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Na Colômbia, movimento desencadeado pela greve geral está colocando a classe dominante de joelho

Apesar da brutal repressão policial, e da pandemia, feministas, sindicalistas, indígenas, estudantes e outros movimentos sociais tomaram as ruas das principais cidades do país. A mobilização, que já dura 2 meses, está derrubando a agenda neoliberal do governo. Os bairros mudaram sua dinâmica para dar suporte ao movimento, oferecendo brigadas médicas, refeitórios comunitários e muitas intervenções culturais.

Por Nathália Urban

“Isso que estamos fazendo não é sobre guerra nem sobre violência, é sobre um povo revoltado com a desigualdade” disse o líder da Central Única dos Trabalhadores Colombianos em uma coletiva de imprensa no começo de junho, Francisco Maltés. Há mais de um mês que o mundo assiste o povo colombiano enfrentando nas ruas as atrocidades cometidas por Ivan Duque. A greve geral nacional contra uma proposta de reforma tributária foi o estopim para grande parcela da população se mobilizar nas ruas e não sair mais.

Duque retirou a proposta, mas as manifestações continuaram enquanto os manifestantes expandiram sua lista de demandas para incluir a retirada de uma proposta de reforma da saúde, o fim da violência generalizada no país e medidas para enfrentar a desigualdade econômica.

Crises acumuladas

Opaís passa concomitantemente por outras crises, especialmente em relação às violações constantes dos direitos humanos.

As reclamações atuais sobre o governo não são novidade. A Colômbia viu grandes protestos em 2019 e na época também ignorou as reivindicações. “Nós também apresentamos um plano ao governo naquela época mas fomos sistematicamente ignorados, a crise social se aprofundou principalmente por conta da COVID-19” disse Maltés. O Comitê Nacional de Greve, formado por sindicatos e todos os grandes movimentos sociais, apresentou uma nova declaração de demandas e no dia 24 de maio foi feito um acordo preliminar com o governo, mas que posteriormente o próprio Executivo o alterou, o que acabou atrasando ainda mais as negociações – até agora infrutíferas para aplacar o ânimo das ruas.

O Comitê Nacional da Greve admitiu que suspendeu as negociações com os representantes de Duque. Ambas as partes mantinham diálogos sem grandes avanços, mas com vontade de continuar, como haviam expressado, na esperança que o governo aceite o pré-acordo de 24 de maio e revogue o Decreto 575 que autoriza o auxílio militar para a “gestão de protestos sociais”.

Os colombianos estão indignados por mil motivos que irão soar muito similares à situação enfrentada por outros países sul-americanos: a escandalosa corrupção de funcionários públicos e políticos; salários baixos sem reajuste; enorme desemprego; o tratamento incapaz e classista da pandemia; as milhares de pessoas desaparecidas à força e executadas pelo exército, os paramilitares e a polícia e a agressividade da “polícia pacificadora”. Mas a pobreza é algo acachapante no país, com mais de 21 milhões de colombianos vivendo na pobreza, um terço deles em extrema pobreza, de acordo com estatísticas nacionais, em 2020, com mais 2,7 milhões de pessoas chegando nessa situação.

Vítimas que lutam 

Os crimes de direito internacional e as violações e abusos dos direitos humanos no contexto do conflito armado interno continuado aumentaram nas áreas rurais onde o controle de territórios anteriormente dominados pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC-EP) foi disputado. As principais vítimas continuaram a ser membros de comunidades rurais e indígenas. A violência sexual contra mulheres persistiu, assim como a impunidade para esses crimes.

A Colômbia foi amplamente reconhecida como o país mais perigoso do mundo para aqueles que defendem os direitos humanos. Segundo dados da Unidade de Investigação e Acusação (UIA) da Jurisdição Especial para a Paz (JEP), desde 2016 foram assassinados 276 anistiados e 904 lideranças sociais e defensores dos direitos humanos, dos quais cerca de metade foram pool ativos na implementação do Acordo de Paz, ratificado em 2016.

Porém, essa realidade aterrorizante não tirou dos colombianos a vontade de lutar e buscar uma sociedade menos violenta e um futuro menos assustador e desigual, mas eles entendem que isso não virá sem luta e sacrifícios. 

O poder por trás do trono, o ultradireitista Álvaro Uribe Vélez, conseguiu até agora impor sua estratégia de “punho de ferro” deixando a gestão do problema nas mãos dos militares e da polícia, reprimindo selvagemente os protestos, mas sem conseguir sufocar as mobilizações de rua.

A perseguição aos que lutam por melhorias na Colômbia é muito presente, a situação é tão latente que a coletiva de imprensa fechada com os dirigentes do Comitê da Greve Nacional, teve que ser interrompida pois haviam funcionários do governo colombiano infiltrados. “Vejam amigos jornalistas, essa é nossa realidade, perseguição constante” denunciou Maltés.

Os protestos estão marcados pela violência, segundo a ONG Temblores, ocorreram 4687 episódios de violência policial desde 28 de abril, onde mais de 44 manifestantes foram presumidamente assassinados pelas forças armadas e policiais. 

As mulheres e mães na linha de frente 

Enquanto a organização oficial da greve vem dos sindicatos junto com camponeses, indígenas e outras organizações sociais, os protestos têm se caracterizado pela mobilização de jovens colombianos de bairros urbanos pobres, e principalmente pelas feministas. As mulheres que se autodenominam Madres de Primera Línea (Mães na Linha de Frente), estão nos protestos para colocar seus próprios corpos entre a polícia e os manifestantes, e evitar escaladas de violência. 

A jornalista colombiana María Fernanda Fitzgerald, ressalta o protagonismo que as mulheres tomaram nesses protestos: “o que temos visto na Colômbia é um movimento cada vez mais organizado tanto por grupos feministas quanto por iniciativas mais individuais e mais informais, mas com muitas mulheres, temos visto novas lideranças tanto regionalmente quanto nas principais cidades”. Elas se formaram inicialmente em Cali e depois em Bogotá e ao mesmo tempo despertam muita empatia  em muita gente – e isso fez com que suas reivindicações fossem respeitadas.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/06/na-colombia-movimento-desencadeado-pela-greve-geral-esta-colocando-a-classe-dominante-de-joelho/

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