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Por uma nova Cidadania do Trabalho

Além de superexplorar, neoliberalismo reduziu trabalhadores a “contratados” descartáveis. É hora de voltar a vê-los como sujeitos da produção social – logo, com direitos assegurados pelo Estado. Parte da esquerda hesita a dar este passo

Por Woodrow Hartzog e Evan Selinger

Em um artigo recente, Ruth Dukes e Wolfgang Streeck discutem o conceito, agora bastante obscuro, de cidadania industrial e a mudança do status do trabalho nos séculos XX e XXI. Para muitos na esquerda, a preocupação com o status social que acompanha o trabalho fica em segundo lugar em relação ao interesse pela exploração que ocorre no local de trabalho. Essa subestimação é compreensível, visto que a condição social do trabalho muitas vezes tem sido usada para justificar formas de opressão.

No entanto, no início deste mês, Dukes e Streeck dialogaram com John-Baptiste Oduor, de “Jacobin”, sobre a complexidade e a necessidade política, de defender um projeto sobre o status do trabalho e dos trabalhadores. Os autores refletem sobre várias questões importantes para a esquerda, incluindo o legado da oposição de esquerda à social-democracia e a possibilidade de combater a economia gig de salários baixos e trabalhadores ostensivamente sem reconhecimento.

As ideias discutidas aqui emergem do projeto de pesquisa conjunta dos autores sobre as normas sociais e jurídicas que regem o trabalho. Parte desse projeto terá a forma de um livro – “Democracia no Trabalho: Contrato, Status e Justiça Pós-Industrial” – a ser publicado pela Polity.


Em seu artigo recente, “ Da Cidadania Industrial à Ordem Privada ”, vocês examinam as transformações da condição contratual e social do trabalho. Especificamente, vocês distinguem status e contrato, duas maneiras diferentes de regular o tratamento e os direitos dos trabalhadores. Vocês podem explicar a distinção entre estas duas categorias e como ela se desenvolveu na história do direito do trabalho?

Wolfgang Streeck:Os termos “status” e “contrato” são usados já muito para distinguir entre diferentes tipos de relação social. Numa relação de status, tal como definida, por exemplo, por Max Weber em Economia e Sociedade , direitos e obrigações são atribuídos às partes pela lei, em razão de sua pertença a uma determinada categoria social: pai, esposa, senhor, servo. Uma relação contratual, ao contrário, é “livremente celebrada de acordo com a livre escolha das partes”. No final do século XIX e no início do século XX, os sociólogos observaram uma tendência histórica para que as relações de status fossem gradualmente transformadas em contratuais.

De acordo com o famoso ditado de Henry Maine, essa tendência – “um movimento do status para o Contrato” – foi o marcador de “sociedades progressistas”. Em meados do século XX, no entanto, quando os sindicatos eram fortes e as relações de trabalho governadas principalmente pela negociação coletiva, seria possível argumentar que, nas sociedades mais progressitas, as relações de trabalho eram agora relações de status, embora de uma forma totalmente distinta das relações medievais entre mestres e servos.

Nesta época de “cidadania industrial”, não era apenas a lei, como tal, mas também as regras pactuadas coletivamente e o direito de participar na negociação dessas regras que deram forma à condição dos trabalhadores. Como outros tipos de status, a cidadania industrial não deixou de ser determinada pelas partes envolvidas, mas foi, principalmente, de natureza pública. Não era uma relação meramente social, como entre mestre e servo, mas política, estabelecido na luta de classes democrática para regular as relações sociais entre capital e trabalho, a mais importante arena de conflito e cooperação em uma sociedade capitalista.

Ruth Dukes: Em nosso artigo e no próximo livro – Democracia no Trabalho: Contrato, Status e Justiça Pós-Industrial – sugerimos que, nas sociedades capitalistas, as relações de trabalho necessariamente têm elementos de contrato e status. As relações de trabalho são invariavelmente contratuais, o que significa que as partes exercem a liberdade formal de contratação ao celebrar tal relação. Mas a regulamentação das relações de trabalho, apenas por meio de contrato, é insustentável: elementos de Estado – regras e entendimentos que se aplicam independentemente da vontade das partes do contrato – devem estar sempre presentes quando o trabalho é realizado e pago como o as partes exigem.

Argumentar o contrário, como as plataformas do tipo do Uber fazem, quando afirmam criar mercados de trabalho sem tensões de busca e com custos de transação mínimos – contratos sem status – é assumir um modelo subsocializado de ação social (monádica) sem base na realidade de vida social (Émile Durkheim). É ignorar o ensino de Karl Polanyi de que, sem alguma forma de proteção contra os caprichos do mercado, a “mercadoria fictícia” do trabalho acabará sendo destruída.

Como o contramovimento de Polanyi, o status pode assumir uma variedade de formas que são mais ou menos desejáveis do ponto de vista dos trabalhadores, empregadores e da sociedade em geral: servidão, cidadania industrial, filiação a uma profissão ou ocupação específica. No artigo e no livro, estamos interessados em como o status e o contrato foram configurados e compreendidos de maneira diferente em vários momentos. Estamos interessados em compreender a mudança do papel da lei e de outras instituições públicas na formação das relações de trabalho, tanto direta quanto indiretamente, sempre conscientes de que mesmo contratos aparentemente “privados” ocorrem em um contexto que é estruturado de inúmeras maneiras pela lei e pelo Estado.

Saiba mais em:https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/por-uma-nova-cidadaniado-trabalho/

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