Por: Paulo Kliass | Créditos foto: (Wilson Dias/Agência Brasil)
O ex-super ministro sempre foi muito chegado em umas declarações bombásticas. Habituado às promessas de venda de terreno na Lua, bastante comuns nos ambientes especulativos do financismo, nos últimos tempos ele adotou para si mesmo a meta visionária de um trilhão. Guedes parece ter uma obsessão com a cifra, que parecia cada vez mais algo inatingível para quem acompanhava sua performance à frente do comando econômico do governo.
O banqueiro iniciou sua fase de falastrão da Esplanada ainda antes de sua nomeação pelo chefe, naquele período em que era apresentado como o “Posto Ipiranga”. Esse foi o apelido que pregaram na sua testa, vez que o candidato que assessorava na campanha presidencial sempre assumiu publicamente não entender nada de economia. Sentindo-se muito poderoso naquele ambiente tosco da entourage de Bolsonaro e conseguindo abrir as portas de entrada do sistema financeiro para o obscuro deputado federal que defendia a pena de morte e a tortura, Guedes adorava deitar falação sobre o que não conhecia e assegurava muito daquilo que não conseguiria entregar.
De trilhão em trilhão.
Logo no início do governo, Guedes mencionou o valor de R$ 1 trilhão, quando buscava ansiosamente argumentos favoráveis à sua proposta de Reforma da Previdência. Ele dizia que a proposta original enviada pelo governo era fundamental para a consolidação de um novo ambiente fiscal no Brasil e relutava em aceitar as mudanças que foram sendo introduzidas no seu texto, inclusive por propostas e emendas apresentadas por parlamentares da base aliada no Congresso Nacional.
(…) “Abaixo de R$ 1 trilhão, você já começa a comprometer o lançamento para as novas gerações, porque nós vamos lançar um regime de capitalização para as novas gerações. Nós precisamos de uma folga, de um impulso fiscal suficiente, ou seja, acima de R$ 1 trilhão, que nos permita lançar um sistema novo” (…) [GN]
Logo mais à frente, sua obstinação trilionária vem à tona novamente no debate a respeito da privatização das empresas estatais federais. Em todas as oportunidades em que era solicitado a se manifestar sobre o tema, Guedes prometia vender todas as empresas do governo. E soltava, de forma irresponsável e leviana, valores potenciais a serem arrecadados com a sua tão desejada alienação patrimonial.
(…) “Quando eu disse na campanha de que chegava a R$ 1 trilhão disseram que eu estava fazendo conta que não existe. Pois as últimas contas são de R$ 1,250 trilhão já” (…) [GN]
Mais adiante, no meio da discussão envolvendo a complexidade da Reforma Tributária, mais uma vez o argumento de plantão voltava à cena. Como sempre, a intenção era convencer a população e os parlamentares a respeito das supostas vantagens das mudanças que o comando econômico queria patrocinar no sistema de impostos.
(…) “O valor representa mais de R$ 1 trilhão e pode ser alvo de um aperto nas regras de tributação com a reforma tributária” (…) [GN]
Pois agora, finalmente, o relatório mais recente do Banco Central nos traz informações de que Guedes atingiu o seu trilhão. Ele deve estar feliz e realizado com a façanha. O balanço dos dados relativos à política fiscal do ano passado nos esclarece que a área econômica do governo cumpriu a meta de transferir esse valor ao sistema financeiro sob a forma de despesas com o pagamento de juros. Na verdade, o total chegou mesmo a superar um pouco o intento trilionário. Entre 2019 e 2021, o total gasto com a rubrica de juros da dívida pública foi de R$ 1.127 bilhões.
Fonte: BC
O valor total registrado entre janeiro e dezembro do ano passado foi de R$ 448 bi, o que representou uma elevação de 44% e relação aos R$ 312 bi dispendidos ao longo de 2020. Caso seja levada em consideração a disposição já anunciada pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) de promover ainda mais novos aumentos na SELIC, a tendência é de que os valores para 2022 sejam também superiores aos observados em 2021.
Juros vs gastos sociais: a lógica do financismo
Esses números ganham ainda maior significado quando colocados em perspectiva com outras rubricas da despesa do Orçamento Geral da União (OGU). Caso sejam considerados os gastos em 2 áreas essenciais, a exemplo de saúde e educação, as despesas com juros revelam qual é a verdadeira prioridade do governo Guedes & Bolsonaro. De acordo com a lógica mercadista e fiscalista, as áreas sociais são consideradas como um problema a ser solucionado por meio da compressão de suas despesas e através de sua transferência para o setor privado. A solução mágica e criminosa da concessão ou da privatização não apenas alivia os cofres do Tesouro Nacional, como também oferece novos horizontes para acumulação privada de capital.
Ao longo do triênio 2019/21 o total dispendido com saúde e com educação foi sistematicamente inferior às despesas financeiras realizadas com a dívida pública. Como se pode depreender da leitura do gráfico, o total de R$ 703 bi representa por volta de 62% dos gastos com juros no mesmo período, que superaram um pouco o valor de R$ 1,1 trilhão.
Esses números são a expressão concreta de como se realiza na prática a tão famosa política de busca sistemática pela obtenção de superávit primário. As manchetes dos grandes meios de comunicação já começam mesmo até a elogiar o resultado fiscal obtido em 2021. O motivo de tal felicidade é derivado do fato de o setor público consolidado ter obtido um saldo positivo de 0,75% do PIB, depois de oito anos consecutivos de déficit, desde 2013.
Superávit primário: nada a comemorar.
Ora, o que o comando do governo e os chamados “especialistas” que dominam as editorias de economia da grande imprensa não explicam é o que se esconde por trás do conceito de superávit primário e quais são as suas reais consequências para a maioria da população e para própria economia. Na verdade, trata-se de uma artimanha muito bem montada no discurso do “economês” para ludibriar quem não é familiarizado com a temática. Quando se menciona a necessidade de alcançar um saldo positivo na contabilidade do setor público pela abordagem das contas primárias, o que se faz é um grande malabarismo retórico para justificar a obtenção de folga de um lado, para então realizar as despesas – sem nenhum controle, diga-se de passagem – com o pagamento de juros pelo governo por outro lado.
Por uma mera questão de identidade contábil, todo o saldo superavitário nas contas primárias transforma-se em gastos financeiros, pois estes últimos são classificados como não-primários. Assim, o governo faz um enorme esforço para comprimir despesas como saúde, assistência social, educação, previdência social, saneamento, salários de pessoal, investimentos e outros para que esse saldo superavitário seja transformado em despesa com pagamento de juros. Uma loucura!
Não há nada para a maioria da população comemorar com essa busca ensandecida de superávit primário. Os únicos que devem mesmo celebrar são Paulo Guedes e sua turma do financismo, que finalmente chegaram à meta do trilhão. Em operação generosa, mais uma daquelas típicas ações de pai para filho, o setor público transfere ao setor privado, em apenas um triênio, aquilo que o ex-super ministro havia prometido economizar em uma década nas contas primárias, às custas de muito sacrifício e sofrimento derivados da Reforma Previdenciária.
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