivos lockdowns e restrições de circulação – com apenas uma compensação mínima para os setores da economia mais atingidos pela pandemia. As medidas para reforçar a capacidade e a eficiência dos serviços públicos da Grécia provaram ser escassas e insuficientes. Em vez disso, o governo usou o estado de emergência para promover leis contra o trabalho e medidas autoritárias, incluindo a abolição da jornada de trabalho de 8 horas e a criação de uma força policial especial nos campi universitários.

A crise sanitária da COVID-19 exacerbou todos os aspectos da austeridade. O desemprego ultrapassou 15% em maio de 2021 – 19,1% para as mulheres e 12,3% para os homens. Mais uma vez, a Grécia foi a pior da União Europeia (UE) em desemprego juvenil, com cerca de 38,2% dos jovens sem emprego em maio deste ano.

A pandemia expôs dramaticamente as vulnerabilidades de um sistema de saúde pública já duramente atingido por 10 anos de austeridade. As unidades de saúde com falta de trabalhadores simplesmente não dispunham de recursos para lidar com os efeitos devastadores da pandemia em termos de saúde e sociais. Desde 2009, os gastos com saúde diminuíram significativamente em comparação com outros Estados europeus. Atualmente, os gastos com saúde pública na Grécia estão de 5% do PIB, um terço abaixo da média na UE.

Estes cortes de gastos, combinados com mudanças estruturais no Sistema Nacional de Saúde e a introdução de formas precárias de emprego, têm corroído o acesso à saúde pública. As necessidades de saúde não atendidas entre a população de baixa renda e os desempregados aumentaram fortemente, com uma taxa de 21,5% entre os desempregados e 34,3% entre as camadas de baixa renda que necessitam de tratamento.

A violência de gênero (VBG) também aumentou durante a pandemia. De acordo com um relatório da Secretaria Geral de Demografia e Política Familiar e Igualdade de Gênero publicado em novembro passado, os bloqueios, medidas de quarentena e restrições de circulação “resultaram em violência doméstica mais frequente e mais grave para as mulheres e seus filhos”.

As chamadas para a linha telefônica de emergência dedicada à VBG aumentaram em 230% durante o primeiro bloqueio. Além disso, durante o primeiro e o segundo lockdowns (novembro de 2020 a maio de 2021), uma série de feminicídios brutais e perturbadores revelou a extensão do abuso doméstico e da violência de gênero na Grécia. No total, desde o início da pandemia, 11 mulheres foram assassinadas por seus maridos ou parceiros.

Apesar das claras consequências sociais da crise, o governo promoveu uma narrativa centrada na responsabilidade individual. O slogan “fique em casa, fique seguro” enfatizava a escolha pessoal em vez da solidariedade para minimizar a propagação da doença. Os cidadãos eram considerados como indivíduos isolados – de fato, infratores em potencial.

Neste contexto, não era surpreendente que muitos hesitassem em se juntar à campanha de vacinação, sobretudo devido ao fracasso das autoridades públicas em organizar uma campanha de comunicação adequada em lidar com a ansiedade do público explicando os resultados científicos da vacinação. O Ministério da Saúde e o Comitê Nacional de Vacinação expressaram abertamente dúvidas sobre se a vacina AstraZeneca era adequada para mulheres jovens e grávidas com menos de 39 anos de idade, mesmo quando esta era a única vacina disponível para esta faixa etária. Dada a falta generalizada de credibilidade das medidas do Estado, as abordagens irracionais e individualistas floresceram.

Entretanto, culpar os não vacinados não ajuda a entender a atual pandemia na Grécia. Até setembro, apenas 56% da população do país havia sido totalmente vacinada, com taxas ainda mais baixas entre os jovens de 18 a 24 anos (51%), de 25 a 49 anos (40%) e os gregos na faixa etária de 50 anos (28,5%). Aproximadamente 90% dos pacientes entubados com COVID-19 admitidos na UTI não são vacinados.

Em setembro, a Grécia também estava entre os três piores países da UE em mortes por milhão, ao lado da Bulgária e Lituânia. Estes números são a consequência de uma taxa insuficiente de vacinação entre as populações mais vulneráveis. Mas ao invés de um esforço direcionado para proteger esses grupos, o governo usa a campanha de vacinação como uma ferramenta para aumentar o autoritarismo, demissões, mudança de responsabilidades e ataques a agências estatais já dizimadas. O resultado é uma frustração crescente contra o governo, sem mencionar a resistência à vacina por parte da população.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/11/ainda-desmoralizada-pelo-syriza-a-esquerda-grega-esta-lutando-para-se-reconstruir/

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