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O verão do desastre

Um ano inteiro após as primeiras indicações de que as vacinas de RNA mensageiro contra COVID-19 seriam altamente eficazes e seguras, o mundo agora está se recuperando de variantes ainda mais perigosas do vírus. O que isso diz sobre nós, especialmente no rico Norte Global?

Por J. Bradford Delong / Créditos da foto: (Getty Images) / Traduzido por Henrique Pavan

BERKELEY – O mundo está enfrentando dois desastres que estão tornando a crise do COVID-19 duas vezes pior do que deveria ser. O primeiro é o surgimento da variante Delta, que é duas vezes mais contagiosa e entre 1,5 e 2 vezes mais mortal do que o coronavírus original. O segundo desastre é que os governos do Norte Global não destinaram os recursos para aumentar a produção de vacinas na escala necessária para imunizar a população global até o final deste ano. Pior, quanto mais tardamos, maior a probabilidade de que a imunidade fornecida pelas vacinas e infecções anteriores por COVID-19 comece a diminuir.

Dados esses problemas, é muito cedo para começar a falar sobre uma economia mundial “pós-pandemia”. A saúde pública deve permanecer a principal prioridade. Quanto à economia, o foco deve ser manter o motor econômico básico funcionando e evitar um aumento maciço da pobreza. Com a variante Delta correndo solta, devemos adiar os esforços para devolver as economias à “normalidade” de pleno emprego até depois de termos alcançado alguma combinação de vacina e imunidade coletiva adquirida.

Afinal, uma vez que não podemos saber em que estado estará a economia global nos próximos meses, ainda não sabemos quais políticas serão mais adequadas para conduzir uma recuperação suave e sustentável. Da mesma forma, devemos rejeitar propostas para “esfriar” a economia mundial, a fim de evitar alguma espiral inflacionária obscura ou um retorno dos vigilantes do mercado de títulos no futuro. A variante Delta não deve ser tratada com resfriamento, mas com aquecimento.

Afora alguns especialistas verdadeiramente informados que, infelizmente, raramente são devidamente ouvidos, nossa ignorância sobre a gama de trajetórias possíveis da pandemia é imensa. Não temos uma imagem global clara. Tudo o que podemos fazer é considerar amostras mais estreitas.

O exemplo do Reino Unido funciona como uma placa de Petri. O país sofreu com a incompetência e o descuido generalizado. E não, o primeiro-ministro Alexander Boris de Pfeffel Johnson não fez tudo sozinho, embora ele certamente tenha mantido seu modus operandi de mentir e, de alguma forma, continuar galgar posições mais altas após seus fracassos. Sem a chegada rápida de vacinas seguras e eficazes, o país quase certamente teria perdido muito mais pessoas para a COVID-19 do que os 130.000 (0,2% da população) que já perdeu.

Os países do Leste Asiático com bom desempenho oferecem uma segunda placa de Petri. Depois de muito tempo provando sua eficácia, seus mecanismos de controle de propagação estão cedendo sob a pressão da variante Delta. Podemos concluir que essas medidas são necessárias, mas não suficientes, e o melhor que podem propiciar é o ganho de tempo até a efetivação dos programas de vacinação universal.

Uma terceira placa de Petri são os Estados Unidos. A lição aqui não é que um governo inepto pode tropeçar na imunidade coletiva porque tem, por trás, o poder da indústria de biotecnologia do Norte Global. Também não há lições a serem tiradas sobre um vírus em evolução superando todas e quaisquer medidas de supressão de infecção. A verdadeira lição dos Estados Unidos é que eles estão em uma categoria à parte. Mais de 600.000 pessoas morreram de COVID-19, e esse número parece prestes a aumentar em mais 100.000 nos próximos meses.

Enquanto isso, a mensagem que está sendo transmitida pela Fox News e pela maioria dos outros veículos de direita é mais ou menos esta:

“O Presidente ‘Super-Homem’ Donald Trump liderou o incrivelmente bem-sucedido projeto Operation Warp Speed, que realizou milagres biotecnológicos e criou uma vacina altamente eficaz contra uma doença que é similar à gripe. Mas agora, as vacinas não são testadas e não são seguras. Nunca deveríamos ter usado máscaras. O vírus é uma arma biológica chinesa financiada pelo Dr. Fauci, que constantemente dava maus conselhos a Trump sobre essa gigantesca farsa. O establishment médico está omitindo informações sobre medicamentos verdadeiramente úteis, como ivermectina, hidroxicloroquina e água oxigenada.”

Se essa salada de palavreado conspiratório parece loucura, considere o fato assustador de que cerca de um quarto da população norte-americana aparentemente acredita nela (ou pelo menos em parte dela). Um quinto dos norte-americanos pensam que o governo dos EUA está usando a vacinação COVID-19 para implantar microchips em seus corpos. Dezenas de milhões de norte-americanos encontraram razão suficiente para correr um risco de morte de 1% ao recusar uma vacina extremamente eficaz, extremamente segura e amplamente disponível.

Considere as implicações desse ato bem-sucedido de lavagem cerebral. Um país em que uma mídia malévola e cínica, em conjunto com agentes políticos, pode desencadear essas profundas fraturas psicológicas em uma parcela significativa da população, é extremamente vulnerável a uma ampla gama de ameaças. Em que conto os norte-americanos cairão a seguir? Mesmo que o próximo esforço de ‘hackeamento’ psicológico em massa seja motivado meramente pelo desejo de vender mais anúncios, que destruição social ele poderia deixar em seu rastro?

A conclusão atual é a mesma de um ano atrás, quando os testes de estágio três sugeriram pela primeira vez que as vacinas de RNA mensageiro contra COVID-19 eram um grande sucesso. O próximo passo óbvio é romper a burocracia e abrir as torneiras de dinheiro para mobilizar tantos recursos quantos forem necessários para colocar vacinas de alta qualidade nos braços de todas as pessoas do mundo o mais rápido possível. Podemos resolver as questões de financiamento e aprovação regulatória mais tarde.

Já se passou um ano desde que os magos da biotecnologia nos deram as ferramentas de que precisamos para combater o vírus. Por que ainda estamos na situação em que estamos?

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/O-verao-do-desastre/7/51270

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