Como levar o sistema financeiro a cumprir papel social, depois de décadas capturando a riqueza do país, das famílias e empresas. Que estratégia poderá ampliar a atuação dos bancos públicos e comunitários. Qual o papel das moedas alternativas
Por: Antonio Martins
Com Ladislau Dowbor e Paulo Kliass
O capitalismo financeirizado sequestra a riqueza social em todo o mundo, mas nada se compara a sua rapina nas perifeiras. Por décadas o Estado brasileiro pagou, à elite minúscula que concentra os juros da dívida pública, as taxas de juros mais altas do planeta. Das famílias brasileiras, 74,6% encontravam-se endividadas em outubro – oito pontos percentuais a mais que um ano antes. Milhares de pequenas e médias empresas têm, nos juros, sua despesa principal. E enquanto toda a economia mantém-se, desde 2015, em queda ou estacionada, os cinco maiores bancos brasileiros lucraram, no primeiro ano da pandemia, R$ 79,3 bilhões. Um novo projeto de país precisará rever esta captura da riqueza nacional, criando um novo sistema financeiro e bancário. Mas como?
Os economistas Ladislau Dowbor e Paulo Kliass abrem nesta segunda-feira (6/12), às 19h, a série de diálogos do projeto Resgate sobre este tema crucial. A ideia-força que debaterão é ousada. Sugere que, se houver disposição de superar o neoliberalismo fiscal, será possível criar uma rede de bancos públicos e comunitários, estimular moedas alternativas e promover uma revisão geral das dívidas, adequando-as à capacidade de pagamento dos endividados.
Quais as condições para fazê-lo? Ladislau Dowbor abordará o tema a partir de duas perspectivas. Autor de A Era do Capital Improdutivo, ele continua estudando em profundidade a financeirização do capitalismo, suas consequências e alternativas. Mas é, além disso, um observador atento de arquiteturas bancárias distintas da existente hoje no país. Estudou, por exemplo, as Sparkassen (espécie de caixas de poupança) alemãs e os bancos regionais e municipais chineses. Relacionou-se, ao dar consultoria a projetos de desenvolvimento no Brasil, com instituições como o Banco do Nordeste.
Já Paulo Kliass abordará aspectos pouco tratados no debate brasileiro sobre o tema. O sistema financeiro vive, nos últimos anos, grandes transformações – impulsionadas em parte pelas novas tecnologias. A digitalização do dinheiro favoreceu a multiplicação, nos últimos anos, de um vasto setor de fintechs, bancos e empresas financeiras que quase não têm funcionários nem estrutura física, atuando essencialmente na internet. Sua emergência representa um grande desafio para os bancos tradicionais, obrigados a enfrentar concorrentes cujas despesas de operação são muito menores.
E – muito mais importante – surgiu a hipótese instigante do fim da intermediação bancária. Se os bancos privados já dispensam cada vez mais a antiga estrutura de agências e pessoal, o que ainda oferecem à sociedade? Por que não permitir que o público abra contas diretamente nos Bancos Centrais, como começam a fazer alguns países?
Compreender o sistema financeiro em profundidade e transformá-lo é essencial para qualquer projeto de país com justiça social e combate às desigualdades. O Resgate dedica um capítulo especial ao tema e o tratará com destaque em 2022. A conversa desta segunda-feira é um ótimo começo de conversa.
Eis a transcrição do diálogo:
Antonio Martins: Boa noite, eu sou Antônio Martins, editor do site Outras Palavras, esse é o Programa Resgate, que chega a 46ª sessão,. O Resgate, por meio dele, nós queremos ampliar a possibilidade de derrotar a ameaça fascista, no ano que vem, mas contribuir, ao mesmo tempo, para o debate brasileiro a partir da sociedade e a partir de um ponto de vista: a vitória sobre essa ameaça fascista não pode ser a volta ao velho normal, o velho normal é o que nos trouxe até aqui e o velho normal tem um aspecto, que nós vamos discutir hoje, começar o debate dele, hoje, e avançar, ao longo de 2022, que é a financeiração das economias. O surgimento de um capitalismo que foi muito bem descrito pelo Ladislau Dowbor, um dos nossos convidados de hoje, no livro chamado “A era do capital improdutivo”, um capitalismo cada vez mais concentrador, mais alienante, em que os mercados financeiros determinam que as sociedades podem fazer e o que não podem. E que, para superar isso, um dos aspectos essenciais é compreender o sistema financeiro, compreender as possibilidades de transformá-lo. Essa é uma agenda pouco presente no debate nacional, talvez porque a força do capital financeiro seja tão grande que sumiu no horizonte político a ideia de transformá-lo, porque, tão bem como conversava com Paulo Kliass, outro dos nossos convidados, antes da gente começar aqui, entre certos setores, mesmo entre certos setores à esquerda, a ideia de que as finanças são essencialmente um mal e que não é possível, portanto, transformá-las, transformá-las em instrumento de igualdade, de luta pela igualdade, de justiça social, de um tipo de desenvolvimento que garanta novas relações com a natureza.
E para discutir esse tema, para começar esse tema no Resgate, ou seja, o tema da reforma do sistema financeiro e do sistema bancário, os nossos convidados são, como eu falei, Ladislau Dowbor, professor de economia na PUC, autor de “A era do capital improdutivo”, autor de um outro livro muito recente, “O Capitalismo se desloca sobre as transformações do sistema e as e a necessidade de dar outro sentido a elas” e o Paulo Kliasa. Paulo Kliass, pesquisador do Ipea e um dos criadores da Abed – Associação Brasileira dos Economistas pela Democracia. Boa noite Ladislau! Boa noite Paulo!
Eu começaria te fazendo uma pergunta, Ladislau. Você que escreveu tanto sobre – e continua estudando – a captura da riqueza e da renda das sociedades pelo sistema financeiro, se nós entrarmos num novo projeto de Brasil, a partir de dos debates de 2022, 2023, de que forma o sistema – e você que também estudou sistemas financeiro e bancário de diferentes países, tanto como consultor da ONU, quanto como pesquisador mesmo -você acredita na possibilidade desse sistema trabalhar a favor das maiorias e de um outro projeto de país? De que forma isso seria possível?
Ladislau Dowbor: Olha, deixa eu comentar uma primeira coisa, tá? É que nós não temos falta de recursos no Brasil. É uma conta simples. Você pega o PIB do Brasil, 7.5 trilhões de reais, 7.5 trilhões de reais, dividido pela população 219 milhões, isso dá 11 mil reais, por mês, por família de 4 pessoas. É o que a gente produz de bens e serviços no Brasil, dá 11 mil reais, por mês, por família de 4 pessoas de quatro pessoas. E isso significa que basta reduzir um pouco a desigualdade, de maneira muito moderada, para assegurar a todo mundo, no Brasil, uma base, digamos, de vida digna e confortável e parar, em particular, essa tragédia que é por exemplo ter 19 milhões de pessoas passando fome, dos quase 25% já das crianças. Você simplesmente… revoltante, né? Ou seja, nosso problema não é de falta de recursos, nosso problema é de organização política e social. Isso é o ponto.
O segundo ponto importante é o seguinte: nos dizem que tem problema de de recurso, porque o déficit né? Primeiro que esse governo aí, ele expandiu o déficit de maneira espantosa e vim comparando com governos anteriores, com governos populares, gerou um déficit. Porque ele está repassando dinheiro para bancos, para grupos financeiros, pagando dividendos de grupos internacionais e não usando dinheiro, porque é necessário para as populações. Ele se esconde, esse governo, atrás de uma aparência de respeitar o déficit, né? Da necessidade de manter as contas públicas… Na realidade, não está respeitando nenhum dos dois, porque não está utilizando de maneira útil. E ele se esconde através de leis econômicas. Isso é bobagem, tá? O essencial é o seguinte, que economias são pactos, não são leis, certo? Quando viu os veículos “ nos Estados Unidos decide a repassar muito dinheiro para a base da sociedade” e dinamizou a economia americana, que voltou a funcionar, ele colocou, por exemplo, um imposto sobre grupos financeiros, alíquotas acima de 90%, e funcionou, tá certo? São opções, se chamou o novo pacto, o New Deal. A Europa, que eu participei muito da reconstrução do pós-guerra, é o estado de bem-estar social, é uma opção política. Não há nenhuma razão pra ter miséria, nenhuma razão para ter essa paralisia econômica no Brasil, em termos de economia. São razões políticas, razões de opções em termo de funcionamento.
O terceiro ponto que eu quero é mencionar é o seguinte, a gente sabe que funciona, quando você coloca mais dinheiro na base da sociedade, isso gera demanda. As empresas, elas não precisam de discurso ideológico, a tal da confiança, elas precisam de gente com dinheiro para poder ter para quem vender, e precisam de crédito barato para financiar a produção. É tão simples assim. Isso funciona para China, para o Vietnã, para Honduras, para o Canadá, para o Brasil, para qualquer país. Só que, no Brasil, você ferrou as famílias que, estão endividadas até o pescoço, por cento delas em bancarrota pessoal, certo? Com essas taxas de juros, com esse sistema financeiro. E, por outro lado, as taxas de juros para pessoa jurídica, para as empresas, são do nível tal que as pessoas, empresas, não conseguem financiar a produção. Se não tem consumo, se não tem a produção, resultado. Você tampouco tem o equilíbrio fiscal do governo. Que esse governo desequilibrou radicalmente. Por quê? Porque você travou o consumo. Você reduziu os impostos sobre o consumo, receita para o estado, você gerou grande desemprego? As empresas estão trabalhando no Brasil a 70% da sua capacidade e esse negócio também não funciona porque gera pouco recurso para o estado. Resultado: que nós temos, hoje, com esse tipo de financeirização, de apropriação dos recursos financeiros, por grupos financeiros que fazem especulação, inclusive mandam dinheiro para o exterior, para paraíso fiscal, etcétera, em vez de colocaram o dinheiro onde funciona.
E o denominador comum, para mim, Antonio e Paulo, é que eu, olhando a China, olhando o Vietnã, olhando a Coreia do Sul, olhando o Canadá, enfim, Suécia, uma série de países que funcionam, a base é rigorosamente a mesma: processo redistributivo que assegura uma base de consumo, portanto, uma demanda forte, o que dinamiza as empresas em ambas, geram recursos e equilibram as contas do Estado. Esse é o que funciona para mim, esse é o norte de um sistema financeiro que funcione para fomentar a economia e não para enriquecer atravessadores.
Antonio Martins: Paulo, o Ladislau é um grande estudioso da financeiraização das economias e das alternativas, mas você tem estudado, especificamente, o desenvolvimento dos bancos mais recentes. Inclusive, tem algumas coisas que são muito pouco debatidas, no Brasil, como por exemplo o surgimento das Fintecs, de bancos praticamente eletrônicos, impulsionados pela digitalização das moedas e mesmo o surgimento do debate sobre a criação de contas diretas da população, diretamente nos bancos centrais, e articulação disso com possíveis iniciativas contra-hegemônicas, digamos assim, que não sejam de concentração de renda, mas que sejam de canalização da poupança da sociedade para outros fins. E seria interessante você contar pra gente as novidades, relatos mesmo, das novidades que têm surgido nesse setor e de que maneira elas podem ser apropriadas para quem deseja a transformação da sociedade.
Paulo Kliass: Bom, antes de tudo, boa noite, Antonio. Obrigado, mais uma vez, pelo convite. Um prazer enorme estar aqui com Ladislau, o nosso grande mestre para assuntos de economia, de financeirização.
Veja, eu acho que essa questão é uma questão fundamental, né? Quer dizer, para o Resgate, no sentido de a gente começar a discutir alternativas ao sistema, ao modelo em que a gente está vivendo. E por mais que a gente não consiga colocar isso no foco do debate, vamos dizer assim, eleições do ano que vem, eu acho que a gente não deve perder essa oportunidade. Porque, quando a gente discute eleições de 2022, a gente discute a possível substituição, a necessária substituição, do Bolsonaro e do regime de política econômica, de política social que está por trás do seu governo, isso implica também rediscutir a questão da financeirização, de uma forma geral, e da questão bancária, de uma forma particular, que a gente estava conversando, né? Antes de abrir a emissão para quem está nos assistindo.
O Ladislau colocou isso no último artigo, no penúltimo que ele publicou no site de vocês, no Outras Palavras. A gente não pode, necessariamente, demonizar a questão das finanças. Está certo? Quer dizer, o fato da gente ter um sistema financeiro perverso, no Brasil e no mundo, O fato da gente ter uma dominância desse financismo, nada mais é do que uma forma de subtrair recursos da economia real, subtrair recursos de quem produz, de quem oferece serviços, ainda que os serviços sejam, relativamente, nos tempos de hoje, da população, dos trabalhadores, dos aposentados. O fato concreto é que finanças é um tema muito importante. Quer dizer, a intermediação financeira, ela é um avanço, do ponto de vista da organização das sociedades. Qualquer projeto de utopia, de transformação dessa sociedade, faze-la de uma maneira menos desigual, mais distributiva, mais justa socialmente, ambientalmente, etcéteras, passa por alguma forma de intermediação financeira.
A questão é saber quem faz a intermediação e com que objetivo, está certo? Quer dizer, a gente vive um mundo em que o financismo subtrai, quer dizer, recursos, os quais ele não tem direito, ele se vale da condição, primeiro, de cartel, de oligopólio, né? Quer dizer, quantos bancos grandes são os que dominam a economia brasileira? Você tem Banco do Brasil, você tem Caixa Econômica, você tem BNDES, você tem o Banco do Nordeste, você tem o Banco da Amazônia, que são bancos públicos, quer dizer, se você tivesse um governo interessado em promover e aprofundar a importância positiva das finanças, reduzindo os prédios, oferecendo condições de crédito para quem não tem acesso ao crédito, essa chamada popularização do crédito, é um fenômeno importante, está certo?
Mas você tem uma outra alternativa, que é proporcionada principalmente pela questão tecnológica. Veja o caso dos meios de comunicação. Quer dizer, até vinte anos atrás era muito difícil você fazer um jornal atingir a grande maioria da população. A gente teve, no Brasil, a experiência dos jornais alternativos, da imprensa alternativa, no final da ditadura e mesmo nos primeiros anos da transição democrática. Do ponto de vista das televisões, quer dizer, os grandes impérios continuam. Do ponto de vista dos rádios, a gente tinha a tentativa das rádios comunitárias, etc. Agora, com o avanço tecnológico, a gente tem, por exemplo, nós aqui conversando, há possibilidades de lançar, é óbvio que precisa competência, precisa de uma série de outros atributos que a esquerda, as forças democráticas, ainda não têm, mas pra chegar no grande público através dos chamados Streaming.
Você tem a possibilidade também do ponto de vista das finanças, de fazer uso dessa alavancagem tecnológica, quer dizer, então por exemplo, você tem toda inovação na áreas das chamadas fintecs. Quer dizer, nada são do que articulações envolvendo empresas, às vezes indivíduos, sociedades, você poderia ter sindicatos, você poderia ter associações que fazem o recurso, que é o recurso tradicional, vamos dizer, da intermediação financeira. Eu estava conversando com o Antonio – eu tenho uma irmã que mora na Catalunha. A Catalunha é um dos países, dos espaços europeus, que mais tem avançado desse ponto de vista, primeiro da democratização do acesso ao crédito e da consciência da população de que as intermediações podem ser positivas. Então, você tem, por exemplo, bancos socialmente engajados. Você tem bancos ambientalmente engajados. A Moda lá, agora, é o chamado banco ético. Então você tem um deles, que é um banco já europeu, mas que atravessa fronteiras na Holanda, na Catalunha, outros espaços, da Espanha, da França, que é o Tríodos. Esse banco, ele se propõe a ser transparente nas suas operações, oferecer rentabilidade mínima – que lá não é tão difícil, porque você não tem uma Selic que os caras estão querendo aumentar para 9.25, na reunião, próxima, do COPOM, que é uma loucura, mas, enfim… e ali é totalmente transparente, você sabe aonde o seu recurso está sendo aplicado, ele pode parecer uma utopia sim, mas se a gente deixasse de ter a concentração bancária em dois, três, quatro gigantes dos conglomerados privados, a gente poderia, como o Antonio falou, o comum das finanças.
Apresentar uma alternativa contra-hegemônica, convencer a população de que as aplicações desse recurso são positivas e que isso pode, então, como dizia o Fórum Social Mundial, um outro mundo é possível, está certo? Então, eu ficaria aqui nessa primeira introdução, que a gente já tem uma experiência histórica, por exemplo, de créditos cooperativos, tem instituições cooperativas de crédito, que também pode ser alguma coisa, né? Que a gente atualize, vamos dizer assim, na realidade brasileira.
Ladislau Dowbor: Deixa eu complementar essa ótima fala do Paulo. Lembrar o seguinte, o dinheiro, que está nos bancos, é nosso dinheiro. O dinheiro que está no governo, que a gente está repassando para os bancos, é dinheiro dos nossos impostos. O banco, mesmo privado, pega um Santander, o Itaú, ele recebe uma carta patente autorizando eles a trabalhar com o dinheiro do público, a prestar um serviço público. E eles cobrarem o que querem? Isso aqui é absurdo, né? Agora, tem um negócio básico que que é o seguinte, os custos, sobretudo nessa era eletrônica do dinheiro imaterial, os custos de gestão administrativa dos bancos são extremamente limitados, né? Então, eles cobrarem essas taxas de juros e as tarifas, além disso, por exemplo sobre o que é transação de cartão de crédito, coisa do gênero, isso gera lucros fenomenais. E o essencial é o seguinte, a diferença entre um banco que extrai, e um banco que fomenta é, em grande parte, da taxa de juros, tá? Só para as pessoas terem ordem de grandeza, nós estamos falando, por exemplo, taxa de juros livre, para pessoa jurídica, no Brasil, acima de 40%. Nós estamos falando, acima de 70% para pessoa física, enfim. Temos, até saiu agora o rotativo do cartão, para pessoa física, 343%, saiu na Globo, hoje. Certo? Sabe qual é o nível desses juros na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, etc.? Entre 3 e 5% ao ano.
Esse é o nível, ou seja, o que a gente cobra no Brasil não é 20%, 30% mais caro, o que já seria escandaloso, porque você está prestando um serviço público, autorizado pelo público. Aqui, não! Entre 800 e 1.200% mais caro. Esse é o nível. Agora, quando você dá um empréstimo, por exemplo, para uma empresa, que o juro é muito mais elevado do que o lucro, que o cara vai ter com essa empresa, você ferrou com ele e você gerou essa massa, no Brasil, de empresas e de pessoas que estão simplesmente alongando a dívida, em cada reunião que tem com seu gerente de crédito e vivendo pra pagar juros, em vez de reinvestir pra expandir produção. Então, para mim, esse eixo de extração é absolutamente fundamental, né? Os americanos chamam de extractive capitalism, capitalismo extrativo. Isso aqui é uma zona!
Antonio Martins: Acho que está sendo excelente, porque a gente está explorando a possibilidade de não simplesmente criticar o sistema de hoje, mas de construir um outro sistema financeiro, desde que haja, é claro, correlação de força, situação política, mas pra existir correlação de força e situação política, para isso, é preciso haver debate, haver consciência de que é possível uma outra situação. Vamos discutir alguns aspectos, aqui, relacionados a isso. O Ladislau enfatizou, agora há pouco, a questão da taxa de juros. Imagine que, após um debate, se elege um governo democrático, progressista, em 2022. De que maneira esse governo poderia, talvez, se utilizando, como se tentou fazer antes, mas sem Sucesso, os bancos públicos para forçar uma redução drástica da taxa de juros paras pessoas físicas, paras empresas, etc?
Paulo Kliass: É, eu acho que essa é uma questão essencial, viu, Antônio? Ladislau também tem colocado bastante esse aspecto, e a gente não pode se furtar a enfrentar esse debate, porque senão a gente vai ficar eternamente refém, na mão de grandes e poucos, enormes conglomerados do sistema financeiro privado nacional. E olha que, ainda o Brasil, comparado com os demais países do terceiro mundo, chamados subdesenvolvidos, ainda consegue manter uma espécie de ilha, de impedir, vamos dizer, uma internacionalização absoluta do seu sistema bancário como aconteceu com outros países. Então você pega – infelizmente eu vou ter que dar nomes, tá? Você desculpa, Antonio – mas você pega Bradesco, você pega Itaú, pega alguns dos grandes, ainda são bancos nacionais, entre aspas, com propriedade ou poder de decisão internamente. Por mais que eles estejam internacionalizados. Então, o peso dos bancos públicos, ele é muito importante e ele oferece a possibilidade de fazer política econômica, ou seja, de fazer um aspecto essencial da política pública voltado para o interesse da maioria. O que precisa, é até a vontade política.
Então, vamos só lembrar, teve um momento do governo Dilma, não vão aqui discutir as razões e etc., e que ela tentou isso. Quer dizer, ela diz “olha, Banco Central é uma instituição do Governo Federal!”, e é aí mesmo. Essa balela de Banco Central independente e tal, é uma loucura. Por mais que os últimos, a maioria dos últimos presidentes e diretores fossem representantes dos interesses dos centros financeiros, o fato é que o Banco Central teria que responder ao Ministro da Fazenda ou responder ao presidente da república. Então, não tem essa história de “não, o governo está querendo lançar mão de política para influenciar”. O Banco Central faz política! Não existe, como eu chamo, neutralidade técnica em qualquer decisão do Banco Central. Muito pelo contrário! O que ele deveria fazer, que é fiscalizar e regular o sistema financeiro, ele não faz, ele fecha os olhos, faz cara de paisagem. Os bancos cobram o que querem nas tarifas, cobram o que querem no seu spreed, e o Banco Central fica quieto. Por outro lado, ele chancela a política monetária através das reuniões, a cada 45 dias, do chamado COPOM – como entende de política monetária – que é o próprio Banco Central, a diretoria reunida com uma outra etiqueta, e eles decidem a SELIC, tá certo? Quer dizer, com esses níveis absurdos que o Ladislau já nos comentou. Então, uma das primeiras questões, para um eventual cenário de mudança, a partir de 2022, é recuperar a natureza pública do sistema bancário, está certo? Quer dizer, o banco é uma instituição que opera, mesmo o privado, com anuência do governo. Não basta querer criar um banco, ele é submetido à regulação de uma agência chamada Banco Central, que deveria regular o interesse da maioria e não regular o interesse desses poucos bancos. Então, esse é um ponto. O segundo seria pensar nessa hipótese da mudança, né? De política geral e de política econômica, também para estimular essas alternativas, do ponto de vista de mudanças na institucionalidade do sistema financeiro. Uma amiga, colega aqui, a Leila Capela, acabou de lembrar um negócio que a gente estava conversando, Antonio. Você teve, recentemente, uma experiência em que o MST, tema tabu, precisando de um montante de recursos, não conseguindo recursos com esse governo, fez um levantamento, em inglês eles chamam isso de craud funding, na falta de recursos, uma vaquinha virtual, no limite foi isso. Eu participei dela, inclusive, pessoalmente, em que se conseguiu algumas de centenas de milhões de reais para uma causa extremamente correta, que era o avanço da capacidade produtiva e de beneficiamento de produtos agrícolas por uma instituição que produz orgânico, que produz bens agrícolas que a maioria da população precisa, a preços justos, e eu, como a maioria dos que participaram, recebi uma remuneração justa e adequada por isso.
Você percebe? Se começa um movimento para criar instituições financeiras permanentes, não um evento esporádico, como foi essa vaquinha virtual, eu vou ser dos primeiros a estar junto e a defender também essa alternativa. É óbvio que tem que pensar, corporar a transparência, a tal da governança, etcétera, mas é um caminho necessário e possível, para a gente pensar um novo Brasil, a partir de 2022.
Antonio Martins: Quer acrescentar alguma coisa, Ladislau, sobre isso? Já queria perguntar para vocês sobre a rede de bancos públicos. Vou perguntar, então, qualquer coisa você já fala sobre as as duas coisas. É claro que, num novo governo, o Banco do Brasil, o BNDES, o Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, podem cumprir um outro papel, mas em diversos países tem surgido, eu cito, por exemplo, os Estados Unidos – onde a economista Ellen Brown sugere isso com ênfase – e existe alguns movimentos, inclusive, para criar bancos públicos estaduais ou municipais. De que forma, a existência de um número maior de bancos não dependa, simplesmente, de quem vai estar no governo, mas a existência, a modificação de um sistema oligopolizado, onde você tem 5 grandes bancos, para um sistema em que haja bancos locais mais próximos da população, para vocês isso é uma alternativa importante para criar um sistema financeiro menos rapinoso, digamos assim?
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/resgate/2021/12/06/resgate-como-fazer-a-reforma-financeira-e-bancaria/
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