Clipping

Carta Maior Professores gritam socorro e o governo resiliência

Por Nora Krawczyk e Dirce Zan / Créditos da foto: (Reprodução/Twitter/UNE)

O ano de 2020 está marcado pelo Covid19 e pela forma excepcional com que esse vírus colocou em questão as escolhas e os caminhos que a humanidade traçou até aqui. Em meio à turbulência que vimos atravessando desde março daquele ano, as escolas têm sido fortemente afetadas. Foram fechadas logo no início, e diferentes ensaios para sua reabertura foram feitos, até que em 2021, de formas as mais controversas, esse retorno tem se dado em diferentes estados e municípios. Essa ação ocorre em meio à omissão do poder público federal e, em muitos casos, de governadores e prefeitos que deixam a cargo de familiares e comunidades a tomada de decisão sobre essa retomada. Em outros casos ainda, governantes se submetem ao poder empresarial do campo educacional e liberam as escolas privadas para que ajam como acharem melhor, sem propostas concretas do poder público que garantam condições sanitárias adequadas para que estudantes, professores e funcionários possam retornar à escola e sem a definição do grupo de professores como prioridade na fase inicial da vacinação.

Todo esse movimento nos leva a questionar: será que essa chamada ‘nova normalidade’ expressa a naturalização de mudanças no mundo do trabalho e da escola, e que o confinamento virou espaço de testagem? Uma naturalização preventiva às possíveis resistências? Não temos resposta a essas questões, mas há alguns indícios que pretendemos trabalhar neste texto. No entanto, temos uma certeza: o futuro pós-pandemia está sendo desenhado agora!

A pandemia nos atinge num momento de grave retrocesso político e crise econômica que repercutem na definição dos rumos para a educação (ZAN e KRAWCZYK, 2019). Irrompe em meio a um conjunto de reformas trabalhistas que afetam as precárias condições de trabalho docente; a uma política macarthista de ataque aos professores; à escolha de seus materiais didáticos e aulas, que reforça um comportamento social de denúncia; ao aumento crescente das chamadas escolas cívico-militares, com foco no disciplinamento das futuras gerações e socialização nos valores conservadores de autoridade; a uma reforma regressiva do ensino, que desvaloriza a formação geral do jovem e aposta no retorno de uma formação profissional sem fundamentação científica e baseada na inculcação de valores e comportamentos que estão em sintonia com o discurso do “sucesso no mercado de trabalho”. Ao mesmo tempo, acelera-se a implementação de projetos curriculares voltados a desenvolver as competências[1] socioemocionais como estratégia para atingir os ideais de formação e, em especial, a difundir a resiliência como valor a ser cultivado para enfrentar o chamado ‘novo normal’ que se expressa em reformas educacionais compatíveis com os interesses do mercado de trabalho e com a captura da subjetividade em prol dos valores e dos interesses atuais do capital (Alves et al., 2009).

Nesse projeto, há uma clara intencionalidade de despolitizar a vida social e psicologizar a economia e as relações de trabalho e, diríamos nós, a formação escolar das novas gerações. Nesse sentido, podemos afirmar que cada vez mais se busca, através de discursos psicológicos e morais, a reeducação dos sujeitos com vistas à internalização da racionalidade econômica como a única forma de racionalidade possível.

A defesa da ênfase nas competências socioemocionais, não cognitivas, nas escolas está fortemente presente nos discursos de economistas, de fundações empresariais e de organismos internacionais. Desde 2011, por exemplo, o Instituto Ayrton Senna (IAS), em parceria com outras instituições, tem concentrado sua participação em consultorias e organização de fóruns, cursos e publicações destinados, principalmente, aos órgãos de governo estadual e municipal, com o objetivo de garantir a incorporação das competências socioemocionais nos currículos brasileiros. (Entrevista a ex-membro do IAS).

Uma preocupação importante, de lá para cá, tem sido divulgar o potencial dessas competências na vida dos estudantes e, particularmente, encontrar formas de mensurar suas repercussões nos estudos e em sua atuação profissional futura. Na reforma curricular de ensino médio, em vários estados, criou-se o recurso pedagógico de construção do “projeto de vida” como componente curricular e também como organizador da vida escolar. Dessa forma, segundo entrevista que realizamos com um ex-membro do IAS, a escola possibilitará ao estudante definir “quem ele quer ser”, identificar e desenvolver as competências socioemocionais para agir de forma exitosa.,

Essas competências estão também presentes no documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e deveriam, segundo o MEC, embasar a reforma curricular de todos os estados brasileiros até 2020, travestindo a administração e o controle de emoções e sentimentos dos futuros trabalhadores em formação integral (Silva, 2018). Nesses documentos, a educação socioemocional parece ser compreendida como a aquisição do processo de manejo das emoções, a habilidade de saber lidar e redirecioná-las, de forma a fortalecer o indivíduo e a empatia com o outro. Algo que nos remete ao debate em torno da ideia de inteligência emocional – amplamente difundido nos anos de 1990 nas escolas (Patto, 2000 referido por Silva, 2018). Dessa forma, o objetivo é que “…os sujeitos compreendam seus afetos como objetos de trabalho sobre si tendo em vista a produção de ‘inteligência emocional’ e busquem a otimização de suas competências afetivas…”.

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/Os-professores-gritam-socorro-e-o-governo-resiliencia/54/51445

Comente aqui