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O espírito jovem contra o Brasil da barbárie

Preparativos para protestos contra Bolsonaro, no sábado, espalham-se pelo país. Em Santa Catarina, que “capitão” vê como seu território, vasto leque de movimentos quer antecipar o fim da ameaça fascista e a reconstrução nacional

Por Paolo Colosso e Marco Aurélio Shmitt da Silva

Após o 7 de setembro, ficou evidente para mais amplos setores da sociedade brasileira que o presidente Jair Bolsonaro não somente é incapaz de administrar o país, mas é, sobretudo, a maior fonte de instabilidade. Um agitador que coloca em risco os marcos mais basilares da democracia, a previsibilidade dos mercados e, ainda, ignora as necessidades materiais de vida das camadas trabalhadoras. Não bastassem suas inabilidades para o cargo, encarna e difunde uma cultura autoritária. Nesse sentido, o bolsonarismo passa vergonha até nos pontos em que o pensamento conservador costuma apoiar suas convicções.

A manifestação do Dia da Independência foi importante para incitar os fanáticos, mas os alardes dos confiantes não devem nos fazer crer que são ampla maioria. Em Santa Catarina, por exemplo, é verdade que motociatas foram significativas, mas apenas quando da presença do presidente. Não raro, vêm a público imagens de símbolos nazistas e pronunciamentos assustadores de gestores locais, mas uma rápida passagem pelas ruas e bairros das cidades catarinenses nos permite perceber que se trata dos mesmos segmentos sociais que são base noutros estados: homens brancos mais abastados e de meia idade, administradores populistas que encenam ter saídas simples para questões complexas, saudosos de um passado germânico inventado e outros poucos dragados pela descrença generalizada em instituições. Não se dão conta de que a alta aprovação de Bolsonaro depõe contra a imagem do estado que se pretende socialmente avançado.

Amplos setores da população catarinense estão atentos/as à destruição bolsonarista. São movimentos populares, ambientalistas, antirracistas, de povos originários, de mulheres, LGBTQIAP+ e de estudantes que não suportam mais o rancor da estigmatização conservadora e, ainda, o risco cotidiano de uma morte violenta. Há uma ampla rede de entidades técnicas e profissionais, camadas médias e populares urbanas que percebem os impactos do desemprego, da inflação fora do controle e a postura irresponsável do presidente falastrão. Também há uma vasta rede de universidades públicas e particulares em cujo interior há estudantes, pesquisadores, técnicos e docentes capazes de analisar a realidade concreta, situar-se historicamente e tomar decisões a partir de evidências e dados.

São esses os segmentos que, nesse momento, precisam abrir dissenso e trazer a público o fato de que o bolsonarismo não se sustenta por motivos racionais ou, dito de outro modo, sustenta-se apenas pelo fanatismo, pela intimidação, silenciamento e outros mecanismos que visam tornar seus opositores imóveis. É hora desses setores virem a público e afirmar, sem medo, que é nosso direito reconquistar o futuro roubado pelo autoritarismo senil, rançoso e ameaçador. Esse “conservadorismo” está destruindo o povo brasileiro, quem realmente constrói o país. São os espíritos jovens e a força trabalhadora que nos salvarão da derrocada.

Vale resgatar aqui alguns pontos para que possamos dialogar não com os fanáticos, mas com os ambivalentes, constrangidos, descrentes entre os quais estão pessoas moderadas, trabalhadoras/es honestas/os, mas ainda pouco confiantes sobre a necessidade de insurgirem-se contra o bolsonarismo. Isso significa assumirmos que os donos do dinheiro e do poder nem sempre têm autoridade para dizer o que é melhor para nossas vidas e para o país.

Desde 2018 tivemos mudanças importantes em pilares do imaginário conservador no qual Bolsonaro se apoia. Se lá o capitão conseguiu chegar ao poder como uma liderança “forte” que recolocaria o país de volta no rumo da ordem e progresso, hoje, após quase três anos de seguidos erros e descaminhos, sua gestão se apequena pela mediocridade administrativa, em especial na área econômica. Há meses, o grande empresariado nacional manifesta suas preocupações e descontentamento. Desde o início do ano, industriais e banqueiros manifestam que o negacionismo bolsonarista impediu um plano de vacinação coordenado, o que possibilitaria a recuperação econômica. Bolsonaro não salvou nem vidas nem a economia e, não por acaso, os governadores acumulam capital político sobre o presidente. Mais recentemente a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e mesmo a Fiesp mostraram estar prontas ao desembarque, cientes de que a retórica bolsonarista sobrevive do conflito entre poderes, o que alimenta a insegurança institucional1.

Os setores que dependem do comércio exterior estão ainda mais descontentes, porque a política ambiental predatória e a política externa destrambelhada colocam o Brasil sob risco de se tornar um pária internacional. Na assembleia geral da ONU, Bolsonaro se destaca apenas por ser o único líder a ter recusado a se vacinar. Nesse sentido, o apego de setores do empresariado a Bolsonaro é um sinal forte de seu provincianismo e, ainda, uma dificuldade de desidentificar-se com a figura que lhes garante autoconvencimento. O empresariado que se quer pragmático não pode mais se fixar no obscurantismo apaixonado.

Para os que acreditavam numa moral ilibada, vale lembrar que, ao contrário do que disse Bolsonaro na ONU, semana a semana acumulam-se indícios de corrupção do seu governo. Ainda há muitas questões para o presidente explicar: o que significou o orçamento paralelo e secreto para o centrão fisiológico? O presidente prevaricou no caso da vacina Covaxin, cujos robustos indícios apontam para práticas ilícitas no processo de compra? Também há investigações avançadas que indicam que os gabinetes dos filhos operavam com funcionários fantasmas e esquemas de rachadinha. No caso do filho 02, havia funcionários fantasmas registrados no endereço do pai e com outros empregos ao mesmo tempo; um corrompimento desavergonhado, um escárnio.2 Sr Jair está ciente e mostra certo cansaço, o que pode ser uma janela para a maioria social democrática avançar contra o golpismo.

A cultura bolsonarista segue confiante na desumanização de pessoas e segmentos da sociedade. Tenta sobreviver pelo regime de pós-verdade, pois é difícil enfrentar a realidade. O último e mais assustador fenômeno foi o do Hospital Prevent Senior, que adulterou prontuários e realizou experimentos como se humanos fossem ratos de laboratório. Ao gênero de “conservadores” negacionistas, faz-se necessário dizer: é mais prudente voltar para seus recônditos privados.

No diálogo com quem vive de salário ou se divide entre empreitadas diversas, é bom lembrá-los que seus suados rendimentos estão sendo dragados. O preço da gasolina e do gás nunca estiveram tão altos e não dá pra jogar a conta apenas no ICMS, como querem os bolsonarista, pois ele está ai desde muito e não sofreu nenhuma mudança significativa. Os alimentos mais básicos somem da mesa e não há nenhuma previsão de contenção dos preços. Diante de uma questão de ordem estrutural, a figura sentada no cargo da presidência responde com ar quase de deboche: “é porque na pandemia todo mundo está comendo mais”.

Também é bom lembrar que a política educacional e científica desce uma ladeira sem fim. A Educação é a área mais atingida pelos cortes orçamentários. Em 2021, a pasta teve R$ 2,7 bilhões bloqueados, valor equivalente a 30% do orçamento total, além de outros R$ 2,2 bilhões vetados. Ao todo, são quase R$ 5 bilhões a menos. Já o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia é 34% menor que o de 2020. O da CAPES tem 1% a menos que o do ano passado, que por sua vez já era 28% a menos que o de 2019. Temos um verdadeiro apagão da ciência. Investimos nas áreas científicas e de tecnologia 1/3 do que se investia há 10 anos. Essa falta de perspectiva explica o recorde na fuga de cérebros. O número de desempregados, subutilizados e desalentados beira os 15%, e é ainda mais alto entre os jovens. O bolsonarismo interditou o futuro dos que sonhavam em cursar ensino superior e trabalhar em sua área de formação.

A tarefa que nos está colocada é grande: retirar o Brasil da barbárie. Os fixados na metafísica bolsonarista são incapazes de lidar com a realidade, então cabe aos que defendem a vida, aos “espiritos jovens”, aos segmentos racionais e democráticos da sociedade deixar o silêncio e assumir protagonismo nos espaços públicos para dar visibilidade e corpo coletivo a uma vida urbana densa que recoloque horizontes de saída.

Veja em: https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/o-espirito-jovem-contra-o-brasil-da-barbarie/

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