Por Paulo Kliass
O Brasil vive há quase um ano essa que certamente vai entrar para a história como uma de suas mais graves crises. Deu-se uma combinação perversa dos efeitos da estratégia do austericídio levadi a cabo desde 2015 com a incapacidade desse governo atual em lidar de forma adequada com o advento da pandemia. A colaboração dos principais dirigentes das instituições financeiras foi fundamental para a vitória de Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018. Imperava naquele momento a crença de que o programa liberaloide extremado de Paulo Guedes na economia resolveria todos os problemas do Brasil. Só que não e deu no que deu!
O desempenho do PIB em 2019, o primeiro ano do governo do capitão, foi pífio. O superministro da economia mal conseguiu fazer o ritmo das atividades superar 1%, um resultado ainda mais baixo de que havia exibido seu antecessor Henrique Meirelles. O ingresso em 2020 veio quase combinado com a explosão da covid 19 e o governo conseguiu a façanha de agravar ainda mais o quadro da tragédia. A cartilha neoliberal levada ferro e fogo por Guedes amarrou a capacidade de o Estado brasileiro assumir a condição de protagonista na busca de soluções para a crise. De um lado, ele fortaleceu o negacionismo explícito quanto à realidade da pulverização da doença, impedindo a liberação de recursos tão necessários para a vacina e para o auxílio emergencial. De outro lado, ele se limitou ao anúncio de inciativas que tão somente se relacionavam à privatização e às tão endeusadas reformas.
Pois essa conduta do banqueiro no comando da economia estava em sintonia perfeita com os interesses do povo do financismo. Ao assegurar seu desejo de colocar em prática o programa tão fantasioso quanto criminoso de “privatizar tudo”, Guedes tentava se manter no cargo por acenar com essas e outras promessas, como a avalanche de desconstitucionalização dos direitos assegurados na Carta Magna desde 1988. A cada aparente recuo de Bolsonaro em apoiar a totalidade da agenda liberalizante, Guedes anunciava algum novo terreno à venda na Lua, com o intuito de não perder o suporte de seus colegas de origem. Por esse lamentável acordo de conveniência, o grande prejudicado foi o Brasil.
Fazem pressão para aumentar a SELIC.
Ao contrário do que vem ocorrendo nos países do centro do capitalismo global, as elites do financismo tupiniquim se mantêm solidamente arraigadas aos preceitos de uma ideário liberal fora de época. Não aceitam o debate a respeito da necessidade de superar os dogmas da austeridade fiscal cega e burra, que aqui se concretiza na defesa incondicional da Emenda Constitucional 95. Segundo essa mudança introduzida na Constituição ainda em 2016, os governos ficam proibidos de promover qualquer tipo de aumento de despesas orçamentárias por longo 20 anos. Uma loucura! Enquanto os Estados Unidos e a União Europeia, por exemplo, abandonaram essa rigidez logo depois da crise de 2008/9, por aqui nossas elites insistem em barrar a busca de caminhos para medidas contracíclicas, tão necessárias para superar tantos anos de recessão e a pandemia que nos assola.
Não contentes com essa contribuição irresponsável, essas auto denominadas “forças de mercado” seguem atuando como verdadeiros abutres em nosso tecido social. Para a semana que vem está agendada uma nova reunião do Comitê de Política Monetária (COPM) do Banco Central (BC). Como ocorre a cada 45 dias, em 16 e 17 de março os diretores do BC deverão se reunir sob o manto colegiado do COPOM e devem definir o patamar da taxa oficial de juros, a SELIC. Pois não é que as vozes das finanças começam a sugerir nos veículos “especializados” que o comitê deva elevar a taxa! É bem verdade que a gravidade da crise falou mais alto e desde agosto do ano passado ela está em seu valor mínimo histórico: 2% ao ano.
Mas não há razão alguma para que o COPOM promova tal subida. Aliás, muito pelo contrário. Desde aquela reunião que fixou o valor atual, o desemprego só fez aumentar e o nível de atividade da economia não consegue se recuperar. As supostas ameaças de um retorno da inflação tampouco se sustentam em um debate sério, uma vez que a enorme capacidade ociosa existente na nossa economia oferece folga para acomodação de preços. A pressão do povo do financismo por tal mudança só pode ser explicada por seu conhecido umbiguismo, onde são levadas em consideração única e exclusivamente suas ganâncias de lucratividade fácil e no curto prazo. Afinal, é sabido que os bancos e as instituições do mundo financeiro são dos poucos setores que vêm apresentando lucros bilionários em seus balanços, como se a crise social e econômica ocorresse em outro planeta.
São contra o Auxílio Emergencial de R$ 600.
Vale registrar que estes mesmos lobistas que pregam elevar ainda mais o custo financeiro por aqui, acabaram de pressionar e festejar a decisão do Congresso Nacional em decretar independência do BC. Assim, poderão estar tranquilos que nada será feito para reduzir os escandalosos “spreads” que sempre cobraram nas operações de crédito para empresas ou pessoas físicas. Assim como permanecerá intocáveis as exorbitantes tarifas embutidas nos serviços oferecidos por eles.
A absoluta falta de preocupação com as condições de vida da maioria da população faz com que ameacem, sempre com o catastrofismo que lhes é tão característico, todas as tentativas de buscar políticas públicas alternativas para minorar os efeitos terríveis da crise atual. Ao agarrarem-se no mítico respeito à austeridade fiscal, tentam inviabilizar medidas urgentes como o retorno do Auxílio Emergencial no valor de R$ 600, tal como a oposição havia conseguido aprovar em abril de 2020. Pior do que isso, seus porta vozes se fantasiam de aves de rapina para exigir que as medidas da chamada PEC emergencial retirem da Constituição os dispositivos que asseguram pisos mínimos de gastos governamentais com saúde e educação.
Elevaram o tom de seus protestos igualmente quando Bolsonaro anunciou mudanças recentes no comando da Petrobrás, pois poderia estar em curso uma mudança – mais do que necessária, aliás – na política de preços da estatal. O financismo discorda e alerta para o risco de volta de um “intervencionismo”, uma vez que preferem atrelar os preços internos dos derivados nas refinarias da Petrobrás às oscilações do óleo no mercado internacional.
Mas a novidade foi terem sido obrigados a começar a semana engolindo a importante decisão do STF, que terminou tardiamente por reconhecer a ilegalidade dos atos praticados por Sérgio Moro e a tropa da Lava Jato nos processos envolvendo o ex Presidente Lula. Além de reparar uma injustiça evidente, o cenário permitiria a ele se apresentar como candidato nas eleições de 2022. A ver como reagirá ao confraria da banca.
Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/Os-abutres-do-financismo/7/50114
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