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Como a escravidão atrasou o processo de industrialização do Brasil

O Brasil importou mais africanos escravizados do que qualquer outro país e, por aqui, a escravidão durou mais tempo do que em qualquer outra parte do Ocidente.

Thais Carrança

No entanto, ao invés de promover o crescimento econômico e o desenvolvimento, o trabalho compulsório de negros e negras atrasou o processo de industrialização do país, mostra estudo feito por pesquisadores das universidades de Manchester, Bonn e da FGV (Fundação Getulio Vargas).

De maneira inédita, usando a econometria — um método que utiliza a matemática e a estatística para avaliar teorias econômicas —, os analistas mostram com números algo que a literatura historiográfica e econômica já apontava: que a escravidão beneficiou apenas uma pequena elite enquanto atrasou o desenvolvimento do país como um todo.

Escravidão no Brasil em números

Segundo o estudo, entre os séculos 16 e 19, cerca de 4,9 milhões de africanos desembarcaram na costa brasileira, o que representa 46% de todas as chegadas de escravizados ao continente americano. Em comparação, 388.746 escravizados foram levados para os Estados Unidos.

Escravizados recém chegados da África sendo desembarcados a partir de um pequeno barco em um porto brasileiro
JOHANN MORITZ RUGENDAS/SLAVERY IMAGES
Legenda da foto,Adultos escravizados recém-chegados da África sendo desembarcados em um porto brasileiro. Entre os séculos 16 e 19, cerca de 4,9 milhões de africanos desembarcaram no país

O tráfico de africanos começou no Nordeste do país na década de 1560, com os cativos sendo empregados inicialmente em grandes plantações de cana-de-açúcar nos entornos de Recife e Salvador. Na década de 1590, a chegada de escravizados aos portos da Bahia e de Pernambuco era de algumas centenas ao ano. Antes da proibição do tráfico pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850, esse número chegou a mais de 8 mil por ano.

O Sudeste se tornou um destino relevante para escravizados no século 18, durante a corrida do ouro em Minas Gerais. A maioria dos africanos chegou à região através do Rio de Janeiro, que se tornou o maior porto de escravizados do mundo. Os desembarques de cativos ali chegaram a 25 mil por ano entre 1801 e 1850, com os escravizados sendo direcionados também à produção de café nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Números do início do século 19 sugerem que a população de escravizados no Brasil chegou a cerca de 1 milhão de pessoas, num país com uma população de 3,5 milhões.

O país também foi o último do Ocidente a abolir a escravidão, em 1888, depois de todos os vizinhos sul-americanos e caribenhos e dos Estados Unidos (1863).

Um debate que vem de décadas

“Nosso objetivo é contribuir para um debate amplo que é qual é o papel da escravidão no desenvolvimento econômico de longo prazo”, diz Thales Pereira, professor da EESP-FGV (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas).

Pereira é um dos coautores do estudo, junto a Nuno Palma, Andrea Papadia e Leonardo Weller. Palma é professor na Universidade de Manchester, no Reino Unido; Papadia é pesquisador na Universidade de Bonn, na Alemanha; e Weller é professor da EESP-FGV. O artigo foi apresentado como texto para discussão pela Universidade de Warwick, no Reino Unido, e os autores esperam sua publicação em periódico acadêmico ainda este ano.

Africanos aguardam serem vendidos em um mercado de escravizados em Pernambuco
Legenda da foto,Africanos em um mercado de escravizados em Pernambuco. Debate sobre papel da escravidão no desenvolvimento econômico começou na década de 1940, com o historiador Eric Williams

Segundo Pereira, esse debate começa na década de 1940, com o historiador Eric Williams, que discute o papel da escravidão no Caribe para a revolução industrial inglesa.

Nos últimos dez anos, ganhou força uma nova literatura sobre o tema, parte da chamada “Nova História do Capitalismo”, produzida por um grupo de historiadores americanos, que busca analisar o papel da escravidão para o desenvolvimento dos Estados Unidos.

Para esses autores, como Edward Baptist e Sven Beckert, a industrialização dos EUA estaria ligada ao acesso a algodão barato, fruto da exploração violenta dos escravizados. “É uma visão de crescimento econômico em que o desenvolvimento vem da exploração”, avalia Pereira.

Segundo ele, apesar da interpretação desses autores ser considerada por muitos pesquisadores como extremamente falha e baseada em premissas equivocadas, essa visão ganhou espaço no senso comum, daí a importância de testar essas hipóteses a partir de dados concretos da realidade.

Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55670561#:~:text=’Escravid%C3%A3o%20foi%20um%20desastre%20e%20atrasou%20o%20pa%C3%ADs’&text=Mas%20que%20havia%20limites%20para,deles%20na%20agricultura%20era%20maior.

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