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Chomsky: tentativa de golpe chegou mais perto de centros de poder do que o Putsch de Hitler em 1923

Mesmo com o governo Biden tomando as rédeas do poder, permanece o fato de que o autoritarismo e uma corrente fascista de pensamento político se enraizaram em solo norte-americano, entre uma grande proporção de seus cidadãos. Este desenvolvimento totalmente perturbador será, de acordo com Noam Chomsky, nesta entrevista exclusiva para Truthout, difícil de conter.

Por CJ Polychroniou

Mesmo com o governo Biden tomando as rédeas do poder, permanece o fato de que o autoritarismo e uma corrente fascista de pensamento político se enraizaram em solo norte-americano, entre uma grande proporção de seus cidadãos. Este desenvolvimento totalmente perturbador será, de acordo com Noam Chomsky, nesta entrevista exclusiva para Truthout, difícil de conter. Uma pesquisa recente mostra que a esmagadora maioria dos republicanos continua dando sinal de positivo para Donald Trump, mesmo após o ataque ao Capitólio. Na esteira da tentativa de golpe e às vésperas de um novo governo, o que as correntes políticas atuais significam para o futuro?

CJ Polychroniou – Noam, você vinha alertando o tempo todo sobre um possível golpe no caso de Trump perder a eleição de 2020. Nesse contexto, você está surpreso com o que aconteceu no Capitólio na contagem dos votos do Colégio Eleitoral?

Noam Chomsky – Surpreso, sim. Eu esperava uma forte reação da base de eleitores de Trump, elevada a um nível febril por conta de suas últimas palhaçadas. Mas não esperava que a tentativa de golpe atingisse esse nível de violência, e suspeito que a maioria dos participantes também não. Muitos pareciam ter sido pegos pela emoção do momento em que os líderes da multidão invadiram o odiado Capitólio para expulsar os demônios que não estavam apenas “roubando a eleição”, mas “roubando” seu país: seu país branco cristão.

Que foi uma tentativa de golpe, não há dúvida. Foi abertamente e orgulhosamente proclamado como tal. Foi uma tentativa de derrubar um governo eleito. Isso é um golpe. É verdade que o que foi tentado não foi o tipo de golpe regularmente apoiado por Washington em suas dependências, uma tomada militar com amplo derramamento de sangue, tortura, “desaparecimentos”. Mas, mesmo assim, foi uma tentativa de golpe. É verdade que os perpetradores se consideravam como defensores do governo legítimo, mas essa é a norma, mesmo para os golpes mais cruéis e assassinos, como o golpe apoiado pelos EUA no Chile no primeiro 11 de setembro – que na verdade foi muito pior em praticamente todas as dimensões do que o segundo, aquele que lembramos e celebramos. É melhor esquecer o primeiro com base no princípio dos “agentes errados”: Nós, não alguns fundamentalistas islâmicos radicais.

As emoções daqueles que tentaram o golpe [no Capitólio] eram aparentes. A crença de que a eleição foi roubada foi claramente sustentada com verdadeiro fervor. E é compreensível entre as pessoas que vivem em áreas apaixonadamente pró-Trump, onde ele é reverenciado como seu salvador, e para alguns, até mesmo escolhido por Deus, como ele uma vez declarou. Muitos mal podem ter visto um cartaz de Biden ou ouvido qualquer coisa da Fox News ou Rush Limbaugh sugerindo alguma possível falha em suas crenças.

Em alguns aspectos, essas crenças não são tão bizarras quanto podem parecer à primeira vista. Uma mudança de dezenas de milhares de votos em alguns condados pode ter desviado a eleição em um sistema profundamente antidemocrático como o nosso, onde 7 milhões de votos podem ser afastados junto com um número desconhecido de outros eliminados por expurgo, gerrymandering [estratégia de rearranjar distritos eleitores para favorecer candidatos], e os muitos outros dispositivos que foram concebidos para roubar a eleição das “pessoas erradas”, efetivamente autorizados pela Suprema Corte em sua vergonhosa decisão de 2013 anulando a Lei de Direitos de Voto (Shelby County v. Holder).

Como discutimos antes, a figura malévola no comando merece crédito por seu talento em explorar os fluxos venenosos que correm não muito abaixo da superfície da sociedade norte-americana, com fontes profundas na história e na cultura dos Estados Unidos.

Devo dizer que também fiquei surpreso com a rápida reação daqueles que são os donos do país e têm grande parcela de responsabilidade pelo mal-estar que estourou em 6 de janeiro. Em grande parte, é uma consequência do ataque neoliberal desde Reagan, amplificado por seus sucessores, que devastou as áreas rurais que são as casas de muitos que invadiram o Capitólio. Aqueles que detêm as alavancas do poder privado que domina a sociedade e o sistema político nunca gostaram do comportamento de Trump, que prejudicou a imagem que eles projetam de humanistas dedicados ao bem comum. Mas eles estavam dispostos a tolerar o desempenho vulgar, desde que Trump e seus cúmplices entregassem a mercadoria, enchendo os bolsos, roubando o público.

E eles fizeram isso. A “transferência de riqueza” dos 90% mais pobres para os ultrarricos desde que Reagan abriu as portas para assaltos chega a quase US$ 50 trilhões, de acordo com um estudo recente da Rand Corporation. Ninguém pode colocar números sobre o custo muito maior da destruição ambiental que era uma alta prioridade dos anos de serviço de Trump-McConnell para o setor muito rico e corporativo.

Mas, aparentemente, 6 de janeiro foi demais, e as ordens de marcha foram entregues rapidamente pelos Big Guns [Mandachuvas].

É preciso ter alguma compaixão pelos legisladores presos entre poderosas forças em conflito. Por um lado, eles veem as hordas enfurecidas levadas ao frenesi pelas performances de Trump, e ainda sob seu controle, prontas para se vingar daqueles que traem seu líder. E, por outro lado, olhando desde um ponto superior para eles embaixo, estão os capitães das finanças e da indústria que financiam suas eleições e acenam diante deles muitos outros privilégios para mantê-los na linha. (Quantos membros do Congresso deixam o cargo para se tornarem motoristas de caminhão ou secretários?)

O dilema é particularmente difícil para os senadores, que dependem mais dos grandes doadores. E sua deserção das fileiras de obsequiosos leais a Trump foi um pouco maior.

CJ Polychroniou – Aparentemente, os membros da Câmara do Distrito de Columbia foram informados pelo procurador-geral de DC que Donald Trump poderia invocar a Lei de Insurreição para tomar o controle da polícia da cidade, mas não esperava um ataque ao próprio Capitólio. Em sua opinião, o que explica as enormes falhas de segurança que levaram ao cerco ao Capitólio, e os eventos de 6 de janeiro de 2021 podem ser considerados um golpe?

Noam Chomsky – Uma tentativa de golpe, embora as conotações do termo putsch possam ser muito fortes. Os eventos lembravam muitos, incluindo historiadores do fascismo, do fracasso do putsch do Beer Hall de Hitler em 1923, que na verdade não penetrou tão facilmente nos centros de poder como a tentativa de golpe de 6 de janeiro.

As razões para as falhas de segurança estão sendo debatidas. Não tenho uma visão especial. Membros negros da polícia do Capitólio, que mostraram grande coragem junto com muitos de seus colegas brancos, acusaram durante anos que a força estava infiltrada com supremacistas brancos. Pode ter havido algum conluio e, possivelmente, corrupção séria no alto da cadeia de comando.

CJ Polychroniou – Se Trump incitou uma insurreição contra funcionários eleitos do governo dos EUA, é suficiente que ele tenha sofrido um novo impeachment? Ele não deveria estar enfrentando acusações de sedição, já que incitar uma insurreição contra o governo é um ato criminoso sob o Título 18 do Código dos EUA?

Saiba mais em:https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Chomsky-tentativa-de-golpe-chegou-mais-perto-de-centros-de-poder-do-que-o-Putsch-de-Hitler-em-1923/6/49734

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