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Notas de Leitura 5: O ataque neoliberal à democracia, segundo Noam Chomsky

Com fina ironia, intelectual descortina o modus operandi das forças que realmente mandam no mundo, imprimindo em seus textos a postura ética dos que se posicionam frente às injustiças

Por Tatiana Carlotti / Créditos da foto: (Reprodução/The Economist)

Há cinco anos, nós sofremos um golpe no Brasil.

Consumado com o impeachment de Dilma, em 31 de agosto de 2016, o golpe estancou um modelo de desenvolvimento nacional, ao longo de 13 anos vitorioso, substituindo-o por um esquema de pilhagem do patrimônio público e de sangria dos investimentos sociais.

Neste processo, já surgiram as digitais de Tio Sam, desde as denúncias de Snowden sobre espionagem na Petrobras até as revelações de A Pública, em julho de 2020, sobre a atuação conjunta entre FBI e Operação Lava Jato que rendeu, entre outros absurdos, o pagamento de multas elevadíssimas de empresas nacionais aos cofres norte-americanos.

Um ano depois, com as malas prontas para sair do Brasil, Todd Chapman, embaixador de Trump no país, afirmaria em seu discurso de despedida que “o câncer do Brasil é a corrupção” e que não é com a democracia que nós deveríamos nos preocupar, mas sim com “mensalão, petrolão, Lava Jato”.

Um clássico exemplo do abismo que existe entre o que prega a “maior democracia do mundo” e como age o “maior Estado terrorista do mundo”, conforme a precisa definição sobre o próprio país do linguista e ativista político Noam Chomsky.

Com fina ironia, típica dos intelectuais que se divertem ao quebrar as expectativas de seus leitores, Chomsky imprime em seus textos tanto a indignação do cidadão ante à ingerência devastadora do próprio país sobre os demais; quanto a postura ética do intelectual que se posiciona frente às opressões do mundo. “Os intelectuais são geralmente privilegiados; o privilégio enseja oportunidades e a oportunidade confere responsabilidades. Um indivíduo tem, então, escolhas”, afirma (2020:31).

Em seus livros, as escolhas estão sempre postas, na medida em que Chomsky compõe o seleto grupo de pensadores que buscam denunciar o modus operandi das forças que efetivamente decidem os rumos do mundo. Escritos a partir da perspectiva histórica e geopolítica, seus textos articulam referências (estudos, sites, bibliografia) de primeira linha, permitindo-nos se não combater, pelo menos identificar como essas forças atuam na promoção de nossas tragédias domésticas.

Em Requiem for the American Dream (EUA, 2015), documentário de Peter D. Hutchison, Kelly Nyks e Jared P. Scott, por exemplo, ele investiga a desigualdade de renda no mundo, elencando dez princípios promotores da concentração de riqueza e de renda na América. O roteiro deste documentário, acrescido da transcrição de conteúdo inédito, foi publicado em livro de mesmo título, pela Bertrand Brasil, em 2017. Assista ao documentário.

Os dez princípios de concentração e riqueza e poder na América são: 1. Restringir a democracia. 2. Moldar a ideologia. 3. Reestruturar a economia. 4. Transferir o fardo para os mais pobres e para a classe média. 5. Atacar a solidariedade. 6. Controlar os órgãos reguladores. 7. Controlar as eleições pelo financiamento privado. 8. Usar o medo e o poder do Estado para manter os menos desfavorecidos na linha. 9. Fabricar o consenso. 10. Marginalizar a população.

Diretrizes, portanto, que garantem que a riqueza se mantenha concentrada na mãos das corporações, em particular, pelo financiamento privado das campanhas eleitorais, que força “partidos políticos a ficarem ainda mais dependentes e controlados pelas grandes empresas. Esse poder político logo se transforma em leis que aumentam a concentração de riqueza” (2017:13).

Um círculo vicioso que vem agravando, por meio da total desregulação que gera, com a crise civilizatória sem precedentes, que atravessamos. “A ameaça de destruição da vida humana organizada em qualquer forma reconhecível ou tolerável – isso é inteiramente novo. A crise ambiental em curso é de fato única na história humana, e é uma verdadeira crise existencial. Os que estão vivos hoje decidirão o destino da humanidade – e o destino das outras espécies que agora estamos destruindo, a um ritmo não visto por 65 milhões de anos, quando um enorme asteroide atingiu a Terra” (2021:157).

Para nos situarmos em meio a tantas crises, nada melhor que uma dose dupla de Chomsky: Quem Manda no Mundo? (Crítica, 7ª. ed. 2020), reunião de ensaios e artigos escritos durante o governo Obama, que traz em sua sétima edição, um posfácio sobre o governo Trump. E The Precipice: neoliberalism, the pandemic and the urgent need for social change (Thruthout, 2021), ainda não traduzido em português, que reúne as conversas de Chomsky com o jornalista C. J. Polychroniou (Thruthout) ao longo dos quatro anos de Donald Trump.

Quem manda no mundo?

Em geral, a pergunta acima é respondida na escala dos Estados nacionais (Estados Unidos, China, Rússia…). O que não é errado, afirma Chomsky, no entanto, “esse nível de abstração pode ser extremamente enganoso” porque “os Estados têm estruturas internas complexas, e as escolhas e decisões das lideranças políticas são influenciadas pelas concentrações internas de poder, ao passo que a população, em geral, é quase sempre marginalizada”.

Ao respondê-la, Chomsky aconselha seguirmos o exemplo de Adam Smith que denominava os que mandavam à sua época de mestres da humanidade. Naquele tempo, eles eram “comerciantes e industriais da Inglaterra”; hoje são “conglomerados multinacionais, gigantescas instituições financeiras, impérios de varejo”. Nos dois casos, porém, é sempre a mesma máxima: “tudo para nós e nada para os outros” (2020:297).

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Leituras/O-ataque-neoliberal-a-democracia-segundo-Noam-Chomsky/58/51438

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