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Brasil na encruzilhada: independência… ou morte?!

Por José Celso Cardoso Jr. | Créditos da foto: Créditos da foto: (Guilherme Santos/Sul21)

O Brasil encontra-se, mais uma vez em sua história, diante de desafios e escolhas irreconciliáveis. Ou se submete aos processos de moralização arcaica dos costumes, valores antidemocráticos e criminalização da política, sindicatos e movimentos sociais, ou se levanta e luta. Ou adota o caminho da mediocridade e da subalternidade econômica, política e social, mas também intelectual, moral e cultural, ou se reinventa como nação para reescrever o seu próprio destino histórico.

Em 07 de setembro de 2022, num contexto – que já se pode antever – de imensa incerteza econômica, enorme vulnerabilidade externa, severas crises social, laboral e ambiental, e profunda crise político-institucional, o país deverá estar a voltas com possíveis “comemorações” referidas ao bicentenário da independência do Brasil.

Muito ao contrário de hoje, na efeméride havida por ocasião do primeiro centenário da independência, 1922 apresentava-se otimista diante do futuro, a despeito do contexto ainda prenhe de traços coloniais em praticamente todas as dimensões da nossa economia, política, sociedade e cultura. Como portador de um futuro auspicioso e libertário para as pessoas e para a pátria, unidas em busca da alma, da identidade e da alteridade tipicamente brasileiras, 1922 foi um marco positivo de onde advieram a Semana de Arte Moderna, o Movimento Tenentista e a eclosão de transformações estruturais em torno da – e que visavam à – afirmação e verdadeira independência nacional.

Pois que agora, cem anos depois, o sentimento ainda não é o de tarefas realizadas, mas sim o de tudo por fazer. Um misto de alienação, resignação e indignação coletiva frente aos descaminhos do presente e inseguranças do futuro. E a história de longo prazo mostra que nem mesmo a unidade territorial ou a identidade nacional brasileira estão livres de riscos à própria existência do país. Livros como “A Marcha da Insensatez: de Troia ao Vietnã” (Barbara W. Tuchman, 1984) e “Lugar Nenhum: Um Atlas de Países que Deixaram de Existir” (Bjorn Berge, 2020) mostram que a visão positivista inscrita em nossa bandeira (Ordem e Progresso) está muito longe de ser suficiente para garantir perenidade e desenvolvimento a uma civilização ou nação qualquer.

Tendo sido o Brasil construído sobre imensas heterogeneidades e desigualdades de vários tipos e dimensões, o seu processo civilizatório reflete a luta de classes e as diferentes formas pelas quais os grupos populares vêm lutando por igualdade, reconhecimento e pertencimento. Do século XIX, pode-se destacar nada menos que a independência política formal em relação a Portugal (1822), a abolição formal da escravatura como base do processo de acumulação capitalista no país (1888), e a proclamação da República como coroamento do processo de independência política (1889) e início da disputa por um Estado verdadeiramente nacional, de pretensões universalistas, voltado à promoção do interesse geral e do desenvolvimento para o conjunto da população em toda sua extensão territorial.

Do século XX, deve-se dar destaque aos processos – ainda em curso – de autonomização industrial e tecnológica, de rápida e caótica urbanização, de intensa recomposição populacional no sentido campo-cidades, norte-nordeste ao centro-sul, e não menos importante, ao difícil e tortuoso processo de republicanização e democratização do Estado e da própria sociedade brasileira. Como corolário desses 200 anos anteriores de construção nacional, o Brasil adentrou o século XXI de modo muito mais heterogêneo e complexo. Ao longo da década compreendida, sobretudo, entre 2004 e 2014, delinearam-se grandes tendências de seu processo histórico de desenvolvimento neste século. Grosso modo, a ideia de um desenvolvimento nacional soberano, includente, sustentável e … democrático.

Portanto, o movimento de ruptura política e social, que se encontra em curso desde 2016, representa muito mais que um episódio adverso da conjuntura. Trata-se, a bem da verdade, de um movimento conservador e reacionário, proveniente de segmentos atávicos da sociedade brasileira, no sentido de promover não apenas rupturas constitucionais por si só de gravíssimas implicações político-institucionais a futuro, mas, sobretudo, uma ruptura do processo histórico de construção e afirmação da Nação que, duramente, sobretudo desde a Constituição de 1988, vinha buscando se afirmar no país, assentado nos valores da soberania; da sustentabilidade ambiental, produtiva e humana; da democracia como valor e método de governo; e da inclusão social e territorial com equidade, como objetivos maiores da sociedade brasileira.

Infelizmente, porém, na quadra histórica em que a humanidade se encontra desde princípios do século XXI, já parece claro o colapso (ou ao menos algumas tendências nítidas de grande enfraquecimento institucional e disfuncionalidades práticas) das regras gerais de organização, regulação e funcionamento dos sistemas (econômicos, políticos, sociais, culturais, tecnológicos e ambientais) dominantes em escala planetária.

Em termos econômicos, o modo de produção, acumulação e exclusão capitalista domina hoje praticamente todos os espaços mundiais e até mesmo todas as esferas da vida coletiva e domiciliar/familiar. Hoje em dia, tudo é mercadoria; tudo é mercadoria sob a forma monetária. A expressão financeirizada das formas de produção e acumulação do valor representa o outro lado do processo crescente e aparentemente irreversível de redundância ou desemprego estrutural do trabalho vivo. Deste modo, o desemprego aberto de longa duração e todas as demais formas de subemprego e trabalho precário que hoje percorrem os países do mundo, com todas as consequências humanas que isso representa em economias e sociedades que dependem da fruição da renda monetária para se realizar, são a forma de manifestação mais visível do fracasso do modelo capitalista em sua tentativa de organizar, regular e fazer funcionar, em escala global e intertemporal, as diversas dimensões econômicas e sociais do cotidiano das pessoas.

Por sua vez, do ponto de vista político-institucional, vive-se neste século XXI uma crise sem precedentes nos sistemas democráticos representativos. A olhos vistos, parece que nunca foi tão grande a distância entre as necessidades e anseios dos diversos grupos populacionais e a baixa capacidade de representação política e de respostas institucionais adequadas dos governantes. Por outro lado, apesar das deficiências notórias dos sistemas representativos da atualidade, há fortes resistências dos poderes econômico, social e político a quaisquer tentativas de experimentação política, por meio de modelos alternativos de democracia participativa ou deliberativa, que impliquem maior protagonismo popular de grupos sociais historicamente excluídos. E isso, mesmo considerando o enorme potencial participativo presente nas novas tecnologias de comunicação e de produção e circulação de informações, as quais, na ausência quase completa de regulação pública em âmbito internacional, notoriamente em países periféricos como o Brasil, vem sendo apropriadas e usadas por pessoas, grupos e empresas para confundir, obscurecer e manipular realidades e situações, disseminando o caos comunicacional e reproduzindo heterogeneidades e dependências em escala ampliada.

Com o dito até aqui, já ficam claras a amplitude e a profundidade dos problemas sociais, culturais e ambientais que decorrem do aparente colapso civilizatório em curso. É deste cenário desolador que se deve partir para o repensar acerca do peso e papel do Estado nacional (e da função pública) na contemporaneidade, sobretudo em suas inter-relações com os mundos econômico, político, social, cultural e ambiental em franca deterioração nos dias que correm.

Tendo em tela apenas no caso brasileiro, a nossa proposta consiste em lançar mão de 3 ideias-forças, de cujo resgate teórico-histórico se poderia partir para avançar tanto na crítica aos formatos e conteúdos atualmente dominantes na esfera estatal, como – indo além – avançar também na reafirmação ou proposição de novos princípios, diretrizes, estratégias e táticas de ação (coletiva, contínua e cumulativa) que nos permitam conduzir a situação para um patamar qualitativamente superior de entendimento, organização e funcionamento do Estado nacional para as novas gerações de brasileiros e brasileiras, ainda no século XXI. As 3 ideias-forças para a tarefa aqui proposta são as seguintes:

∴ o desenvolvimento nacional como carro-chefe da ação do Estado, ou seja, o Estado não existe para si próprio, mas como um veículo para o desenvolvimento da nação. Nesse sentido, fortalecer as dimensões do planejamento estratégico público, da gestão participativa e do controle social – estratégias essas de organização e funcionamento do Estado – é fundamental para que possamos dar um salto de qualidade ainda no século XXI no Brasil.

∴ a necessidade de uma reforma do Estado de natureza republicana, que traga mais transparência aos processos decisórios, no trato da coisa pública de modo geral, redirecionando a ação governamental para as necessidades vitais e universais da população.

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Brasil-na-encruzilhada-independencia-ou-morte-/4/51528

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