O pensador e ambientalista reflete sobre as histórias e vivências que delineiam sua visão de mundo, marcando a distinção entre a tradição filosófica ocidental e as formas ameríndias de experienciar o mundo
Por: Érico Andrade | Crédito Foto: Foto: Purki. Ailton Krenak. Foto: Purki Ailton Krenak é quem diz que suspender o céu é ampliar o nosso horizonte
Celebrado como um dos mais interessantes pensadores brasileiros contemporâneo, Ailton Krenak rejeita a pecha de filósofo.
“Me interessa a cosmovisão, me interessa a insurgência de um pensamento que, ao longo do tempo histórico, foi desprezado, marginalizado, estigmatizado e, inclusive, taxado de fabulação”, afirma, marcando a distinção entre a tradição filosófica e as c onfabulações que constroem as formas ameríndias de experienciar o mundo e viver a floresta.
O pensamento ocidental e o capitalismo guardariam uma base comum? Qual seria a relação presente entre aquilo que Krenak afirma ser o processo de colonização, que destrói habitats e devora mundos, e a própria produção do pensamento filosófico?
Em entrevista inédita para a comunidade filosófica, Ailton Krenak nos convida a ampliar o campo atual da filosofia – e, ao mesmo tempo, a um exame crítico da tradição filosófica.
Confira a seguir:
CC: Em muitos espaços, você é apresentado como filósofo. O que esse título diz em relação ao seu pensamento?
AK: A minha aproximação desse campo do conhecimento me interessa num sentido muito mais amplo. A história da filosofia e toda essa imensa construção, desde os gregos, não me interessa. Me interessa a cosmovisão, me interessa a insurgência de um pensa mento que, ao longo do tempo histórico, foi desprezado, marginalizado, estigmatizado e, inclusive, taxado de fabulação.
Eu venho de um universo de seres que fabulam. Onde a onça conversa com a jiboia, que conversa com a formiga, ou com a abelha, ou com a árvore, ou com a montanha, ou com um rio. Como diz um querido amigo meu, Nego Bispo, é dessas confluências que se confluências que se constitui um modo de pensar que eu entendo que é coletivo, implicado. E, por ser coletivo e implicado, foge muito da lógica e daquela razão ocidental que estabelece o lugar do filósofo.
No Ocidente, para alguém ser reconhecido como um filósofo, precisa fixar uma persona e produzir uma crítica a todo o pensamento que antecedeu essa persona. Eu assisto do lado de fora do terreiro, admirado com algumas performances, mas nunca convertido a essa seita da Filosofia.
Se a vida fosse uma equação racional da produção de sentidos, só os iluminados estariam vivos. O resto seria esterco
Curiosamente, começaram a acrescentar a minha biografia esse a esse termo filósofo e isso pra mim não cheira nem fede. Eu não estou nem aí. Se eu passasse pela minha experiência da vida inteira sem nenhum apelido, estava ótimo. E me atribuíram um título de doutor pela UnB, que é uma camada protetiva contra um mundo brutal para alguém que não tem nenhuma patente. Então não estou nem aí também, mas talvez algumas pessoas passem um pouquinho mais com cuidado por perto de mim, sem sair pisando no meu pé.
Comente aqui