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Uma fraude para sustentar privilégios

A educação acadêmica pode ser mercadoria no vale-tudo do neoliberalismo estadunidense, mostra o documentário ‘Educação americana – fraude e privilégio’ em cartaz no streaming

Por Léa Maria Aarão Reis

Operation Varsity Blues foi um dos escândalos que sacudiu os Estados Unidos, recentemente, por obra de parte da mídia mais progressista do país e do trabalho do FBI envolvendo a entrada ilegal de candidatos nas faculdades de universidades de primeira linha do país. Cinquenta pessoas foram indiciadas, muitas delas de grupos de ”ricos e famosos”, nesse College Admissions Scandal como se chamou a tal operação policial.

Pais que queriam forçar ou garantir a entrada dos filhos em Cornell, Stanford, Yale, Colúmbia, Penn e Duke para carimbar nos seus currículos o registro de ”conhecimento acadêmico” e ”ensino de elite”, e para reforçar o brilho do próprio status nas suas comunidades de milionários, nos quadros dos seus country clubes e nas rodas de amigos. A elite dos ricos e brancos do país.

O escândalo ganhou foro internacional quando vários bilionários orientais, de Singapura, Coreia do Sul e, mais tarde, até da China, entraram num esquema de doações que compravam o ingresso dos seus descendentes no ensino superior dos EUA pela side door. Alguns desses ricaços festejam datas de aniversários familiares alugando salões do palácio de Versailes para suas festas e outros, mais simples, costumam passar férias em Dubai. O pessoal do FBI registrou tudo.

O documentário Educação americana – fraude e privilégio, no catálogo do Now, conta essa incrível história que eclodiu em 2019 e na qual um dos mais ativos ”consultores universitários independentes”, Rick Singer, foi levado à justiça depois de suas conversas com pais milionários terem sido grampeadas e rastreadas pelos agentes de segurança federais.

O filme conta como funcionou essa grande fraude através da qual jovens foram admitidos nos campi mais emblemáticos americanos entrando pela ”porta do lado” ou seja, com os pais desembolsando altíssimos valores de doações à instituição universitária e corrompendo alguns treinadores de esportes das universidades. A garotada era admitida como falsos recrutas para diversas categorias de esportes de competição e com suposto potencial para desenvolver uma carreira brilhante como desportista. Havia até pretendentes cujos pais se esforçavam pela sua admissão se apresentando como atletas de polo aquático, por exemplo, e que ao menos sabiam nadar.

Eventualmente, também foram subornados inspetores encarregados de aplicar os rígidos exames preparatórios, os testes de admissão requeridos pelas universidades americanas, uma versão do Enem, porém mais abrangentes do que as nossas provas de vestibular.

O filme, dirigido por Chris Smith com roteiro de Jon Karmen, é um doc híbrido. Dramatizado na sua quase totalidade, com o protagonista, Rick Singer, interpretado pelo ator Matthew Modine, ele perde muito da sua força documental. Mesmo assim vale conhecê-lo. O Singer de carne e osso apenas aparece no final, e rapidamente, para conduzir o espectador e lembrá-lo que tudo mostrado antes é real.
Um dos personagens do documentário fazendo seu próprio papel é Jared Kushner, genro de Donald Trump. Um dos assessores mais influentes do ex-presidente, Jared cursou Harvard, porém alguns funcionários de lá já questionaram se ele teria conseguido entrar nessa universidade por mérito próprio.

Nunca se distinguiu nas escolas secundárias que frequentou e as notas médias que alcançou no Teste de Aptidão Escolar – Scholastic Aptitude Test, conhecido como SAT – não seriam suficientes para sua aprovação. No entanto, alguns meses antes de iniciar os estudos do filho, em Harvard, o pai de Jared fez uma generosa doação de mais de 2,5 milhões de dólares à instituição. Talvez, como ocorre com seus pares, dinheiro da poupança que os americanos das classes altas e médias costumam abrir, quando do nascimento do filho, ou da filha, e reservada para a almejada e caríssima universidade de primeira classe.

No filme, alguns personagens que participaram do caso são eles próprios apresentando depoimentos reais diante de uma câmera programada. Outros são atores e atrizes profissionais. Este é o modelo atual utilizado na maioria dessas produções documentais.

Convém não deixar de fora a mensagem moralista de costume, no fim do filme. Em Educação Americana: Fraude eprivilégio é esta: a responsabilidade e a culpa pela ilegalidade é de pais desejosos de criar filhos tão bem sucedidos (?) quanto eles. A causa? A busca incansável de consolidação de poder. E, como diz uma jornalista que cobriu o escândalo: ”As pessoas são contraditórias: odeiam e ao mesmo tempo adoram os ricos e famosos.”

Resultado da operação Varsity Blues: Rick Singer colaborou com o FBI e até hoje vive em liberdade. Liberdade condicional, porém livre. E as universidades cultivam até agora um silêncio sobre o escândalo no qual estão envolvidas. Não de academia, mas de igreja.

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cinema/Uma-fraude-para-sustentar-privilegios/59/50315

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