Arquivos secretos dos Estados Unidos mostram que regime militar brasileiro se empenhou ativamente para instauração da ditadura no Chile. Participação do país vai além do mito da “marionete de Washington”.
O Brasil se empenhou ativamente para derrubar o presidente chileno Salvador Allende (1970-1973) e elevar o ditador Augusto Pinochet, segundo documentos de inteligência divulgados pelo National Security Archive dos Estados Unidos nesta quarta-feira (31/03).
Por ocasião do 57º aniversário do golpe militar no Brasil, a organização, fundada por acadêmicos e jornalistas investigativos e sediada em Washington, publicou em seu site 12 arquivos antes secretos, que mostram “o esforço do regime brasileiro para subverter a democracia e apoiar a ditadura no Chile”.
Entre esses textos está um telegrama enviado em março de 1971 pelo então embaixador do Chile no Brasil, Raúl Rettig, ao Ministério das Relações Exteriores do seu país, com o alarmante título: “Forças Armadas brasileiras possivelmente realizando estudos sobre guerrilheiros sendo introduzidos no Chile”.
Várias fontes haviam informado a delegação diplomática que o regime militar brasileiro estaria avaliando como instigar uma insurreição para derrubar o governo de Allende. Segundo o telegrama, classificado na época como “estritamente confidencial”, também foi revelada a existência de uma sala de operações no Brasil com mapas da Cordilheira dos Andes, para planejar como se infiltrar.
Em sua mensagem, Rettig prossegue: “As Forças Armadas brasileiras aparentemente enviaram ao Chile vários agentes secretos, que teriam entrado no país como turistas, com a intenção de obter mais informações sobre as possíveis regiões em que um movimento guerrilheiro poderia operar.”
Salvador Allende governou o Chile de 1970 a 1973
O embaixador ressalta que ainda não havia uma data para o início desse “movimento armado”. Entretanto os diplomatas chilenos no Brasil estavam sob vigilância, e um deles escutara de um colega brasileiro que a República Andina era agora vista como “mais um país atrás da Cortina de Ferro”.
Mito da “marionete de Washington”
O centro americano também cita o livro O Brasil contra a democracia: A ditadura, ou golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul, do jornalista investigativo Roberto Simon, recém-publicado pela editora Companhia das Letras.
A obra reúne arquivos do Brasil, Chile e Estados Unidos, expondo o papel do regime militar brasileiro no golpe de 11 de setembro de 1973, que permitiu ao general Pinochet chegar ao poder, assim como a contribuição do país na repressão no Chile.
Simon destaca que “o Brasil deu apoio direto a um modelo para a ditadura de Pinochet”, e que a imagem do regime militar de Brasília como “marionete de Washington” é “um mito, relegando o país a um mero papel subsidiário na região”. Na verdade “a ditadura brasileira tinha suas próprias motivações estratégicas, ideológicas, econômicas e de outro tipo para intervir no Chile”.
O jornalista brasileiro destaca que os militares do país estabeleceram canais de comunicação com os chilenos opositores de Allende, e que agentes enviados por Brasília tinham vínculos com o grupo paramilitar chileno de extrema direita Patria y Libertad.
“Trabalho sujo” na América do Sul
Um memorando contido no livro retrata o encontro de dezembro de 1971 entre os presidentes Richard Nixon e general Emílio Garrastazu Médici, na Casa Branca, em que os dois comentam os esforços para derrubar Allende.
O então líder da ditadura brasileira achava que o mandatário chileno deveria ser deposto “pelos mesmos motivos que [João] Goulart [presidente de 1961 a 1964] foi deposto no Brasil”, e deixa claro que seu país se empenhava nesse sentido. A derrubada do governo Goulart, nos primeiros dias de abril de 1964, selou o início da ditadura militar que vigorou no país até 1985.
Por sua vez, o mandatário americano frisou a importância de os dois países trabalharem juntos “nesse âmbito” e ofereceu “ajuda discreta” às operações brasileiras contra o governo Allende.
Entre os documentos divulgados, está, ainda, um relatório da CIA sobre reuniões entre oficiais militares brasileiros, em que um deles diz crer que “os EUA obviamente querem que o Brasil ‘faça o trabalho sujo’ na América do Sul”.
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