De quatro profissionais assassinados em um mês, pelo menos três haviam pedido proteção urgente ao Estado. Organizações consideram falho e sobrecarregado o programa do México para proteção a jornalistas e ativistas.
Por: Sandra Weiss
O México está em choque. O mês de janeiro mal chegou ao fim, e o país registra a quarta morte violenta de um jornalista em 2022: o repórter Roberto Toledo foi agredido por três indivíduos e morto a tiros na cidade de Zitácuaro, na segunda-feira (31/01).
Toledo era funcionário do portal de notícias local Monitor Michoacán. De acordo com seu chefe Armando Linares, o repórter vinha recebendo ameaças há meses e, consequentemente, estava num programa de proteção estatal. Segundo Linares, Toledo foi assassinado por causa das revelações do Monitor Michoacán sobre corrupção na política.
O México terminou 2021 com o maior número de jornalistas assassinados no mundo, ao lado da Índia, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). A organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF) descreve o México como o país mais perigoso para profissionais da mídia. Trata-se de um problema estrutural, que se agravou ao longo dos anos com a impunidade e o crescimento do narcotráfico.
Apenas uma semana antes da morte de Toledo, a jornalista Lourdes Maldonado foi assassinada na cidade fronteiriça de Tijuana, no extremo norte do México. E na semana anterior, o fotógrafo Margarito Martínez Esquivel foi baleado na frente de sua casa. Assim como Toledo, ambos já haviam recebido ameaças e acionaram a polícia. E em 10 de janeiro, desconhecidos esfaquearam José Luis Gamboa, chefe da plataforma Inforegio no estado de Veracruz.
Programa de proteção deficitário
Um mecanismo de proteção estatal para jornalistas e defensores de direitos humanos está em vigor no México desde 2012. Ele foi implementado por pressão da sociedade civil e celebrado como um avanço na época. A Colômbia foi o primeiro país da América Latina a introduzir um mecanismo semelhante, seguido por México, Guatemala, Honduras, Brasil e Peru.
Mas, embora esse programa de proteção tenha salvado vidas, as organizações de direitos humanos que o lançaram em 2012 concordam que ele está sobrecarregado e subfinanciado. Desde sua criação, 14 jornalistas que deveriam estar protegidos por ele foram assassinados.
“O mecanismo de proteção tem muitas falhas e precisa ser fortalecido”, disse Balbina Flores, do Repórteres Sem Fronteiras no México, em entrevista à DW. “Se você receber uma ameaça e entrar em contato com o programa de proteção, eles devem agir imediatamente dentro de 12 horas. Via de regra trata-se de providenciar um botão de pânico ou de acionar patrulhas policiais locais.”
“No entanto, se alguém mora numa comunidade distante e num ambiente particularmente violento, também pode ser tomada a decisão de afastar essa pessoa de lá ou fornecer um guarda-costas.” Essa é a teoria. “Em geral, no entanto, leva de 15 a 20 dias para estabelecer medidas simples, e até meio ano no caso de guarida ou guarda-costas.”
Demanda alta, déficits estruturais e poucos funcionários
A lentidão se deve a um descompasso entre demanda e funcionários. Cerca de 1.500 cidadãos do México gozam atualmente de proteção, entre eles 500 jornalistas. “Os requerimentos aumentaram 60% de 2019 para cá”, prosseguiu Flores. “Mas o mecanismo ainda opera com a mesma equipe e quase os mesmos recursos de antes de 2019.”
Itzia Miravete, coordenadora de prevenção da organização de direitos humanos Artículo 19, criticou que o mecanismo é puramente reativo e nunca conseguiu se coordenar com outras autoridades federais ou fazer sua unidade de prevenção funcionar com eficiência. “Mas não é apenas o mecanismo que falhou. É todo o Estado, porque durante anos esse mecanismo foi o único programa público de proteção.”
As críticas das ONGs parecem ter ressoado com as autoridades. Há alguns meses, o Ministério do Interior propôs uma reforma destinada a descentralizar e delegar aos estados mexicanos a responsabilidade pela proteção de jornalistas e ativistas. As organizações saudaram a iniciativa, mas Flores alerta que “sem apoio econômico e mais profissionais será muito difícil alcançar resultados”.
Falta de vontade política
Por seu lado, Miravete destacou que muitas das mudanças necessárias, como maior transparência, o envolvimento de organizações de vítimas, a reparação de danos ou a aplicação de sanções contra autoridades em caso de falhas, exigem sobretudo uma vontade política significativa: “Todos os procuradores do país têm o protocolo-padrão para processar crimes contra a liberdade de expressão e são obrigados a aplicá-lo.”
No entanto um problema é a desconfiança histórica entre jornalistas e autoridades: não são raros os casos em que as ameaças contra jornalistas proveem da polícia ou dos próprios políticos locais.
A jornalista Maldonado, por exemplo, denunciou diretamente ao presidente do país, Andrés Manuel López Obrador, que as ameaças contra ela vinham do governador do estado da Baixa Califórnia, Jaime Bonilla, do mesmo partido de Obrador e contra quem Maldonado travou uma disputa trabalhista.
Mesmo no caso de melhorias, o programa de proteção do Estado dificilmente pode ser a miraculosa ferramenta de segurança em meio à violência latente, alimentada por 96% de impunidade. “Se o Estado mexicano realmente quer melhorar as condições de trabalho da imprensa, é necessária uma reforma muito mais abrangente”, afirmou Miravete.
O México, porém, ainda está longe de uma estratégia abrangente de segurança. As reformas para profissionalizar a polícia e garantir maior independência política do Judiciário estagnaram. De acordo com o World Justice Project, que documenta a evolução do Estado de direito no mundo, o México caiu nove posições nesse quesito, em 2021, sendo o 113º entre os 139 países avaliados.
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