Organizações convocam protestos contra Jair Bolsonaro neste sábado. Participação em meio à pandemia provoca dilema entre ativistas. À DW Brasil, epidemiologistas avaliam o risco de contágio.
Movimentos sociais, centrais sindicais, políticos e ativistas do campo antibolsonarista convocaram para este sábado (29/05) atos em mais de cem cidades do país para pedir o impeachment do presidente e um auxílio emergencial de no mínimo R$ 600, após se debruçarem ao longo de meses sobre um dilema: deve-se abrir uma exceção ao isolamento social e ir às ruas contra Jair Bolsonaro durante a pandemia?
Guilherme Boulos, candidato a presidente em 2018 pelo PSOL e um dos defensores do ato, resumiu a decisão dizendo que “o governo mata mais que o vírus”. Os organizadores definiram protocolos para orientar quem pode ou não ir aos protestos e lembram que as manifestações do movimento Black Lives Matter, que tomaram as ruas nos Estados Unidos após a morte de George Floyd, também ocorreram durante a pandemia.
Mas muitas pessoas que se opõem o presidente preferem não se arriscar agora, com receio de serem expostos ao vírus e contaminarem a si e a outras pessoas, em um momento em que o Brasil vive uma aceleração da pandemia em todas as regiões do país e já tem um elevado número de novos casos e mortes diários e altas taxas de ocupação de leitos hospitalares. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad, candidato a presidente em 2018, não se manifestaram sobre os atos deste sábado em suas redes sociais nesta semana.
Parte do campo contrário a Bolsonaro também receia que um eventual esvaziamento das manifestações seja usado pelo presidente a seu favor, quando a rejeição ao governo está em alta e alcançou um recorde de 59%, segundo pesquisa realizada pelo PoderData em 24 a 26 de maio – outros 35% aprovam o seu governo e 6% não opinaram.
Risco sanitário
Em condições ideais, ir a um espaço aberto com uma máscara de qualidade e bem ajustada ao rosto, mantendo o distanciamento social e sem falar alto nem gritar, expõe a pessoa um risco muito baixo de contaminação. Porém, é difícil garantir que esses procedimentos sejam seguidos durante uma manifestação com milhares de pessoas, diz Mel Markoski, professora de biossegurança da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e integrante da Rede Análise Covid-19.
A chave nesses casos é o “comprometimento” das pessoas que irão às ruas, afirma, lembrando que após os protestos Black Lives Matter nos Estados Unidos, onde em geral as pessoas usavam máscaras, houve uma pequena alta de transmissão da covid-19 no período posterior, “mas não de maneira tão drástica como se imaginava”.
Epidemiologistas veem risco alto neste momento, que pode ser reduzido com algumas medidas
O risco de ir aos protestos é agravado pela atual situação da pandemia no Brasil, diz Markoski. “Estamos começando a entrar em uma onda muito perigosa, teríamos que esperar uma descida dela”, afirma. Ela concorda com a pauta das manifestações e diz que é “direito da população fazer protestos”, mas afirma que, do ponto de vista sanitário, este não é o melhor momento, e ficará em casa no sábado.
Comportamento ideal
A epidemiologista Carolina Coutinho, pesquisadora da EAESP/FGV, também afirma que ir a atos agora é “bastante complicado”, especialmente nas cidades onde o número de casos e mortes está em patamar alto e têm seu sistema de saúde próximo do limite, mas “existem situações em que ele vão ser realizados”.
Para quem for aos protestos consiga “evitar problemas para si e para sua comunidade”, ela afirma ser necessário tomar diversas medidas, começando pela preparação. No cenário ideal, as pessoas deveriam fazer quarentena de 14 dias antes do evento, para diminuir a chance de se contaminar nesse período e passar o vírus para outras pessoas.
No deslocamento e durante o ato, usar uma máscara do tipo N95 ou PFF2 e não a retirar – “há máscaras do tipo bem baratas atualmente, entre R$ 2 e R$ 3”. Também é importante manter o distanciamento social e ficar perto apenas das pessoas que moram no mesmo domicílio. “O ideal é que a manifestação ocorra em espaços muito grandes para que o distanciamento possa de fato ocorrer”, diz. Ela recomenda levar álcool em gel para higienizar as mãos com frequência.
A pesquisadora também afirma que quem apresentou sintomas de covid-19 nos dias anteriores ao protesto não deve ir, assim como quem testou positivo há menos de dez dias. Após o ato, o ideal é quem for à manifestação fazer uma nova quarentena de 14 dias, para, caso tenha sido contaminado, não passar o vírus adiante. Orientações similares estão circulando entre os movimentos que convocam os atos.
“Mas, em um protesto, teremos muitas pessoas que não necessariamente vão atender a todas essas recomendações, e haverá pessoas concentradas em espaços pequenos”, diz Coutinho.
Dilema político
O objetivo de reunir pessoas na rua em torno de uma causa ou pessoa é demonstrar a sua força, e apoiadores de Jair Bolsonaro têm feito isso frequentemente durante a pandemia, como em 15 de maio, em Brasília, ou no Rio de Janeiro no último domingo. O presidente é crítico às restrições ao isolamento social, e muitos participantes desses atos também não usam máscaras ou mantêm distanciamento.
Apoiadores de Bolsonaro reuniram-se no Rio no último domingo para ver o presidente
A parcela antibolsonarista, porém, tende a aderir mais aos protocolos de cuidado com a pandemia e se preocupa mais com o risco de contaminação, o que prejudicará a comparação de forças, diz a cientista política Márcia Ribeiro Dias, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Ele vê um risco de que a manifestação do próximo sábado reúna poucas pessoas, e que isso será explorado por Bolsonaro.
“Pode ser que milhões quisessem ir às ruas, mas não irão por medo da contaminação. Pode ser um tiro pela culatra e revelar uma fragilidade que não existe, quando as pesquisas mostram que existe grande insatisfação na sociedade”, diz Dias. “O presidente vai tentar passar uma ideia de ‘Olha lá, tá vendo? Não tem ninguém insatisfeito, as pessoas não vão pra rua’.”
Já para o cientista político Henrique Carlos de O. de Castro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenador da Pesquisa Mundial de Valores (World Values Survey) no Brasil, ir às ruas seria algo “imperativo” diante da conduta do governo no enfrentamento à pandemia e de um presidente “desrespeitoso com a vida”.
Ele afirma que a presença dos jovens deverá definir o sucesso ou fracasso dos atos. “Os jovens têm como característica o desprendimento e a disposição de se doar por causas. Isso acontece no mundo inteiro. No Chile, foram os estudantes nas ruas, durante a pandemia, que estão ajudando a mudar a política daquele país”, diz.
Para Castro, no momento em que o Brasil ruma para meio milhão de mortos pela covid-19, e com a “irresponsabilidade completa deste governo, não me parece que seja irresponsável jovens irem para as ruas protestar”. O perigo maior, para ele, seria deixar o país seguir “da maneira que está andando”.
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