Após retrocesso devido à pandemia, em 2022 o Dia da Sobrecarga da Terra chega mais cedo do que nunca. Com a capacidade de renovação de recursos esgotada, no resto do ano a humanidade tem que tomar emprestado do futuro.
Por: Anne-Sophie Brändlin e Alistair Walsh | Crédito Foto: Aditya Sutanta/ABACA/picture alliance. Destruição da natureza, como em Sumatra, Indonésia, contribui para esgotamento de recursos naturais
Neste 28 de julho de 2022, a humanidade terá consumido todos os recursos naturais que o planeta é capaz de regenerar de modo sustentável. No resto do ano, a espécie humana estará infligindo uma carga insustentável ao meio ambiente, segundo os cálculos para o Dia da Sobrecarga da Terra.
“É como se você gastasse todo o seu dinheiro em 28 de julho e passasse o resto do ano vivendo no débito. Na realidade, é ainda mais sério, porque se pode imprimir dinheiro ou tomar emprestado – também podemos emprestar recursos do futuro, mas não podemos reimprimi-los”, comentou à DW Mathis Wackernagel, fundador e presidente da organização Global Footprint Network.
Sua rede calcula o Dia da Sobrecarga com base em quanto é consumido, a eficiência na fabricação dos produtos, o tamanho das populações e até que ponto a natureza é capaz de se recuperar. Na atual velocidade de gasto de recursos, a humanidade necessitaria de um segundo planeta com três quartos do tamanho da Terra.
Wackernagel vê nesse hiperconsumo a causa fundamental de muitos dos atuais apuros globais: “Observamos todos os problemas separadamente – mudança climática ou perda de biodiversidade ou escassez alimentar –, como se ocorressem independentemente. Mas eles são todos sintomas do mesmo tema subjacente: que o nosso metabolismo, a quantidade de coisas que a humanidade usa, se tornou grande demais em relação ao que a Terra pode renovar.”
Sobrecargas nacionais já a partir de fevereiro
Segundo o ambientalista suíço, há dezenas de opções para fazer retroceder o relógio da sobrecarga: financiar a descarbonização a atrasaria em 22 dias; implementar projetos urbanos inteligentes faria ganhar 29 dias; cobrar 100 dólares por tonelada de dióxido de carbono compraria 63 dias; enquanto a adoção global de uma estrutura como o Novo Acordo Verde da União Europeia renderia 42 dias.
Porém pequenas mudanças – como baixar os limites de velocidade, secar a roupa no ar, substituir a iluminação doméstica por LEDs, mudar os hábitos de vestuário ou cortar a carne apenas um dia por semana – já contribuiriam para frear em alguns dias o consumo de recursos.
E, enquanto o 28 de julho marca o Dia da Sobrecarga para o planeta em 2022, a data chegou bem mais cedo para diversos países isolados. O Catar já havia empregado todos seus recursos renováveis em 10 de fevereiro, sendo seguido pelo também abastado Luxemburgo, apenas alguns dias mais tarde.
Outros países como Canadá, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos igualmente atingiram cedo o perigoso marco. Para a Alemanha, ele chegou em 4 de maio: se todos no mundo vivessem como os alemães, seriam necessários três planetas Terra para sustentar o mesmo estilo de vida.
“Isso deveria ser um sinal de alarme para nos recordar da gravidade da situação”, comenta Lara Louisa Siever, consultora-chefe de justiça de recursos da rede de desenvolvimento alemã Inkota. “É um toque de despertar para todos nós, cidadãos – mas também para os políticos e a indústria – de que não podemos continuar desse jeito.”
Alemanha na vanguarda da dilapidação de recursos
A chegada precoce do Dia da Sobrecarga da Alemanha se deve ao uso intensivo de recursos em áreas como a agricultura, e à ineficácia energética das construções, explica Stefan Küper, porta-voz da ONG para desenvolvimento ambiental e sustentável Germanwatch: “E isso resulta em a Alemanha viver de crédito e tirar muito mais do planeta do que deveria.”
Não é a primeira vez que o país consumiu seus recursos tão rapidamente: na realidade, há anos ele tem alcançado oficialmente seu Dia da Sobrecarga mais ou menos na mesma época.
“E essa é a parte mais triste: não vemos suficiente ação na Alemanha. Não estamos obviamente fazendo qualquer progresso real, mensurável, no sentido de usar menos recursos ou emitir menos gases do efeito estufa”, critica Küper. Isso, além de tudo, envia sinais errados a outros países que possivelmente tomam a Alemanha como modelo para o enfrentamento das emissões carbônicas.
“O que eles veem é a Alemanha não fazendo nenhum progresso real para alcançar suas metas climáticas. Aí vão achar que isso tampouco deve ser prioridade para eles.” Portanto seriam necessários “passos gigantes, mensuráveis, para mostrar que a Alemanha não só estabeleceu metas, mas está fazendo algo para atingi-las.”
Sobrecarga da Terra cada vez mais cedo
Paralelamente, diversas nações, sobretudo do Sul Global, não chegam a extrapolar seus recursos. Lara Louisa Siever, da Inkota, crê que isso evidencia como os países industrializados estão vivendo à custa dos de baixa renda: Jamaica, Equador, Indonésia, Cuba e Iraque, por exemplo, usam bem menos recursos e não atingirão seu Dia da Sobrecarga antes do fim do ano. No Brasil, ele chega em 12 de agosto.
“A Alemanha é a quinta maior consumidora de matérias-primas e importa 99% de seus minerais e metais dos países do Sul Global. Estes não consomem a mesma quantidade de matérias-primas, mas são os que arcam com os custos: a degradação dos direitos humanos e os danos ambientais.”
Meio século atrás, a biocapacidade do planeta mais do que bastava para cobrir a demanda humana de recursos. Porém há muito o Dia da Sobrecarga da Terra vem se esgueirando para o topo do calendário: em 1970 foi 30 de dezembro; em 1990, 10 de outubro; em 2010 já se registrava em 6 de agosto. Em 2020 caiu para 22 de agosto (possivelmente em decorrência da pandemia de covid-19), porém dois anos mais tarde avança para 28 de julho.
“É o que me preocupa tanto: estarmos abusando de nossos recursos naturais há décadas e, do ponto de vista global, acusarmos um nível crescente de abuso. É uma tendência que precisa parar imediatamente”, urge Küper.
As emissões carbônicas estão entre os principais responsáveis pelo gasto excessivo do orçamento natural terrestre. Atualmente elas compõem 60% da pegada ecológica da humanidade e, se fossem reduzidas à metade, o Dia da Sobrecarga da Terra chegaria cerca de três meses mais tarde.
Importância prática do Dia da Sobrecarga
Migrar para a energia renovável é uma das maneiras mais eficazes de cortar as emissões. Contudo, alerta Lara Louisa Siever, é também preciso estar ciente das cadeias de agregamento de valor das matérias-primas envolvidas.
“Todo mundo está pedindo a transição para a energia renovável. Mas para isso precisamos de minerais e metais, como cobalto, lítio e níquel. E costumamos esquecer que o processamento desses minerais contribui com 11% das emissões globais de CO2.”
Ela vem trabalhando junto à sociedade civil para o avanço de uma transição das matérias-primas no sentido da redução radical de seu consumo. Encorajador é o fato de o governo alemão ter incluído em seu acordo de coalizão um plano para reduzir o uso desses materiais básicos.
Numerosas iniciativas cidadãs, medidas municipais e estratégias de negócios já estão implementando mudanças capazes de, futuramente, atrasar a chegada do Dia da Sobrecarga à Alemanha.
Na cidade de Wuppertal, no oeste do país, os cidadãos iniciaram um projeto para transformar uma velha ferrovia numa rede de ciclovias, a ser trafegada por 90 milhões de ciclistas nos próximos 30 anos.
Não muito longe, em Aachen, os administradores lançaram as bases estratégicas para uma cidade climaticamente neutra até 2030. A superfície dos telhados locais capazes de acomodar sistemas fotovoltaicos é grande o suficiente para cobrir a demanda de eletricidade de toda a população local. O financiamento de 150 dessas instalações já está garantido, e outras mil estão a caminho em 2022.
Stefan Küper, da Germanwatch, atribui essas mudanças à pressão que iniciativas cidadãs, como a Greve para o Futuro (Fridays for Future), exerceram sobre os políticos. Para ele, datas como o Dia da Sobrecarga da Terra são importantes para fazer soar o alarme por todo o mundo.
“Quando começamos a conscientizar sobre esse dia, junto com outras organizações, quase ninguém sabia nada a respeito. Agora notamos um enorme crescimento da consciência pública sobre a data e os problemas que ela representa. E precisamos disso: sem pressão pública, nada vai mudar tão rápido quanto precisamos.”
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/humanidade-j%C3%A1-gastou-os-recursos-naturais-do-ano-inteiro/a-62629742
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