Um movimento de massas que ocupou as ruas de toda a Polônia defendeu a permanência do país na União Europeia, condenou um eventual Polexit e fortaleceu a oposição. Na segunda-feira, dia 11 passado, Hungria e Polônia contestaram no Tribunal de Justiça da UE a exigência do cumprimento do Estado de Direito para poderem participar dos fundos comunitários
Por: Celso Japiassu |Créditos da foto: (AP/EPA)
Procurei demonstrar na semana passada como se organizam os partidos da extrema direita na Europa, enquanto se preparam para um mítico advento do Dia X, quando um acontecimento que não sabem precisar vai provocar a falência da democracia. E eles tomarão o poder para estabelecer o seu programa de ódio e dominação.
Mas nem tudo são flores em seu percurso. Não faço diferença entre o que é direita e extrema direita porque os dois movimentos se retroalimentam e ambos têm sofrido alguns importantes golpes na trajetória que procuram seguir. Na Itália, a Liga de Matteo Salvini, o mais visível ativista do populismo de direita, saiu enfraquecido nas eleições realizadas neste mês. Na Alemanha, o AfD e outras siglas menores também sofreram derrotas nas eleições para a chancelaria.
O partido do primeiro-ministro Andrej Babis perdeu as eleições na República Checa. Na Áustria, outro da extrema direita, o chanceler Sebastian Kurz saiu do governo diante de sérias acusações de corrupção. A coligação com siglas nazifascistas que sustentava seu governo já havia se decomposto em 2019, também diante de acusações de corrupção. Acrescem as denúncias de manipulação da opinião do eleitorado com pesquisas falsificadas, fake news e sites de direita financiados com dinheiro público. Algo que, como sabemos, acontece também no Brasil.
Todos esses partidos europeus de feição nazifascista se beneficiaram da crise econômica iniciada em 2008 e das correntes migratórias que lhe sucederam, agravadas pelas guerras no Oriente Médio. Uma classe média amedrontada aderiu ao chamado dos extremistas de direita. O que pode ser considerado um refluxo na penetração desses partidos se dá agora diante do relativo sucesso dos governos nacionais sociais democratas no enfrentamento da pandemia.
Mateusz Morawiecki, primeiro ministro polone%u002s (Reprodução/gov.pl)
Polexit
O governo da Polônia, um bastião da extrema direita, saiu enfraquecido com a crise que provocou dando origem ao que seria o Polexit, ou seja, uma versão polaca do Brexit britânico.
A origem dessa crise foi a tentativa do governo de fazer valer as reacionárias leis do país, criadas e aplicadas por um tribunal supremo cujos membros foram nomeados pelo próprio governo. Outra semelhança com o que Bolsonaro tenta fazer no Brasil. Bruxelas, ou seja, o aparato institucional da União Europeia, tem combatido os dois países mais reacionários, que são hoje a Hungria e a Polônia, na sua tentativa de estabelecer uma legislação contrária aos princípios que orientaram a constituição da UE e que desconstroem de fato o estado de direito.
Um movimento de massas que ocupou as ruas de toda a Polônia defendeu a permanência do país na União Europeia, condenou um eventual Polexit e fortaleceu a oposição. Na segunda-feira, dia 11 passado, Hungria e Polônia contestaram no Tribunal de Justiça da UE a exigência do cumprimento do Estado de Direito para poderem participar dos fundos comunitários.
A jornalista brasileira Letícia Fonseca-Sourander, da RFI, baseada em Bruxelas, chama a atenção para o fato de que dezessete líderes do bloco europeu enviaram uma carta ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, afirmando que “ódio, intolerância e discriminação não têm espaço na nossa União”.
Letícia lembra ainda que os pagamentos da União Europeia representaram, no ano de 2019, 3,3% do PIB da Polônia e 4,48% da Hungria. Eis porque esses dois países pregam uma reforma profunda na UE, mas não pretendem dela sair. Correm o risco, no entanto, de provocarem uma indesejada situação de confronto que acabem por ser expulsos. Esse tipo de confronto fez alguns líderes manifestarem seu arrependimento por terem apoiado a horizontalização na formação do bloco com a admissão de países que não estariam preparados para a adoção dos valores humanistas que fundamentaram a criação da União Europeia. Esta horizontalização foi muito discutida nos bastidores da recente reunião do conselho da UE na Estônia. Na pauta informal estava a ampliação da UE com a admissão de outros países balcânicos.
Bruxelas tem manifestado preocupação desde que o partido Lei e Justiça (PiS) chegou ao poder na Polônia. O governo fez de imediato uma reforma judicial. A nomeação de juízes, em todos os tribunais, passou a depender de uma comissão parlamentar, cujos membros em sua maioria pertencem ao próprio PiS. Uma câmara disciplinar também foi criada com poderes para determinar a punição de juízes. O Tribunal de Justiça da União Europeia condenou, considerou ilegal e já exigiu a extinção dessa câmara.
Alegando proteger a família tradicional, cerca de cem regiões polonesas, com apoio do partido do governo, declararam-se “zonas livres de LGBTQ “, o que constitui um ataque aberto aos direitos fundamentais reconhecidos das comunidades LGBTQ . Uma forte pressão foi também desencadeada sobre as associações que apoiam as minorias sexuais. Algumas regiões voltaram atrás quando a União Europeia ameaçou bloquear os fundos previstos para cada uma elas.
Dos 27 países que constituem hoje a UE a Polônia foi o único a se negar apoiar os compromissos com as metas de atingir neutralidade carbônica até 2050. E a ONG Repórteres Sem Fronteiras declarou que o país se encontra em estado de emergência para a liberdade de imprensa. Os canais independentes de TV que fazem críticas ao governo estão ameaçados de perderem a concessão.
E, para culminar, Polônia e Hungria continuam a manobrar na tentativa de bloquear a exigência do estado de direito para a liberação de fundos destinados à reconstrução econômica do continente depois da pandemia
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