Um apostou em pesquisas científicas, na Saúde Pública e em rígidas medidas sanitárias. Em pouco tempo, teve rápida retomada econômica. O outro, numa gestão errática e refém do mercado. Resultado: mais desemprego e estagflação
Por: Isis Paris Maia e Stephani dos Santos
A pandemia de covid-19 foi um dos mais impactantes eventos sanitários e sociais do último século. Sem sombra de dúvidas, há muitas lições a serem extraídas deste evento. Cabe, nesse sentido, analisar a maneira como Brasil e China enfrentaram esta crise de modo a entender como diferentes perspectivas de gestão política e científica produziram resultados não apenas diferentes, mas divergentes. Relatada pela primeira vez no final de 2019 na China, em Wuhan, em 30 de janeiro de 2020 foi declarada Emergência de Saúde Pública pela OMS e como pandemia em 11 de março de 2020.
Mesmo tendo sido o foco pioneiro do vírus, desde 23 de janeiro de 2020, o governo central da China impôs medidas rigorosas para combater a nascente epidemia. O país bloqueou Wuhan e proibiu os cidadãos de entrar e sair da cidade sem permissão das autoridades. Neste momento, o Ministério das Finanças e a Administração Nacional de Segurança de Saúde do país lançaram uma série de políticas para garantir que os pacientes pudessem receber tratamento gratuito com seguro médico básico. Apenas três dias após ser decretado o isolamento, em 26 de janeiro, 30 províncias da China ativaram o mecanismo de resposta emergencial de saúde pública.
Entre as medidas governamentais para enfrentar a pandemia, podemos citar: extensão de feriado, cancelamento das reuniões coletivas e aglomerações no geral, controle da capacidade de transporte, isolamento dos residentes em áreas afetadas, distanciamento social, uso obrigatório de máscara e trabalho de informação com a população. Além disso, foram enviados cerca de 40.000 médicos de outras regiões do país para apoiar Wuhan e construídos hospitais móveis em tempo recorde. No intuito de ter a vacina o mais rápido possível, a Fundação Nacional de Ciências Naturais da China lançou um programa de bolsas especiais para pesquisadores.
Já o Brasil sob o governo Bolsonaro, minimizou a gravidade crise sanitária, pois chamou o vírus causador de “gripezinha”; se posicionou contra o isolamento social argumentando que este prejudicaria a economia; vetou o uso obrigatório de máscara em território nacional; e incentivou o uso de medicamentos, não comprovados cientificamente, como meio de tratamento da doença. O resultado foram divergências com ministros da Saúde, na troca de quatro ministros em meio à maior crise sanitária do último século, provocando descontinuidade e instabilidade na condução das ações – conduta sem paralelo em escala mundial.
Diante das divergências sobre a responsabilidade de enfrentamento da covid-19, coube à apreciação do STF, cuja conclusão foi que estados e municípios têm competências concorrentes sobre as políticas de saúde, podendo traçar suas políticas de combate à pandemia sem a intervenção do governo federal. Bolsonaro desfechou inúmeras ameaças à instituição, enquanto o Supremo abria investigações acerca da conduta do presidente, incluindo a suposta prevaricação no caso da vacina Covaxin. Nesse contexto, o presidente seguiu fazendo diversas ameaças ao Congresso e ao STF, discursando em manifestações organizadas por grupos de extrema direita a favor do fechamento destas instituições e da volta da ditadura militar.
Analisando em perspectiva comparada, a condução da pandemia na China e no Brasil refletiu diferenças não apenas no número de infectados e óbitos, mas também nas condições socioeconômicas. De um lado, o Brasil foi o segundo em número de mortes e o nono em mortes por milhão de habitantes no mundo. De outro, a China com contágio e mortes ínfimas, sobretudo levando em conta ter sido o epicentro da doença e, por isso, ter de lidar com uma nova pandemia sem conhecimento prévio. A trajetória divergente na gestão da crise sanitária fez com que o desempenho socioeconômico revelasse comportamentos também tão díspares.
A China passou por sobressaltos como todo país que enfrentou a pandemia, porém, é possível observar que suas políticas de gestão minimizaram os ônus da crise. Isso pode ser evidenciado, por exemplo, observando as taxas de desemprego no país, mensurada pelo CEIC Data. Em outubro de 2019, o desemprego alcançava 3,6% da população, em janeiro de 2021, já em tempos pandêmicos, podemos observar o aumento para 4,24%, e, por fim, o dado de junho de 2021, 3,88% demonstra a retomada dos níveis de ocupação a níveis pré-pandemia, revelando a recuperação econômica. Ainda assim, a potência oriental eliminou a pobreza extrema1 em meio ao cenário pandêmico, com um crescimento do PIB de 2,3%.
O Brasil, por seu turno, viu a pobreza e as desigualdades se aprofundarem. Ou seja, os sobressaltos políticos e a falta de coordenação federativa para lidar com a pandemia, fizeram a proporção de pessoas abaixo da linha da pobreza passar de 10,27% ou 23,1 milhões de pessoas, antes da pandemia, para um pico de 16,1% no primeiro trimestre de 2021 – recuando a partir de abril com o retorno do auxílio emergencial, mesmo que com valores reduzidos. Em suma, se na China houve uma rápida retomada da economia em função do controle da doença, no Brasil a gestão errática aprofundou o desemprego, a pobreza e a desigualdade numa situação de estagflação.
Os discursos dos respectivos líderes em relação à pandemia da covid-19 esteve em compasso com o padrão das ações. Xi Jinping, presidente da China, aproveitou o 13º Congresso Nacional do Povo, em maio de 2020 para afirmar que “a vida é de suma importância, este é um preço que devemos pagar, a qualquer custo”. Enfatizando a abordagem centrada nos indivíduos no controle da epidemia e de sua recuperação socioeconômica. Já Bolsonaro, em seus pronunciamentos, diminuía a gravidade do vírus quando dizia que “não há motivo para pânico” e que “estão superdimensionado o poder destruidor deste vírus”. O presidente também defendeu a proteção à economia em detrimento da vida da população, dizendo que “vai morrer muitos […] se a economia continuar destroçada por essas medidas (de isolamento social)”. Bolsonaro também demonstrou displicência ao afirmar que “é a vida; todos nós iremos morrer um dia” e “eu sou messias, mas não faço milagre”.
Diante da calamidade no caso brasileiro, foi instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com o objetivo de apurar as ações e omissões do Governo Federal. Seu relatório final da CPI propõe 80 indiciamentos, dentre eles, o de duas empresas e de 78 pessoas, sendo uma delas o presidente Jair Bolsonaro, ao qual são atribuídos nove crimes. Já a China, frequentemente insultada por líderes do governo Bolsonaro, enfrentou a pandemia com êxito. Ao invés de decorrência do “autoritarismo” no lockdown ou ocultação de dados, Pequim foi considerado, pela própria OMS, exemplo de gestão para enfrentar a pandemia. Isso decorreu de uma coordenação central, forjada no Conselho de Estado, a partir da mobilização de todas as instâncias governamentais nessa empreitada.
Em suma, a pandemia precipitou mudanças tecnológicas, expôs contradições sociais e evidenciou o papel da ciência e da gestão pública. Mais do que nunca se evidenciou a importância do planejamento governamental e das políticas públicas para enfrentar uma crise sanitária e socioeconômica. O Brasil de Bolsonaro, alinhado com os EUA, deu a resposta compatível com o negacionismo vigente, se tornando menos traumático em razão dos freios de outros poderes republicanos, da atuação de unidades subnacionais e instituições públicas (SUS, Fiocruz, etc.). A China, por seu turno, mesmo sem conhecer o comportamento da doença, graças à mobilização nacional e às melhores práticas, apresentou números reduzidos de morte e rápida recuperação econômica.
Veja em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/brasil-e-china-na-encruzilhada-da-pandemia/
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