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O breve sonho da esquerda na Grécia

Vibrante documentário ‘Jogo do poder’, de Konstantinos Costa-Gavras, é baseado passo a passo no livro do economista e professor Yanis Varoufakis e interessa a leigos e especialistas

Por Léa Maria Aarão Reis |Créditos da foto: (Reprodução)

Os cinco meses de negociações com a União Europeia pelo governo de esquerda do partido Syriza, na Grécia, há seis anos, é o tema do vibrante documentário Jogo dopoder (Adults in the room). O diretor é o lendário cineasta grego naturalizado francês,Konstantinos Gavras, conhecido como Costa-Gavras, de 88 anos. É filme de duas horas de duração que interessa a vários perfís de espectadores. Leigos (ou indiferentes) e aos interessados em Economia e os que continuam esmiuçando o escândalo e o desastre social que é a prática do neoliberalismo.

”Quando o capital vai, como foi, longe demais,” diz Thomas Piketty em outro documentário imperdível, O capital do século XXI, baseado no seu seu best seller mundial de 2013, que tem o economista e professor da escola de Economia de Paris como fio condutor da trama ao longo dos tempos.

Jogo do poder assim como O capital do século XXI estão fechando com brilho a 10a. Mostra de Cinema Ecofalante, e se encontram disponíveis, on line e gratuitos, nessa plataforma – ecofalante.org.br – até a próxima terça-feira, dia 14 deste mês*.

Vale assisti-los e aguardar a sua programação regular no streaming ainda este ano tal a sua importância. Qualidade cinematográfica, relevância política e linguagem acessível aos não iniciados em Economia.Quando soube que Varoufakis estava escrevendo seu livro, Adults in the room, de 570 páginas, sobre os bastidores das negociações frustradas do governo do Syriza com a União Européia, seis anos atrás, Gavras entrou em contato com o ex-Ministro das Finanças grego e daí por diante os dois foram conversando a cada capítulo produzido.

O importante doc, do diretor dos clássicos do cinema político Estado de sítio, é sobre a agenda oculta da União Européia e as armadilhas preparadas então pelos seus líderes nas negociações com o governo grego, e, em particular, pela Troika, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.

Reuniões tumultuadas, cobranças duras, grosserias, insultos e as humilhações habituais submetidas às ”periferias” pelos países e governos ”centrais”. Christine Lagarde, então no FMI, é um personagem expressivo no cínico balé, e os representantes de banqueiros alemães, britânicos, holandeses, agressivos e debochados. Foi Lagarde quem foi à imprensa exigir o fim do “comportamento infantil” dos negociadores. Suas palavras – espero retomar o diálogo “com adultos na sala”- serviu a Varoufakis de preciso e sobretudo irônico título ao seu livro.

Angela Merkel participa do roteiro do filme de raspão. Mas, como se vê, de modo decisivo na pressão e convencimento a Alex Tsipras, o primeiro ministro da Grécia, para recuar e abandonar a resistência de desenvolver um programa de alta austeridade para o seu país. O que acabou sendo feito, como se sabe, propiciando os efeitos dramáticos que se estendem até hoje, na Grécia, quando o neoliberalismo e a chamada ”austeridade” são impostos às populações atingidas por ele. O Brasil, aliás, foi chamado, recentemente, de ”a Grécia tropical”.

Apenas se encontra no risco de viver o mesmo drama.

Resumo: este ano, em entrevista ao El País, o ex-Ministro Varoufakis disparou: ”Na UE há tanta democracia quanto oxigênio na Lua: zero”.Jogo do poder foi exibido no Festival de Veneza de 2019. Na ocasião, Costa-Gavras disse: ”É um filme sobre uma Europa desconectada dos aspectos humanos, políticos e culturais da economia, obcecada por números”.

”Tive acesso a cada capítulo que Varoufakis escrevia e, a partir daí, comecei a escrever o roteiro, num longo processo. Eu estava decidido a fazer um filme sobre a indiferença dos políticos e banqueiros europeus diante do drama do povo grego.

”Pessoas falando horas a fio apenas sobre dinheiro e bancos. Eram discussões sobre gráficos, cifras, números e não sobre pessoas. Salvaram os bancos e destruíram o país.”

Tsipras saiu do governo em julho de 2019 ao perder as eleições parlamentares. Na ocasião, 20% dos cérebros da inteligência grega já tinha deixado o país. As maiores conquistas do governo do Syriza foram a alta do salário mínimo, o 13° para os aposentados e a união civil para os casais homossexuais. Mas a atuação de Varoufakis, aberta, franca, enérgica, competente (competência reconhecida em público até por Christine Lagarde, uma das mais cruéis representantes dos fundos e bancos europeus cobradores da dívida grega ), corajosa e assertiva entrou para a história da UE.

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cinema/O-breve-sonho-da-esquerda-na-Grecia/59/51589

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