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Bem-vinda, convenção constitucional do Chile

Por Manuel Cabieses Donoso / Créditos da foto: (Reprodução/The Times Chile/bit.ly/3AfVILf)

Vocês, convencionais, são nossa última esperança de uma transição pacífica para uma nação com direitos e deveres iguais para todos.

Por isso lhes damos boas-vindas, vocês são nossos irmãos. Contem conosco.

O conservadorismo – de direita e de “esquerdas” – os impediu de usar o nome de Assembleia Constituinte. Mas isso é o que vocês são na verdade. Uma Assembleia do povo que redigirá a nova Carta Magna regendo leis, decretos e regras de uma república diferente. Por isso, a prioridade maior é recuperar a identidade. Vocês fazem parte de uma Assembleia Constituinte, a primeira de nossa história, dotada de todos os poderes para escrever uma nova Constituição política. No fim será o povo, em referendo, que aprovará ou rechaçará a proposta. Então, a primeira decisão que se espera de vocês é sobre se assumirão a plenitude de seus poderes, rechaçando toda submissão a uma ordem que precisa ser mudada pela raiz. Confiamos em vocês.

A nova Constituição Política da República do Chile tem que se colocar, sem ambiguidades, do lado dos pobres do campo e da cidade. Dos que sofrem discriminação social, racial e de gênero em saúde, educação moradia, trabalho, salários, aposentadoria, etc. Todos os chilenos que mereçam, sem prejuízo de sua origem, devem poder ser juiz da Suprema Corte, comandante do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, deputado ou presidente da República. Igualdade de direitos e de deveres é a medida democrática que nós chilenos esperamos da nova Constituição.

Recuperado seu caráter de Assembleia Constituinte, a “Convenção” tem de se colocar ao lado dos pobres, dos que fingem ser “classe média” tendo um salário de 400 mil pesos e um carro usado. Eles são a maioria no país. E existem os extremamente pobres, os miseráveis dessa sociedade: as 81 mil famílias que sobrevivem em 969 acampamentos de placas, papelão e plástico, sem água potável nem banheiro, o absurdo de crianças e idosos cobertos de barro e de desesperança.

Como tolerar uma Constituição que permite que em tempo de pandemia e de aumento da pobreza, um punhado de cidadãos – entre eles o presidente da República – tenha acrescido bilhões de dólares às suas riquezas?

Vocês, constituintes, têm o dever de por fim à injustiça social descartando o modelo neoliberal que nos estrangula. Vocês podem escrever uma Carta Magna que obrigue leis e instituições a se ajustarem a uma era de mudanças. A nova Constituição permitirá ao povo exigir, sem obstruções legais, os direitos que lhe são negados. As instituições civis e militares, hoje em profunda crise, terão de se adaptar às novas regras.

A Constituição – esperamos – irá criar um mecanismo antigolpista que permitirá remover, mediante plebiscito, os governos corruptos que traiam suas promessas. Igualmente, a Constituição democrática abrirá seguramente espaço à iniciativa popular em matéria de leis e limpará o caminho legislativo eliminando o Senado e o Tribunal Constitucional, que hoje confunde e facilita o suborno e a prevaricação de instituições.

Uma Assembleia Nacional com deputados que recebam salário semelhante ao de um trabalhador, uma Suprema Corte com ministros de confiável probidade deveriam ser a inspiração das novas leis da República. Uma ampla maioria cidadã espera que a nova Constituição reconheça a autonomia dos povos originários e a orgulhosa mestiçagem do povo chileno.

O direito de manifestação pacífica, de discordar e expressar opiniões críticas ao governo e à Assembleia Nacional, de formar sindicatos e partidos políticos, de professar e praticar a religião que cada um deseje, ao aborto livre, o direito de formar família por casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc,. serão sem dúvida direitos incluídos na nova Constituição.

Além disso, existe um direito que, sem dúvida, será motivo – como é hoje – de profunda discussão. A liberdade de expressão. Esta, sem dúvida, deve ser ampla em todos os campos. O grau e amplitude da liberdade de expressão devem ser submetidos a escrutínio na Convenção. O direito de informar e opinar, cujo irmão gêmeo é o direito de ser informado, deve se adequar a certas regras para ser autenticamente democrático.

A informação cumpre uma função social. Portanto – como a saúde e a educação – não pode ser um negócio privado. A propriedade dos meios de comunicação – audiovisuais, sonoros, escritos e digitais – não pode ficar nas mãos de imperadores da opinião pública. Tem de ser propriedade comum de cooperativas, organizações sociais, partidos políticos, municipalidades, congregações religiosas, etc., apoiados pelo Estado caso sejam excluídos da publicidade privada. Tem de ser os jornalistas, que obedecem a normas de ética profissional, que dirijam os meios, não executivos e agências de publicidade como hoje. A informação cria correntes de opinião política e essa nobre função, repetimos, não pode ser um negócio a mais na gama de interesses de grandes empresários. O pluralismo informativo e de opinião é absolutamente necessário nesta época de mudança social e política. Os magnatas da imprensa devem ser dispensados de uma tarefa que é de responsabilidade coletiva se quisermos avançar resolutamente para o futuro.

Compatriotas constituintes:

Superem as limitações que o sistema tenta impô-los.

Cumpram um dever de lealdade com a luta heroica do povo chileno para chegar a esse limiar de liberdade!

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Bem-vinda-convencao-constitucional-do-Chile/6/50941

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