Em entrevista, coordenador do MST analisou o governo Bolsonaro sob a luz do contexto global
Por: Redação| Créditos da foto: Reprodução. “Bolsonaro tem um discurso fascista, alimenta uma militância sectária que não é de massas, com base nesse discurso”.
“Entramos em uma crise profunda do capitalismo em nível mundial.” A análise é do economista e coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile. Em entrevista concedida ao programa Na Berlinda, da R3Cast, de Sergipe, ele ponderou que o sistema capitalista não consegue mais produzir os bens necessários para as pessoas. “Meia dúzia acumula capital e a população sofre cada vez mais.”
Stedile também relacionou o cenário de degradação do meio ambiente à voracidade de grupos econômicos. “Estamos enfrentando a crise ambiental resultante dos crimes que o grande capital comete contra a natureza. Por trás de toda essa avalanche de mineração e desmatamento estão grandes capitalistas. Quem compra madeira da Amazônia? Grandes empresas dos EUA e da Bélgica. Quem financia os garimpeiros do ouro? Duas empresas, uma do Canadá e outra britânica”, pontuou.
“Há uma crise estabelecida em todo o mundo que é a crise do Estado burguês. O Estado que nós conhecíamos foi engendrado pela Revolução Francesa e expressava a vontade da burguesia industrial de organizar as relações da sociedade, mas eles precisavam de operários. Agora, o capitalismo acumula sem operários e portanto também não precisa do voto deles, o que levou a uma crise de identidade do Estado burguês que precisamos superar.”
Os modelos agrícolas do Brasil
Stedile identificou que, no Brasil, nos últimos 30 anos, houve um confronto entre três modelos de agricultura. O primeiro seria o latifúndio predador, “que só quer pegar terra pública, floresta, água e enriquecer com a natureza”. Um modelo que “não produz nada”, de acordo com o coordenador do MST.
“Tem o modelo do agronegócio, cantado em verso e prosa como moderno. De fato, ele utiliza alta tecnologia, muito veneno, agrotóxico, semente transgênica, mas só produz commodities para exportação”, disse. “E há o terceiro modelo que é o nosso, da agricultura familiar para produzir alimentos para o mercado interno e local. É um modelo que emprega muita gente porque é familiar, então quanto mais pessoas trabalhando na agricultura, melhor, e respeita o equilíbrio com a natureza com a agroecologia. Porque o camponês sabe que se derrubar a árvore vai falatar água. Sem água, se foi a agricultura”, explicou.
A partir da definição dos três modelos, Stedile fez a diferenciação entre as gestões petistas no governo federal e a atual. “Os governos Lula e Dilma combatiam o latifúndio predador mas conciliavam agronegócio e agricultura familiar”, disse. “O que mudou com o Bolsonaro é mais grave que a simples relação com o MST. Primeiro, aquele latifúndio que era combatido agora está dentro do governo. Aquela expressão ‘passar a boiada’, o ministro [Ricardo] Salles estava lá em nome do latifúndio, que se transformou em poder político e faz política para ele mesmo.”
“Por isso aumentaram as queimadas, o desmatamento, as invasões de terras indígenas”, ressaltou. “E o governo continua namorando o agronegócio, ainda que, a bem da verdade, setores do agronegócio tenham contradições com Bolsonaro por conta dessa ideologia de ser contra a China e liberar o desmatamento. Ele depende da China, o agronegócio sério não quer desmatar a Amazônia porque isso altera o ciclo de chuvas no Sudeste.”
Enquanto privilegiou o latifúndio e manteve proximidade com o agronegócio, a gestão Bolsonaro deu as costas para os agricultores familiares. “O governo acabou com todas as políticas de apoio à agricultura familiar dos governos Lula e Dilma. Por exemplo, o mecanismo de compra antecipada de alimentos pelo PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), que era fantástico, administrado pela Conab. Ele acabou praticamente com o PNAE, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que tinha uma filosofia revolucionária, a merenda tinha que ser produzida no local.”
Bolsonaro é um “bedel”
O líder do MST também analisou a relação do presidente com as elites econômicas. “Bolsonaro usa métodos fascistas, no sentido da violência, porque o fascismo era isso. Essa ideologia fascista ele tem, mas não é fruto de um movimento fascista na sociedade. Ele só chegou ao governo porque a burguesia brasileira, assustada com o aprofundamento da crise e com a possibilidade da volta do PT ao governo após o golpe que deram, optou por Bolsonaro. Mas ele em si não tem força própria, é um bedel, um pau mandado da burguesia”, avaliou.
“Bolsonaro tem um discurso fascista, alimenta uma militância sectária que não é de massas, com base nesse discurso. Mas a ampla maioria da população brasileira não só não é fascista como combate o fascismo”, disse, apontando que parte da oposição social feita ao presidente hoje se dá a partir dos movimentos culturais. “Caetano Veloso colocou 50 mil na praça para lutar pelo meio ambiente e para defender os indígenas”, lembrou.
Confira a íntegra da entrevista:
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