Com 99% da apuração concluída, a direitista Keiko Fujimori aparece cerca de 70 mil votos atrás do rival esquerdista na disputa pela presidência do Peru. Alegando fraude, ela pede que 200 mil votos sejam anulados.
Pouco atrás do rival esquerdista Pedro Castillo na apuração, a candidata direitista à presidência Keiko Fujimori pediu às autoridades eleitorais do Peru nesta quarta-feira (09/06) que sejam anulados cerca de 200 mil votos do segundo turno realizado no último domingo.
Fujimori apresentou o pedido de anulação à Junta Nacional de Eleições após denunciar irregularidades e indícios de fraude no pleito, dizendo a repórteres ter evidências de uma “clara intenção de boicotar a vontade popular”.
Com 99% dos votos contabilizados, Castillo lidera a apuração com 50,2%, contra 49,8% de Keiko, o que significa uma diferença de cerca de 70 mil votos. Na noite de terça-feira, o candidato de esquerda se declarou vencedor.
“Se acrescentarmos as 802 urnas nas quais foram apresentados pedidos de anulação e que representam cerca de 200 mil votos, e acrescentarmos 300 mil votos [de outras urnas que estão sob análise], ainda há 500 mil votos em jogo em nível nacional”, afirmou Keiko em entrevista coletiva.
O presidente da Junta Nacional de Eleições, Jorge Luisa Salas, expressou surpresa após o pedido de Keiko de anular 802 urnas, ressaltando que nas eleições passadas, de 2016, apenas 29 urnas foram contestadas.
Os pedidos de revisão dos votos poderão levar cerca de dez dias para ser analisados, fazendo com que a disputa siga em aberto em meio a um clima crescente de incerteza no país. A conclusão da apuração já vinha demorando à espera dos votos de áreas rurais e afastadas, assim como os de peruanos que vivem no exterior.
Embora as três últimas eleições presidências também tenham tido disputas acirradas, analistas consideram que nunca houve um segundo turno tão polarizado no país quanto o disputado por Keiko e Castillo e temem distúrbios sociais seja quem for o vencedor.
Polarização
O socialista Castillo, do partido Peru Livre, é um professor de escola primária sem experiência de governo. Filho de camponeses analfabetos, ele entrou para a política ao liderar uma greve de professores. Ele venceu o primeiro turno das eleições, em abril.
Durante a campanha, Castillo propôs abolir o Tribunal Constitucional, controlar a mídia e nacionalizar a indústria de petróleo e gás, com intuito de criar um Estado socialista. Seu discurso ficou cada vez mais moderado nas últimas semanas, mas ele prometeu reescrever a Constituição aprovada sob o regime de Alberto Fujimori.
Por sua vez, a ex-congressista Keiko Fujimori, do partido Força Popular, concorre pela terceira vez à presidência. Filha do ex-presidente autoritário preso Alberto Fujimori, ela mesma enfrenta ameaça de ser condenada a 30 anos de prisão por lavagem de dinheiro e financiamento ilegal de campanha, num escândalo envolvendo a construtora brasileira Odebrecht.
Keiko disse que perdoará seu pai se ganhar a eleição, saudando o retorno a uma época que muitos peruanos não desejam. “Fujimori anunciou que vai introduzir uma ‘demodura’ ou ‘democracia com mão dura’, governo autoritário com instituições democráticas, exatamente o que seu pai fez”, explica a cientista política peruana Mayte Dongo.
Alberto Fujimori esteve no poder de 1990 a 2000, durante o qual obrigou dezenas de milhares de mulheres indígenas a serem esterilizadas. Atualmente, cumpre pena de 25 anos por autorizar sequestros e assassinatos por esquadrões da morte.
Clima tenso
As Forças Armadas pediram que todos os peruanos respeitem os resultados da eleição e reafirmaram seu “compromisso com a vontade cidadã”, enquanto circulam nas redes sociais pedidos para que os militares impeçam que Castillo assuma o poder.
O esquerdista também apelou por tranquilidade. “Agradeço àqueles que seguem resistindo nas ruas. Não caiamos em provocações de quem quer ver este país no caos. Por isso, fazemos um chamado de paz e tranquilidade”, tuitou Castillo nesta quarta.
Tanto Castillo quanto Keiko prometeram respeitar a democracia e formar governos que levem à estabilidade econômica.
Os peruanos foram às urnas no último domingo para escolher seu quinto presidente em três anos, após uma série de crises e escândalos de corrupção e três diferentes líderes ocupando o cargo em apenas uma semana no ano passado.
A lei peruana prevê que as acusações de corrupção contra Keiko sejam suspensas até depois de seu mandato se ela for eleita. Se derrotada nas urnas, ela logo poderia ir a julgamento. Ela é acusada de receber propina da Odebrecht para financiar suas campanhas presidenciais em 2011 e 2016.
Após o fechamento das urnas no domingo, Keiko saiu à frente na apuração, mas a diferença entre ela e Castillo foi diminuindo à medida que a contagem dos votos avançou.
Nenhum governo reconheceu oficialmente a vitória de Castillo, mas o esquerdista já foi saudado pelo ex-presidente boliviano Evo Morales. Em postagem no Twitter, Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia, afirmou se tratar de uma vitória “também para o povo latino-americano que quer viver com justiça social”.
Quem quer que seja o vencedor vai assumir um país mergulhado em recessão e com a maior taxa de mortalidade pelo coronavírus, com mais de 186 mil óbitos confirmados numa população de 33 milhões de pessoas.
Apesar das alegações de irregularidades feitas por Keiko, observadores internacionais da Organização dos Estados Americanos (OEA) descartaram a hipótese de fraude nas eleições e exaltaram a transparência do processo eleitoral peruano.
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