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Ativistas ocupam praças para produzir alimentos em São Paulo

Estima-se que existam mais de 170 hortas comunitárias em praças e espaços públicos da capital paulistana. Além de promoverem educação ambiental, “agricultores urbanos de guerrilha” lutam pelo direito à cidade.

Por: Laís Modelli

Quem olha os prédios de São Paulo não imagina que um terço do território da cidade é rural, com mais de mil unidades de produção agropecuária, segundo o Sampa+Rural, plataforma colaborativa da Prefeitura que conecta agricultores urbanos, pesquisadores e órgãos municipais.

A maior parte das áreas com características rurais está concentrada nas bordas da capital, contudo, nos extremos das periferias. No Centro e demais zonas, o que se vê é o concreto e poucas áreas verdes.

No bairro mais árido da capital, a Mooca, na Zona Leste, – ali são menos de 3 m² de área verde por habitante, enquanto a média da cidade é de 12 m² de área verde por habitante, de acordo com dados de 2016 da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente – resiste uma área de 7 mil m² de árvores, pomar e hortaliças: a Horta das Flores.

Localizada na Praça Alfredo Di Cunto, a Horta das Flores, que pode ser avistada por quem passa pela Radial Leste sentido bairro, é mantida exclusivamente por moradores da Mooca e voluntários, que plantam, fazem mudas, colhem, capinam o terreno e recebem projetos sociais para educação ambiental de jovens e moradores de rua.

“Ali, planta-se de tudo o que você imaginar”, diz o publicitário José Luiz Fazzio, morador da Mooca e voluntário que ajudou a revitalizar o local.

Fundado em 2004 por um projeto da prefeitura durante a gestão de Marta Suplicy, o local que hoje é uma horta nasceu como uma estufa, mas foi desativada pelo próprio poder municipal na gestão de Gilberto Kassab.

Volutários colhem no jardim de ervas medicinais da Horta das Flores
Voluntários colhem no jardim de ervas medicinais da Horta das Flores Foto: privat

Em 2015, após a prefeitura tentar destruir o terreno para a construção de uma creche, os moradores da Mooca se uniram e fundaram o coletivo Horta das Flores. Atualmente, os 7 mil m² abrigam uma horta comunitária, uma estufa, uma composteira e um viveiro com quase mil árvores nativas da Mata Atlântica.

“O terreno foi cercado quando era projeto do governo municipal. Continua cercado até hoje, mas todos os dias pelo menos dois voluntários do coletivo abrem os portões das 9h às 17h30 para visitação e plantio”, conta o voluntário José Luiz.

“Todos os domingos, fazemos mutirão para quem quiser ajudar a cuidar e a limpar o terreno”, acrescenta.

Desde a gestão de Bruno Covas, porém, a prefeitura tenta construir Habitações de Interesse Social no terreno da Horta das Flores.

“Há uns dois anos, uns construtores foram conhecer o terreno e nos disseram que construiriam três torres de prédios ali”, diz José Luiz.

Segundo uma publicação de 2018 no Diário Oficial da União, o projeto prevê a construção de 2.760 unidades habitacionais por meio de parceria público-privada no local.

“Chamamos a população e arrecadamos mais de sete mil assinaturas. Entramos com processo no Ministério Público neste ano e já ganhamos duas liminares”, afirma o voluntário.

Apesar disso, a última visita de construtores para mapear o terreno aconteceu em novembro.

“Somos totalmente a favor da construção de casas populares, mas que sejam construídas em locais adequados. A Mooca foi um bairro de fábricas no passado, então tem muitos galpões ociosos”, diz.

A reportagem procurou a prefeitura de São Paulo e a subprefeitura da Mooca, mas não obteve resposta.

Em protesto contra a prefeitura, voluntários fazem abraço simbólico na estufa da Horta das Flores
Em protesto contra a prefeitura, voluntários fazem abraço simbólico na estufa da Horta das FloresFoto: privat

A guerrilha

O doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Nagib explica que a Horta das Flores é um exemplo de horticultura de guerrilha, um tipo de ativismo urbano que promove a transformação radical do espaço urbano local para que este se torne acolhedor, justo e produtivo para os moradores.

“A horticultura de guerrilha é um método de atuação ativista para materializar hortas urbanas onde não há políticas ou programas públicos que as incentivem, nem terras disponíveis para que as pessoas possam plantar alimentos e criar espaços de encontro, de trocas, de biodiversidade etc. dentro das cidades”, diz Nagib.

Diferente das hortas urbanas comercial ou familiar, em que o foco costuma ser a produção do alimento e a geração de renda, a horta de guerrilha tem um caráter ativista, em que os objetivos são promover a educação ambiental da população e ocupar o espaço público para a produção de alimentos orgânicos.

Um dos focos da Horta das Flores, por exemplo, é ensinar a população a produzir alimentos. “Temos uma composteira onde ensinamos a população sobre a importância de dar um destino certo ao nosso lixo e orientamos como fazer uma igual em casa”, conta José Luiz.

O coletivo também tem parcerias com universidades e projetos sociais.

“Pessoas em situação de rua frequentam a horta. Ensinamos eles a plantar, depois eles voltam, colhem e comem o que plantaram. Muitos deles, aliás, vieram do interior e já trabalharam na roça e nos ensinam coisas novas, é uma troca constante. Quando veem uma horta deste tamanho no meio de São Paulo, se emocionam”, diz o voluntário.

O Sampa+Rural estima que existam 273 hortas urbanas em todo o território de São Paulo, sendo que 170 delas estão em equipamentos públicos como escolas, bibliotecas, centros de saúde e culturais, praças e parques.

Nagib afirma que não se sabe quantas das 170 hortas em locais públicos listadas pela prefeitura são hortas de guerrilha, uma vez que muitas dessas experiências “são silenciosas e nem sempre são permanentes”.

Do quintal de casa para a praça

Outro exemplo conhecido é a Horta das Corujas, fundada em setembro de 2012 na Praça Dolores Ibárruri, no bairro da Vila Beatriz, Zona Oeste de São Paulo.

Com 800 metros quadrados de muitas hortaliças e um poço d’água de uma nascente recuperada pelos próprios voluntários, a Horta das Corujas nasceu da ação de cerca de 50 moradores que, na sua maioria, já plantavam alimentos no quintal de casa.

Voluntários da Horta das Corujas, em São Paulo
Voluntários da Horta das CorujasFoto: privat

Um ano antes de ocuparem a Praça Dolores Ibárruri, o grupo se conheceu em um workshop sobre agricultura urbana e criou um grupo no Facebook para trocar informações sobre suas experiências caseiras. A partir desta rede, o grupo percebeu que poderia ocupar um local público ocioso no bairro para cultivar alimentos e criar um espaço de convivência social.

“Resolvemos fazer a horta na base da guerrilha”, conta a jornalista e ambientalista Claudia Visoni, voluntária e uma das criadoras da Horta das Corujas.

Claudia ressalta que “guerrilha” não tem conotação política para os voluntários da horta. “Nossa principal característica é ser apartidário e pacifista”, diz.

No caso, a guerrilha – que no seu conceito original significa “pequena guerra” –, vem do fato de a Horta das Corujas ter sido criada por iniciativa dos próprios moradores em um terreno público.

Contudo, para criar o projeto na praça, os voluntários precisaram de autorização da subprefeitura de Pinheiros – que gere essa região de São Paulo –, mas quem cuida da manutenção da horta, da nascente que abastece o local, do terreno, das mudas e todo o resto são os próprios voluntários. Eles se organizam por meio de escalas e, aos finais de semana, fazem mutirões com quem quiser ajudar na Horta das Corujas.

“A prefeitura colocou as hortas urbanas comunitárias no seu plano de metas, mas nunca chamou a gente para conversar”, diz a voluntária.

Ao longo de quase dez anos de existência da Horta das Corujas, Claudia afirma que a única ajuda da prefeitura foi cercar o local da horta, enquanto a subprefeitura de Pinheiros doou a terra usada nos canteiros de plantio – as hortaliças são plantadas em canteiros elevados e não diretamente no solo, que está compactado e sem os nutrientes necessários para o desenvolvimento das plantas.

Diferente da Horta das Flores, a Horta das Corujas fica permanentemente aberta. O local tem mais de 300 espécies comestíveis e medicinais e qualquer pessoa que passe por lá pode colher o alimento que já estiver pronto para colheita.

Voluntários plantam na Horta das Corujas, em São Paulo
Horta das Corujas fica permanentemente abertaFoto: privat

Áreas rurais na capital

As experiências de hortas urbanas comunitárias na capital ainda são pequenas quando comparadas às importantes zonas rurais concentradas nos extremos das regiões Sul, Norte e Leste da cidade. A maior delas é a Zona Rural do extremo Sul de São Paulo, com mais de 348 km². A segunda maior é a Zona Rural do extremo Norte, com mais de 71 km² de área.

Cerca de 69% das hortas urbanas das zonas rurais paulistanas são propriedades com até 20 hectares com mão de obra predominantemente familiar. Pelo menos 28% delas são chefiadas por mulheres, segundo o Sampa+Rural.

Independentemente do tipo de horta urbana, o geógrafo Nagib ressalta a importância dessas iniciativas para garantir a justiça alimentar nas cidades, assegurando aos hortelões e agricultores urbanos o controle dos recursos alimentares.

“As hortas urbanas podem garantir uma produção significativa de alimentos orgânicos às pessoas que as cultivam e aos consumidores que estão próximos. Elas também podem fornecer alimentos frescos às populações que têm maior dificuldade de acesso a eles nos grandes centros urbanos”, aponta Nagib.

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/como-ativistas-t%C3%AAm-ocupado-pra%C3%A7as-para-produzir-alimentos-em-s%C3%A3o-paulo/a-60228740

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