Por: Luis Bonilla-Molina | Créditos da foto: (Reprodução/Youtube) | Tradução de Victor Farinelli
O que é o Metaverso?
O Metaverso é um espaço virtual repleto de conteúdo digital onde se tenta replicar o mundo objetivo através da construção de uma nova subjetividade humana. O Metaverso é um novo desenvolvimento de programação de computadores, uso de algoritmos, realidade aumentada, inteligência artificial, big data, processamento de metadados em tempo real, interação de avatar, lógica sequencial e escala de videogames. Uma guinada de 180 graus na forma como interagimos com a virtualidade.
Até agora, a virtualidade significava uma desterritorialização das relações humanas, como a que realizamos nas redes sociais, por meio do estabelecimento de vínculos, interações, diálogos e formação de grupos constituídos por afinidades e não por pertencimento a lugares específicos. Mas até agora, a imersão no mundo virtual era parcial, tendo o mundo real como âncora, uma expressão do que os indivíduos foram, são e projetam ser.
A nova desterritorialização que o Metaverso expressa como processo atua como uma ruptura do equilíbrio cognitivo entre objetividade e subjetividade. A realidade concreta e tangível dá lugar a outras realidades, que demandam uma nova forma de situar o indivíduo diante do cotidiano, do tempo e do espaço.
A virtualidade rompeu a frágil barreira entre o público e o privado. Desde a sua chegada, as rotinas, os protocolos, a atuação do indivíduo e de sua família passaram a ser de domínio público. Eventos tão íntimos como a celebração de um aniversário, o início ou a dissolução de um relacionamento, uma meditação ou um funeral, tornaram-se de domínio público.
Este foi um passo necessário para a criação de avatares que interagem em realidade virtual, replicando de forma confiável os traços identitários e comportamentais de cada indivíduo. É como perder a modéstia para se despir em público, aprender a conviver e interagir com a intimidade do resto da população. Quem não “se despe” em público torna-se suspeito ou ancorado no passado, reformulando antigas concepções coloniais de inclusão e exclusão.
A lógica do “curtir” (clicar no botão “I like”) transforma o ser humano em uma mercadoria preocupada a cada dia, a cada hora, a cada minuto, com o número de visualizações ou interações que suas publicações têm nas redes.
Essa alienação, típica da biopolítica do capitalismo na quarta revolução industrial, cria uma nova ética de especial importância para a sociabilidade do Metaverso. A alienação expressa na separação artificial entre realidade tangível e realidade virtual coisas que podemos fazer em um mundo e não em outro, criando uma ética dual. Se entendermos a biopolítica como uma profunda alienação em cada ato da vida, teríamos que apontar que, na quarta revolução industrial, estão sendo geradas novas formas de dissociação esquizofrênica, que não apenas alteram valores, mas também modificam a ética humana que caracterizou o capitalismo industrial.
Assim, a sociabilidade entra em um terreno de semibarbárie, com limites contextuais virtuais ou presenciais, que apontam para a necessidade de um consenso que não tenha como parâmetro nenhuma racionalidade conhecida. É como o universo da série “Arcane: League of Legends” (série animada franco-estadunidense, que estreou na plataforma Netflix em meados de 2021), onde a ética pragmática da sobrevivência e dominação, da cidade abaixo e da cidade acima, pode justificar qualquer ato.
Os valores são reconfigurados moldados pelo mercado para além das religiões, filiações partidárias, crenças ou culturas que costumavam ser os modelos dos indivíduos e grupos, reconfigurando-se permanentemente pelas tendências que se apresentam no virtual.
Assim se constroem as condições de possibilidade para a criação dos Metaversos, hoje popularizados com a versão Meta. O Metaverso de Zuckerberg é, na verdade, um desenvolvimento lógico e esperado do capitalismo cognitivo.
O Metaverso do criador do Facebook é um espaço onde você tenta recriar o mundo objetivo, mas também mundos particulares. Procurarão modificar radicalmente as noções de sociabilidade, participação política e social, cidadania, consumo, criação e reprodução cultural que conhecemos.
Assim como criamos hoje um nome de usuário e uma senha nas redes sociais, o Metaverso exige a criação de um avatar pessoal, que nada mais é do que uma versão dúbia de cada um de nós. O avatar absorve nossa identidade até se tornar uma réplica de cada um, capaz de atuar de forma autônoma ou guiada em um universo em que milhões de seres humanos estarão vivendo essa dualidade.
Isso se complementa com o trabalho que vem sendo realizado por Ray Kurzweil, Bill Gates e centenas de inventores que tentam criar a técnica que permita transferir a memória e a consciência humana a entidades que integrem a vida biológica com a tecnologia, algo que hoje parece ser coisa de ficção cientifica.
Em termos tangíveis, o Metaverso implica submergir nossos sentidos e racionalidade em uma “nova” realidade aumentada, onde os limites da condição humana podem ser transgredidos, criando um novo mercado de necessidades renovadas e de bens imateriais.
O Metaverso é a construção de um universo paralelo, onde a ideologia do mercado é a hegemonia indiscutível de seu funcionamento, onde o próprio ser humano é uma mercadoria, capaz de rentabilizar cada ato de sua vida. Ele abre caminho como uma realidade social concreta, independentemente do sucesso do formato promovido por Zuckerberg. Por isso, hoje falamos de metaversos como possibilidades de especificar novas formas de controle, dominação, exploração e alienação que o capitalismo cognitivo da quarta revolução industrial exige.
Quem está dirigindo o Metaverso?
A resposta ingênua seria apontar que o Facebook ou Mark Zuckerberg detêm esse controle. Na realidade, a proposta do Facebook é a mais conhecida das múltiplas iniciativas convergentes em que o capital tecnológico transnacional vem trabalhando para expandir as fronteiras conhecidas do modo de produção capitalista.
O(s) Metaverso(s) são formas inovadoras de geração de mais-valia, a partir da própria imaterialidade da virtualidade. Devemos entender essa proposta no marco da construção capitalista do mundo.
Nessa perspectiva, infelizmente se concretizou o que vem sendo alertado e denunciado desde 2015, sobre a construção de um cenário de Apagão Pedagógico Global (APG), que nada mais é do que a passagem abrupta ao mundo da virtualidade, como uma alfabetização mundial que abriu as portas para os desenvolvimentos tecnológicos, virtuais e digitais que o capitalismo promoveu na transição entre a terceira e quarta revoluções industriais.
O que aconteceu durante a pandemia foi a construção da hegemonia em escala planetária sobre as possibilidades do virtual e do digital no cotidiano do mundo capitalista, e principalmente na esfera educacional.
O setor de tecnologia obteve lucros milionários durante os dois anos da pandemia. Logo, Bill Gates anuncia, já em 2022, que “a digitalização veio para ficar”, sabendo que a realização de todas as possibilidades do Metaverso ainda levará alguns anos, talvez uma década, pois começam com a socialização progressiva de suas possibilidades.
O Metaverso é impulsionado pelo capital tecnológico internacional, alinhado com a construção da sociedade capitalista do Século XXI promovida pelo Fórum Econômico de Davos. Obviamente, essa iniciativa gera contradições intercapitalistas, cujas expressões estão além dos limites deste artigo, mas que precisam ser mencionadas, pois o sucesso ou fracasso da estratégia do capitalismo tecnológico dependerá da sua resolução.
Matrix como um curso introdutório ao Metaverso
Nas últimas semanas, a quarta parte da saga criada pelas irmãs Wachowski (ambas transgênero) na qual o protagonista (Keanu Reeves) de dia é Thomas Anderson e de noite é o hacker Neo, junto com Trinity (Carrie-Anne Moss) e Morpheus (Laurence Fishburne e Yahya Abdul-Mateen II). O vilão é o Agent Smith (Hugo Weaving e Jonathan Groff), entre outros, se rebelam contra ele. de consciência que é típico da Matrix. Quando foi lançado o primeiro filme, em 1999, parecia apenas uma série de ficção científica, mas hoje está claro que é uma introdução social de conteúdo emergente que deve ser retomado rapidamente.
Em “Matrix Ressurrections” (o quarto filme) o problema não é a realidade paralela em que Neo e Trinity navegam e dialogam com a parte obscura da rede, mas sim as máquinas inteligentes, que já foram derrotadas na terceira parcela. Nesse sentido, o filme cavalga sobre o medo coletivo subconsciente de uma insurreição das máquinas, que aparecem como derrotadas, e deixa em aberto a possibilidade de “acordar” através da Matrix (Metaverso).
Neo, Trinity, Morpheus e sua legião de guerreiros usam “avatares” digitais para navegar no mundo virtual, permitindo a eles uma apropriação do poder digital que é impossível desenvolver apenas no mundo real. Se algo se assemelha à Matrix é o Metaverso do Facebook, com a recriação do mundo material em que quase todas as leis físicas podem ser alteradas, manipuladas e usadas em favor de uma suposta “felicidade humana”, que nada mais são do que loops incessantes de repetição. Na Matrix, como no capitalismo como um todo, a repetição constitui uma de suas bases fundamentais.
Em Matrix, não há ricos nem pobres, as fronteiras das classes sociais são apagadas, com os conceitos efêmeros de adormecido e acordado. Nesse sentido, Matrix é útil para tentar afastar o Metaverso dos debates sobre acumulação capitalista, alienação, hegemonia, exploração, apropriação do excedente que são intrínsecos ao que está sendo proposto pela máquina ideológica promovida por Zuckerberg, Gates e outros, bem como sua narrativa, visando complementar o modelo de conexão universal à internet que Elon Musk promove.
Se, em 1999, Matrix parecia apenas entretenimento, no ano de 2021, em meio à pandemia do covid-19, que forçou o mundo a mergulhar na vida virtual-digital, o filme se torna um curso introdutório sobre novas possibilidades de interação social, onde a ideia de progresso tecnológico é apresentada como superação das diferenças de classe social.
Possibilidades econômicas do Metaverso
Quando Mark Zuckerberg anunciou a criação do seu Metaverso, ele se referia à sua versão desse mundo virtual, porque já existem iniciativas metaversianas como Roblox, Minecraft, Second life, Decentraland, The Sandbox, Crypto Voxels, Somnium Space e Star Atlas. Nessas plataformas de Metaverso pré-existentes ao seu Meta, as atividades comerciais são realizadas de duas formas: a primeira, por meio de moedas que só são intercambiáveis %u20B%u20Bnaquela realidade virtual (Roblox, Minecraft e Second Life) enquanto em outras (Decentraland, e Star Atlas) elas são feitas através da compra e venda de ativos virtuais, que podem ser trocados livremente pelo dólar estadunidense.
Metaversos são formas de mercantilização de metadados e sua análise por meio de inteligência artificial. Os Metaversos não são plataformas ou páginas da web, mas sim uma arquitetura tecnológica cujas tarefas centrais são a modelagem de novas formas de consumo, apropriação de mais-valia pelo centro capitalista em plena quarta revolução industrial. A partir da lógica de consumo, todos os proprietários e consumidores do mundo real são tratados no Metaverso como potenciais investimentos e compradores digitais.
Além disso, a aceleração da inovação está de fato criando novas formas de apropriação simbólica e material do conhecimento, inacessíveis à maioria. Só uma elite sabe criar essas coisas, então o que resta é consumir sem alterar o sistema. De fato, está ocorrendo uma privatização brutal do conhecimento tecnológico e operacional.
O Metaverso não é um fim em si mesmo, mas um passo no caminho para a construção de um novo modelo de sociedade de controle mental e vigilância do pensamento. Nossos avatares, em permanente movimento e reprodução do ser, também podem se tornar projeções holográficas do que se pode esperar de cada indivíduo.
Estamos às portas de um novo modelo de sociedade capitalista, de controle, vigilância, exploração do trabalho e libertinagem em novas formas de consumo. O Metaverso de Zuckerberg (Meta) visa ampliar as possibilidades de investimento de capital, pelo menos nestes aspectos.
A compra de ações da empresa base, neste caso a Meta
A compra das criptomoedas que serão utilizadas neste mundo virtual, que deve cumprir todos os protocolos de blockchain. Essas criptomoedas serão apreciadas à medida que se envolverem em atividades comerciais no Metaverso. O mesmo acontece com a compra e venda de terrenos, ativos e passivos virtuais, bem como personagens e/ou a manutenção dos próprios avatares avançados, através do formato Non-Fungible Tokens (NFT).
No passado, houve grandes compras de terras (NFTs) no Decentraland: por exemplo, 16 hectares no valor de 1 milhão de dólares. De fato, o anúncio do Meta gerou um investimento crescente nos outros Metaversos.
Em 2 de dezembro de 2021, Brian Quarmby apontou que, nas duas semanas anteriores, os NFTs se tornaram a nova mercadoria de interesse dos detentores de criptomoedas.
A Sandbox registrou em novembro um volume de vendas de 86,56 milhões de dólares, a Decentraland registrou 15,53 milhões, enquanto a CrytoVoxels e a Somnium Space geraram 2,68 milhões e 1,1 milhão de dólares, respectivamente. Empresas como Shiba Inu anunciaram o lançamento em 2022 de sua versão do Metaverso.
No entanto, esses números são ofuscados pelos lucros que o Facebook obteve desde que anunciou o lançamento de seu Metaverso. No último trimestre de 2021, as ações do Facebook Meta subiram 1,5% e registraram lucros de 9 bilhões de dólares nesse período, parte importante deles decorrente do lançamento do Meta.
O Facebook está começando a anunciar lojas virtuais de roupas e outras mercadorias como parte da versão 1.0 de seu universo. Mas este é apenas o começo de uma nova carreira na comercialização da vida cívica. Os Metaversos mostrarão que o virtual e o digital são um aspecto central na estratégia econômica do capitalismo no Século XXI.
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia-e-Redes-Sociais/Metaverso-o-mecanismo-de-reproducao-do-sistema-capitalista/12/52450
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