O Brasil oficial tenta enterrar sua religião mais originária — por não querer se enxergar complexo. A Umbanda recria, no plano simbólico, uma realidade fragmentada. A gira não é só um ato de fé: é alternativa à história dos poderosos
Por Fran Alavina
Por ocasião do dia nacional da Umbanda, em 15 de Novembro
Quem quiser contar a história do Brasil quer pela vias da mestiçagem, quer pelas vielas da exclusão não poderá fazê-lo sem passar pela constituição da Umbanda, pois sua compreensão não se dá como simples história da religião. Diferente de outros credos, não adentramos bem na Umbanda perguntando “qual Deus professa essa religião?”, mas sim: “Quem são esses que a praticam, quem são os espíritos que nela se manifestam?”
De fato, não obstante suas contradições, a Umbanda se assume como religião nacional, como modo de fazer sagrado tipicamente brasileiro. Contudo, ante o atual cenário questionamos: como uma religião que se orgulha de sua brasilidade é alvo, cada vez com maior truculência, da intolerância e da barbárie fundamentalista? Em outros termos: Qual Brasil se persegue quando se persegue a Umbanda e outras religiões afro-brasileiras?
Para esta resposta não caberia aqui o adágio segundo o qual, “o Brasil não conhece o Brasil”, se tal vale para outras realidades, não se trata da mesma coisas no caso das perseguições sofridas pelos umbandistas. Mesmo existindo muito desconhecimento e mistificação massiva sobre a Umbanda como religião, ou seja, ignorância travestida de senso-comum; na maioria dos casos, aqueles que perseguem a Umbanda sabem muito bem qual o seu alvo. Não se trata de perseguir apenas uma religião, mas também aquilo que de uma realidade fragmentada e excluída, ela repõe no plano simbólico do sagrado: perfazendo certa integralidade que o real ainda não é capaz de oferecer.
Com efeito, a Umbanda repõe no seu interior e dá visibilidade àqueles que foram por séculos apagados, extirpados da história oficial como “resíduos” de um certo Brasil oficial que enxerga a si mesmo de modo míope e intencionalmente obtuso: são os povos originários que desçam aos terreiros como espíritos de caboclos das mais diferentes nações; negros escravizados na figura popular das pretas e pretos-velhos, homens e mulheres que dão vida a uma sabedoria resistente capaz de ultrapassar as marcas do tempo e dos açoites; os malandros que sempre nos lembram que a vida não é ditada por um tempo único. Ou seja, tipos que um certo discurso de brasilidade oficial busca extirpar como escombros exóticos que não possuem lugar em uma ideia de nação que quer se projetar como naturalmente boa.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/umbanda-a-longa-resistencia-do-sagrado-brasileiro/
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