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Depois de Bolsonaro, Lula pode refazer o Brasil?

Após uma pena de prisão, uma eleição tensa e um quase golpe, o terceiro presidente assume o comando de um país fraturado.

Por: Jon Lee Anderson | Créditos da foto: Tommaso Protti. Governar após quatro anos de governo divisivo será um profundo desafio. “O peso nas minhas costas é maior”, disse Lula.

Por toda a imensa cidade de São Paulo, cartazes em postes telefônicos exibem uma imagem pop art do recém-eleito presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva – Lula, como é universalmente conhecido. Sua cabeça é coroada por cachos escuros, seu rosto adornado com uma estrela vermelha, símbolo de seu Partido dos Trabalhadores. É uma visão de Lula em seus primeiros dias: o idealista de esquerda, o líder grevista carismático, o profeta de um futuro imaginário em que o Brasil se tornaria um centro de justiça social onde ninguém passaria fome, a floresta tropical seria protegida, e a inimizade entre raças e classes se dissolveu. É um velho clichê dizer que o Brasil é o país do futuro – um futuro que nunca chegará. Também é verdade que o colosso da América Latina não realizou muitas das esperanças de seu povo.

Por gerações de brasileiros, Lula é a figura pública mais familiar do país. Ele cumpriu dois mandatos anteriores como presidente, de 2003 a 2010. Em 2018, foi preso sob a acusação de lavagem de dinheiro e corrupção. Lula negou qualquer irregularidade, insistindo que foi vítima de um esquema de vingança política. Sua candidatura representou um retorno quase sem precedentes.

Depois de uma longa carreira de crises constantes, de triunfos e batalhas, Lula parece ter a idade que tem. Ele tem setenta e sete anos, baixo e robusto, com postura ereta de galo e peito estufado. Suas mãos são duras, como as de um boxeador, mas sua pele é pálida e seu cabelo encaracolado ficou ralo e branco. Quando o vi em novembro passado, poucos dias depois de ter vencido a eleição presidencial, ele entrou na sala de uma suíte de hotel em São Paulo cercado por uma falange de assessores e seguranças. Ele estava vestido com um paletó cinza de político e calças, que ele parecia desejar poder trocar por sua costumeira guayabera e jeans.

Lula parecia não apenas exausto, mas também indisposto. Em 2011, apenas um ano depois de quebrar o hábito de fumar de meio século, ele recebeu o diagnóstico de câncer na garganta e passou por quimioterapia. Os médicos o instaram a tomar cuidado especial com a garganta, mas é claro que ele os ignorou durante a campanha e, muitas vezes, quando falava agora, sua voz se reduzia a um grunhido rouco e teatral. Durante o anúncio da vitória, ele parecia se esforçar para produzir um sussurro apaixonado.

Os discursos de campanha de Lula sugeriam que ele estava envolvido em um conflito existencial. Seu oponente era Jair Bolsonaro, o titular, um populista de direita que ficou conhecido como “o Trump dos trópicos” e um dos líderes mais controversos do hemisfério. Como Trump, ele chegou ao poder apelando aos eleitores indignados com o direito ao aborto, o casamento gay e a educação sexual nas escolas primárias. Ao longo de sua carreira, sua retórica foi muitas vezes odiosa. Certa vez, ele dispensou uma legisladora dizendo que ela “não valia a pena estuprá-la, ela é muito feia”. Sobre o assunto da homossexualidade, ele disse: “Se seu filho começar a ficar assim, um pouco gay, você bate nele e muda o comportamento dele”. No cargo, ele permitiu que corporações invadissem a floresta tropical praticamente sem impedimentos e que a polícia atirasse em suspeitos sem restrições. Respondendo aocovid- 19, ele foi negligente e muitas vezes cruel, dizendo a seus cidadãos: “Todo mundo tem que morrer um dia. Temos que deixar de ser um país de maricas.” O Brasil teve quase setecentas mil mortes relatadas, perdendo apenas para os Estados Unidos.

Lula, em sua campanha, havia falado em termos quase messiânicos sobre seu desejo de “resgatar” o Brasil. Ele também começou a falar sobre Deus, sua idade, como se sentia sortudo por ter suportado suas adversidades. Na noite em que finalmente venceu, ele disse: “Eles tentaram me enterrar vivo, mas eu sobrevivi. Aqui estou.”

Quando vi Lula pela última vez, em dezembro de 2019, ele parecia vigoroso e relativamente jovem. Agora, apesar de sua retórica de campanha, ele parecia um pouco sobrecarregado com as perspectivas que enfrentava em sua missão de salvar o Brasil. Afundando em uma cadeira e exalando pesadamente, ele disse que tinha estado ao telefone durante toda a manhã com líderes mundiais que ligaram para parabenizá-lo. Quando perguntei quais iniciativas políticas ele planejava, ele falou quase de cor, como se ainda estivesse em campanha. Mas quando eu disse que, fora do Brasil, muita gente esperava que ele salvasse não só o seu país, mas o meio ambiente global, revertendo o desmatamento da Amazônia, seus olhos se arregalaram quase com medo, e ele exclamou: “Sim, eu sei!” Estendendo a mão para agarrar meu joelho, ele se inclinou e começou a falar intensamente sobre remodelar o país. “As pessoas estão muito otimistas sobre nossa governança”, disse ele. “As pessoas estão esperando que algo mude, e isso vai mudar.” Era o Lula do cartaz da Pop-art, o militante da esquerda que encantava os brasileiros desde sua primeira aparição no cenário nacional, quarenta anos antes. Mas agora o país ao seu redor era diferente, dividido nitidamente entre aqueles que o amavam e aqueles que o desprezavam.

Uma semana depois, apoiadores de Bolsonaro invadiram a capital, chegando em mais de cem ônibus de todo o país para derrubar o que eles insistiam ser uma eleição roubada. Gritando: “Derrube os ladrões!” e “Morreremos pelo Brasil!”, invadiram a Presidência da República, o STF e o Legislativo, ateando fogo e destruindo tudo o que encontravam.

 

Saiba mais em: https://www.newyorker.com/magazine/2023/01/30/after-bolsonaro-can-lula-remake-brazil

 

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