No BDF Entrevista, economista que lança este mês “Neocolonialismo à Espreita” analisa o Brasil contemporâneo
Por: José Eduardo Bernardes | Foto: Agência Brasil. Márcio Pochmann é reconhecido como um dos principais economistas brasileiros
O Brasil dos anos 1930 foi definido pelo poeta Oswald de Andrade como o país da sobremesa, por restringir sua produção a commodities (matérias-primas) não essenciais como café, fumo e açúcar. Atualmente, entretanto, se tornou agora o país que exporta alimentação para animais, tendo como principal produto, a soja. Essa é a tese do economista Marcio Pochmann que exemplifica a desindustrialização nacional dos últimos anos.
Pochmann, que é professor de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da UFABC (Universidade Federal do ABC), lança este mês, pelas Edições Sesc São Paulo, o livro Neocolonialismo à Espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira. A publicação é um estudo sobre transformações sociais, políticas e econômicas do Brasil no século 21, dentre elas, a incapacidade do país de se modernizar, diante de um mundo cada vez mais digital.
Convidado desta semana no BDF Entrevista, Pochmann, ex-presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Fundação Perseu Abramo, explica que não é contra a produção e exportação de commodities agrícolas, mas que ficar restrito a isso “não dá a concretude que se imagina de um país soberano, especialmente quando estamos diante de uma era digital, que vai dividindo o mundo entre os países que produzem bens e serviços digitais, e os países que não conseguem produzir bens e serviços digitais”.
“O Brasil se caracteriza por ser, hoje, o quarto maior mercado consumidor de bens e serviços digitais, e não produz. Então, nós dependemos muito do exterior e, ao mesmo tempo, o tipo de ocupação e negócios possíveis dentro desta perspectiva, de certa maneira, são postos de trabalho que a gente já está conhecendo [precarizados]”, completa.
Após o salto de crescimento dos anos 1950, durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, quando o país passou a investir maciçamente em sua industrialização, o Brasil chegou a ser considerado uma potência em ascensão. Já nos anos 1990, quando bate às portas do país à globalização, a escolha das elites, segundo Pochmann, é por abraçar o capital financeiro.
“Naquele momento estavam em construção as chamadas cadeias globais de valor e o Brasil, de certa maneira, se abriu a esta nova realidade, sem constituir os elementos fundamentais que permitiriam continuar avançando a sua estrutura produtiva.”
“Nossa burguesia, especialmente industrial, foi se convertendo de um lado, em rentista, uma parte vendeu o que tinha de produção de produtos, fábricas e com esse dinheiro virou amante dos juros. Se a gente for olhar hoje, no Brasil, está faltando remédios, porque não está tendo acesso aos insumos de partes dos remédios que vêm do exterior. Nos tornamos um país muito dependente nesse sentido e esse é o risco do neocolonialismo no país”.
Na conversa, o professor fala ainda sobre a crise econômica do país, as possibilidades de um desenvolvimentismo sustentável, a precarização cada vez mais latente do trabalho e as novas formas laborais.
“Há uma dinâmica nova dos postos de trabalho, que vem pela presença dos aplicativos, da internet, que permite trabalhar em qualquer lugar, não em um lugar determinado. Enfim, há mudanças que, de certa maneira, exigiriam, ao nosso modo de ver, uma CLT digital. Ou seja, uma consolidação das leis sociais do trabalho olhando para esse novo mundo digital, não mais o mundo do trabalho imaterial, da indústria, da construção civil, da agricultura”, afirma Pochmann.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: O senhor está lançando o livro Neocolonialismo à Espreita, pelas Edições Sesc São Paulo. A realidade neocolonialista do Brasil, no entanto, não é uma novidade. O país pouco superou o colonialismo, por exemplo. Se industrializou, foi promessa de país do futuro, teve crescimento exponencial em algum momento, mas a ideia de que somos um país exportador de matéria-prima e que os interesses internacionais ganham espaço de destaque por aqui só tem se enraizado cada vez mais, não é?
Marcio Pochmann: Sim. Oswald de Andrade, ainda na década de 1930, ele indicava que o Brasil daquela época era o país da sobremesa. Porque produzia produtos que equivaliam à sobremesa, não ao prato principal. Produzia café, laranja, enfim, produtos que não eram essenciais, digamos assim, na moldagem de um desenvolvimento e da integração do país, do ponto de vista da estrutura produtiva e do emprego.
Mas obviamente que o país fez avanços consideráveis na década de 1930, praticamente até a 1970, 1980, construiu uma planta industrial complexa e diversificada, uma ampla classe operária industrial, uma ampla classe média assalariada, ou seja, o Brasil estava num nível muito próximo dos chamados países desenvolvidos, do ponto de vista da estrutura produtiva.
Nós produzimos, por exemplo, computadores nos anos 1980, produzimos centrais telefônicas avançadas para aquela época, mas, infelizmente, entramos em um outro momento, que é, de certa forma, regressão da estrutura produtiva. Se naquele nos anos 1930, Oswald de Andrade chamava atenção que o Brasil era um país de produtos de sobremesa, o que dizer dos produtos que hoje nós produzimos e exportamos, que, de certa maneira, alguns deles servem de alimentação para animais?
Nada contra produzir e exportar isso, faz parte, evidentemente, mas somente isso, não dá a concretude que se imagina de um país soberano, especialmente quando estamos diante de uma era digital, que vai dividindo o mundo entre os países que produzem bens e serviços digitais, e os países que não conseguem produzir bens e serviços digitais e, portanto, importam, são dependentes disto.
E, nesse sentido, o Brasil se caracteriza por ser, hoje, o quarto maior mercado consumidor de bens e serviços digitais, e não produz. Então, nós dependemos muito do exterior e, ao mesmo tempo, o tipo de ocupação e negócios possíveis dentro desta perspectiva, de certa maneira, são postos de trabalho que a gente já está conhecendo.
Então, a ideia de Neocolonialismo à Espreita é que, numa certa maneira, estamos nos submetendo a essa condição que já fora colonial, e que agora se apresenta. Mas é importante refletir sobre isso, até para dar um basta. É preciso o país passar por uma outra fase, porque essa não nos dá futuro.
O senhor fala bastante no livro sobre esse processo de desindustrialização. Porque essa escolha pela desindustrialização? Hoje nós somos exportadores de produtos agrícolas como a soja, entre outros, mas não fazemos a manufatura. Durante um tempo, tivemos, por exemplo, polos petroquímicos, petrolíferos e parte deles foi destruído.
Parece-me que está relacionado à forma com que o Brasil ingressou na globalização, a partir dos anos de 1990, ou seja, naquele momento estavam em construção as chamadas cadeias globais de valor e o Brasil, de certa maneira, se abriu a esta nova realidade. Sem constituir os elementos fundamentais que permitiriam continuar avançando a sua estrutura produtiva.
Nós operamos, por um longo período, com taxas de juros muito elevadas, que desestimularam a produção e converteram os recursos disponíveis ao mercado financeiro, nós operamos, por muito tempo, com taxa de câmbio valorizado, ou seja, era mais importante importar, do que produzir internamente.
Isso fez com que, digamos, a nossa burguesia, especialmente industrial, fosse se convertendo de um lado, em rentista, uma parte vendeu o que tinha de produção de produtos, fábricas e com esse dinheiro virou amante dos juros. De outra parte, a burguesia industrial que não vendeu as suas fábricas, mas se converteu em comerciante, pois passou a importar do exterior. E nesse sentido, o comerciante quer comprar barato e vender caro e para isso é fundamental a nossa moeda valorizada.
Então, houve uma equação nesse sentido, que fez com que nós ingressássemos na globalização, nas cadeias globais, como país produtor de bens, muito simples e ,de certa maneira, o país perdeu a soberania, pois passou a ser conduzido por grandes corporações transnacionais, que fizeram parte das privatizações, que fizeram parte, de certa maneira, colocando no espaço global de produção, partes que estão relacionadas à nossa dependência de insumos.
Pega um setor muito conhecido, o de fertilizantes. O Brasil, por exemplo, era superavitário nos anos 1980, aí vem a privatização, entramos na globalização, tudo que produzimos aqui é carroça, como dizia um certo presidente. Então, nós desfizemos das ditas carroças, e nos tornamos importadores de fertilizantes.
Aí vêm os governos do PT que tentam, de certa maneira, recuperar essa parte da produção. Recuperam em parte, mas infelizmente de 2016 para cá, nós jogamos fora novamente, e diante dos conflitos que estamos vivendo, a própria pandemia, que vai dificultando a forma de funcionamento das cadeias globais, o Brasil não pode ficar três meses sem importar fertilizantes, que para o seu agronegócio, em um setor primário que é.
Mas se a gente for olhar hoje, no Brasil, está faltando remédios, porque não está tendo acesso aos insumos que vêm do exterior, em função da pandemia, do jeito que está na China. Então, nós nos tornamos um país muito dependente e esse é o risco do neocolonialismo no país.
A taxa de desemprego já foi mais alta. Mas a grande falácia aí, é que esses empregos gerados são, em suma, precarizados, sem amparo na legislação trabalhista, são bicos, informais mesmo. Essa precarização tende a ser uma constante na nossa economia?
Em primeiro lugar, temos que reconhecer que o último ano em que o Brasil teve crescimento além da população, crescimento per capita, foi 2003. Ou seja, esse é o momento mais trágico do capitalismo no Brasil. Se nós pegarmos desde a introdução do capitalismo, junto com a Abolição da Escravatura, em 1888, não há período histórico tão ruim como esse que estamos vivendo do ponto de vista econômico.
O país está há oito anos sem crescer, o último ano que a inflação no Brasil foi abaixo do crescimento econômico foi 2010. Já são 12 anos que a gente não sabe o que é crescer acima da inflação, por exemplo. Então, nesse ambiente, é muito difícil gerar empregos de qualidade. O emprego possível é só um emprego precário e, ao mesmo tempo, se você depende da importação de produtos primários, ou seja, o que é possível gerar são esses trabalhos de plataforma digital que são muito precários. É isso que está chamando atenção.
A ideia da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, foi pensada lá nos anos 1930, embora a CLT nasça mesmo como uma consolidação de mais de 15 mil leis que haviam em 1930, 1940, mais especificamente em 1943. Ela, na verdade, olhava a dinâmica de um país que cresceria de forma urbana e puxado pela indústria. Então, eram empregos de maior qualidade e capaz para as empresas médias, grandes e até pequenas pagarem um contrato de trabalho que previa, além do salário, direitos sociais e trabalhistas.
O que nós estamos vendo hoje é, há uma dificuldade disso ocorrer para grandes segmentos que não têm condições para ter uma margem de lucro e, ao mesmo tempo, contratar com o emprego, com direitos sociais. Então, vem essa ideia de que a saída é o empreendedorismo, é um emprego, na verdade, sem direitos. É uma decorrência, no meu modo de ver, do quadro econômico desfavorável que vivemos, ou seja, é preciso mudar o quadro econômico para poder termos empregos de qualidade.
Mas tem um fato ainda melhor, que é importante reconhecer, que há uma dinâmica nova dos postos de trabalho, que vem pela presença dos aplicativos, da internet, que permite trabalhar em qualquer lugar, não em um lugar determinado. Enfim, há mudanças que, de certa maneira, exigiriam, ao nosso modo de ver, uma CLT digital.
Saiba mais em: https://www.brasildefato.com.br/2022/05/10/marcio-pochmann-brasil-precisa-de-novas-leis-trabalhistas-para-lidar-com-uberizacao
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