No bicentenário da morte de Napoleão Bonaparte, celebrado por muitos na França como herói, discute-se um lado pouco lembrado de seu legado: em 1802, ele restabeleceu a escravidão, oito anos após ser abolida pelo país.
Como parte das comemorações do bicentenário da morte de Napoleão Bonaparte, que se completa nesta quarta-feira (05/05), o centro cultural Grande Halle de la Villete, em Paris, está apresentando uma grande exposição sobre o ex-imperador francês. Ela será aberta ao público assim que as restrições de covid-19 forem levantadas e poderá ser visitada até 19 de setembro de 2021.
Em meio a 150 objetos que incorporam a deslumbrante grandeza do ex-imperador francês – “uma figura que é, ao mesmo tempo, fascinante e controversa”, como diz o trailer da exposição –, uma seção da exibição foca, no entanto, um lado mais sombrio de seu legado.
Ela apresenta as cópias originais das leis assinadas por Napoleão em 1802, que reverteram a abolição da escravidão que havia sido anunciada oito anos antes, na esteira da Revolução Francesa. Essa legislação fez da França o único país a ter realmente reintroduzido a escravidão após torná-la ilegal.
“Quando se ouve falar sobre Napoleão, a maioria das pessoas pensa no grande império e nas muitas vitórias da França durante as guerras daquela época. Esta glória sobre Napoleão ofusca tudo mais o que ele fez”, diz Dominique Taffin, diretora da Fundação para a Memória da Escravidão, em entrevista à DW. “Decidimos que era necessário aumentar a conscientização sobre essa parte sombria de seus atos para um público mais amplo.”
Napoleão assinou duas leis em 1802 que reverteram a decisão da França de proibir a escravidão em seus territórios
Um crime grave ou uma história menor?
“A decisão de restabelecer a escravidão não é apenas uma mancha no legado de Napoleão, é um crime”, afirma Louis-Georges Tin, ativista e presidente honorário do Conselho Representativo das Associações Negras (CRAN), à DW.
A decisão de Napoleão de 1802 de restabelecer a escravidão não apenas traiu os ideais da Revolução Francesa, mas condenou cerca de 300 mil pessoas a uma vida de servidão por mais alguns anos antes de a França abolir definitivamente a prática, em 1848.
Tin, que é da Martinica, antiga colônia e hoje território ultramarino francês, pede que esses aspectos das políticas de Napoleão sejam mais ensinados na França. “Como alguém cujos antepassados foram escravizados, não consigo entender por que continuamos a celebrar a memória de Napoleão como se nada tivesse acontecido”, afirma.
O ativista ressalta ainda que o bicentenário da morte de Napoleão, em 5 de maio, se completa apenas alguns dias antes do 20º aniversário da chamada Lei Taubira, que fez da antiga potência colonial o primeiro país a reconhecer a escravidão e o tráfico de escravos como crimes contra a humanidade.
“A França não pode ser o país dos direitos humanos e celebrar alguém que cometeu crimes contra a humanidade. Isso não faz sentido”, argumenta Tin.
Porém, nem todos concordam com esse ponto de vista. O historiador e especialista em Napoleão Peter Hicks, da Fundação Napoleão, em Paris, diz que Bonaparte era uma figura complexa que governou durante períodos de “hiperviolência” na Europa e não poderia ser reduzido às suas posições coloniais.
“A parte da escravidão na história napoleônica, por mais horrível, é mínima e periférica em comparação com as grandes histórias da Europa, como o Código Civil e o Tratado de Amiens [um acordo que garantiu a paz na Europa durante 14 meses durante as Guerras Napoleônicas], o que é muito mais importante para alemães, franceses, britânicos e italianos”, diz Hicks.
Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/o-esquecido-papel-de-napole%C3%A3o-na-escravid%C3%A3o/a-57428202
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