Esquerdista Castillo já teria votos para vencer eleição, mas recontagem impede anúncio oficial. Keiko Fujimori insiste em tese infundada de fraude e complô internacional.
Passada uma semana das eleições, os peruanos ainda aguardam o resultado definitivo da apuração dos votos da disputa presidencial, num processo cercado de tensão e incerteza que, para observadores, está testando a democracia do país.
Até o início deste domingo (13/06), 99,89% dos votos haviam sido contados. O esquerdita Pedro Castillo, um professor escolar de origem pobre e sem experiência política, lidera a apuração com cerca de 50 mil votos de vantagem.
Como faltam apenas 16 mil votos a serem contabilizados, a diferença bastaria para lhe dar a vitória eleitoral. Só que sua concorrente, a direitista Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, está contestando a apuração em algumas seções eleitorais.
Desde que sua derrota começou a se desenhar, no início da semana passada, Keiko, que teve sua prisão solicitada pela Lava Jato peruana por corrupção, denuncia fraude eleitoral. A denúncia, até aqui infundada, diz que a “esquerda internacional”, estaria por trás de um esquema para eleger Castillo.
Nenhuma das missões de observação eleitoral que visitou o Peru, incluindo a Organização dos Estados Americanos (OEA) e União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore), encontrou irregularidades graves na eleição.
Na verdade, eles parabenizaram o Peru pelo boa realização das eleições.
“Enorme fraqueza institucional”
Analistas políticos dizem que, com Castillo perto de vencer, Fujimori está tentando semear dúvidas sobre a legitimidade da eleição para não aparecer com perdedora e salvar sua imagem política. E afirmam que isso está testando a democracia peruana.
“Keiko Fujimori está agarrada à alegação de fraude porque, se não o fizer, tudo o que ela realizou desmorona. É sua maneira de evitar o fracasso e o colapso”, disse à agência de notícias AFP Hugo Otero, ex-conselheiro do ex-presidente Alan García.
Em editorial, o jornal El Comércio apelou neste domingo a que autoridades, candidatos e simpatizantes atuem “com extrema responsabilidade”, porque, no cenário atual, as “consequências de não fazer isso são incalculáveis”. “Os últimos cinco anos mostraram que a enorme fraqueza institucional que aflige o país faz dele um país instável e volátil”, diz o editorial.
Há dias que apoiadores de Keiko Fujimori protestam diante da casa do presidente do Júri Nacional Eleitoral (JNE), Jorge Luis Salas. É ele que deverá decidir sobre os pedidos de nulidade feitos pela direita, que o acusa de ser “terrorista”.
Keiko Fujimori mantém tese, infundada, de que houve fraude
Recontagem em redutos da esquerda
Os votos que ainda precisam ser contados correspondem a 284 seções que estão sendo analisadas pelos júris eleitorais especiais regionais devido a vários pedidos de impugnação, erros materiais ou falta de assinaturas correspondentes.
Keiko Fujimori e seu partido, o Força Popular, denunciaram irregularidades e fraude em cerca de 800 urnas – que correspondem a aproximadamente 200 mil votos – e pediram a anulação deles, assim como Castillo e sua legenda o fizeram em outras dezenas.
As seções eleitorais denunciadas por Keiko Fujimori estão em regiões onde Castillo ganhou com ampla margem – principalmente áreas rurais andinas pobres e historicamente marginalizadas, incluindo a cidade natal do candidato esquerdista.
O processo de análise por parte dos júris regionais deve levar de uma a duas semanas para ser concluído, e só então o JNE poderá nomear um vencedor.
Castillo apela à calma
No sábado, Castillo apelou a seus compatriotas para que permaneçam “calmos” e pediu a seus seguidores que “não caíssem na provocação” de Keiko Fujimori. “Hoje é o momento em que a serenidade, a responsabilidade e a frieza são necessárias”, afirmou.
“Um segundo turno nunca foi dividido tão claramente quanto as eleições atuais”, tuitou o analista político peruano Fernando Tuesta, em meio à divulgação dos resultados. A votação foi considerada a mais polarizada e dividida da história recente do país.
Filho de camponeses analfabetos, Castillo entrou para a política ao liderar uma greve de professores. Ele propôs abolir o Tribunal Constitucional, controlar a mídia e nacionalizar a indústria de petróleo e gás, dizendo ter o intuito de criar um Estado socialista. Seu discurso, porém, ficou cada vez mais moderado com a proximidade das eleições, mas ele manteve a promessa de reescrever a Constituição aprovada sob o regime de Alberto Fujimori.
Entre os apoiadores de Castillo estão o ex-presidente boliviano Evo Morales e o ex-presidente uruguaio José Mujica.
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