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O movimento indígena está se organizando para eleger a “bancada do Cocar”

O Acampamento Terra Livre deste ano fez história com a maior edição desde que começou em 2004. Conversamos com o vereador indígena Weibe Tapeba, do Ceará, sobre como reverter a destruição ambiental do governo Bolsonaro com um mega revogaço e organizar uma aliança de luta permanente com os trabalhadores do campo e da cidade para salvar não apenas a democracia brasileira mas todo o planeta.

Entrevista com: Weibe Tapeba | Foto: APIB. Janeiro de 2023 precisa ser não somente um ato de harmonia nacional, da festa e do simbolismo da subida na rampa do Planalto, precisa ser também o dia do revogaço.

Após 2 anos sem ocupar fisicamente as avenidas de Brasília com o Acampamento Terra Livre, que acontece anualmente desde 2004, o movimento indígena organizado realizou a maior edição do evento em seus 18 anos de história. Dos dias 4 a 14 deste mês, como parte da Campanha Abril Indígena, mais de 8 mil lideranças indígenas, representando cerca de 200 povos distintos, se reuniram em assembleia para pressionar o governo e deliberar os próximos passos da luta.

O documento final do acampamento não poupa críticas ao governo Bolsonaro, apontado como responsável por incentivar “invasões aos nossos territórios e a violência contra nossos parentes”, e denuncia que o atual presidente trabalha para legalizar a atuação de organizações criminosas que agem nos territórios indígenas: “garimpeiros, madeireiras, pecuaristas, milicianos e grileiros”. Mas enfatiza também que a luta não é de agora – são 522 anos de enfrentamento aos projetos de extermínios encabeçados pelas elites e pelos representantes do capital.

Contras as investidas incessantes de um projeto colonial, os povos indígenas reafirmam sua disposição de luta, e apontam para a ação coletiva como a saída para o “atual cenário de barbárie do capital”. “Nossa luta”, declara o documento, “é por nossos povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira!”

Entre as demandas principais estão a retomada das demarcações das terras indígenas e a defesa dos direitos territoriais indígenas, a reconstrução dos espaços de participação e controle social no governo federal e a interrupção imediata da agenda anti-indígena no Congresso, em especial o projeto de lei do Marco Temporal e o da Mineração em Terras Indígenas. A pauta ambiental, com a proteção de matas e florestas e recuperação de ecossistemas, reconhecendo o papel central dos povos indígenas como guardiões da natureza e atores fundamentais na preservação da biodiversidade brasileira, aparece com destaque.

O caminho, apontam, é a construção de alianças entre os que lutam para levantar um outro Brasil: “por um país realmente democrático, justo, multicultural, que respeite e proteja as nossas vidas e da Mãe Natureza, seguimos em aliança com os trabalhadores do campo e da cidade, em luta permanente”.

Weibe Tapeba discursando no Acampamento Terra Livre. Foto APIB

Entre as lideranças presentes em Brasília estava Weibe Tapeba. Weibe é da aldeia “Lagoa dos Tapeba”, localizada no município de Caucaia (o segundo em população no Estado do Ceará). Começou na militância cedo, com 14 anos, já atuando como professor indígena na comunidade. Fez parte da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena até ela ser dissolvida pelo governo Bolsonaro. No também extinto Conselho Nacional de Política Indigenista foi relator da Comissão de Terra e Território. Já no percurso de sua trajetória militante, depois de se sentir enganado pelo juridiquês dos procuradores, decidiu estudar Direito. Se formou e foi aprovado no exame da ordem, tornando-se o primeiro advogado do movimento indígena do Ceará.

Hoje é coordenador geral da Federação dos Povos Indígenas do estado do Ceará (FEPOINCE), integra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), participa da Rede de Advogados e Advogadas Populares, além de integrar o Ybi, uma experiência de vanguarda de escritório de advocacia popular indígena. Weibe costuma brincar que “nas horas vagas” também atua como vereador no município de Caucaia pelo Partido dos Trabalhadores (PT). A brincadeira tem um fundo sério: para Weibe o mandato parlamentar só tem sentido se for um braço do movimento indígena a serviço das lutas.

No Acampamento Terra Livre, Weibe foi um dos que falou junto com o presidente Lula. Cobrou que o primeiro dia do governo “precisa ser o dia do revogaço, porque muita coisa nesses quatro anos foram destruídas”, reivindicou a retomada da agenda de demarcação de terras indígenas no Brasil e denunciou: “o garimpo mata e o garimpo desmata”. De volta a Caucaia, se encontrou com Felipe Martins, colaborador da Jacobin Brasil, para nos dar essa entrevista.


FM 

Weibe, este mês é chamado de abril dos povos indígenas, marcado pela realização do Acampamento Terra Livre que reúne diversos povos indígenas de todo o país em Brasília. Qual foi a principal reivindicação desse ano? 

WT 

A décima oitava edição do Acampamento Terra Livre, que é a maior assembleia dos povos indígenas do Brasil, talvez uma das maiores do mundo, é um evento organizado pela APIB e suas organizações regionais. Tem como principal objetivo a denúncia das violações de direitos indígenas nessa atual conjuntura de governo Bolsonaro, sobretudo fazendo uma denúncia do que estamos chamando de “pacote da destruição”. Faz parte desse pacote o PL da mineração – que estava previsto para ser votado no último dia 14, e até por conta disso o acampamento, que estava previsto para ser do dia 4 ao dia 8, foi estendido até o dia 14 – que graças à nossa mobilização foi retirado de pauta.

Além do PL da mineração, tem o PL da grilagem, o PL que flexibiliza a regra de demarcação de terras indígenas. O PL que flexibiliza também o licenciamento ambiental, que facilita o uso dos agrotóxicos, e tem um projeto de decreto legislativo para que o governo brasileiro se retire da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que é a convenção que assegura o direito da autoidentificação e também a consulta prévia livre e informada quando há medidas legislativas ou administrativas que afetem os povos indígenas.

“Mais de 50% das terras indígenas ainda não estão regulamentadas. Isso acaba trazendo consequências muito ruins: o conflito fundiário, a violência na disputa pelo território, a criminalização de lideranças, judicialização de processos de demarcação.”

Então, o principal objetivo do acampamento foi denunciar esse pacote da destruição. Fizemos várias marchas, e a última marcha foi uma marcha contra o garimpo ilegal, um ato realizado em frente ao Ministério de Minas e Energia, na qual nós aqui no Estado do Ceará tivemos a oportunidade de participar com cerca de 200 guerreiros e guerreiras.

Nós do Ceará asseguramos a participação no Acampamento de lideranças indígenas de todos os 15 povos do nosso estado, com uma caravana de quatro ônibus.

FM

Qual o balanço que você faz dessa edição do Acampamento deste ano?

WT 

Foi uma edição muito produtiva, porque a gente mesclou as atividades formativas no próprio Acampamento com um rico debate político. Havia uma tenda principal em que lideranças das organizações regionais que integram a APIB estavam fazendo um diálogo sobre o cenário atual, fazendo um debate inclusive sobre a política partidária desse ano e a necessidade dos povos indígenas incidirem nesse campo.

Nos últimos anos o acampamento tem sido marcado muito por isso, de certo modo a gente tem virado uma página. Houve um momento em que o movimento indígena não queria muito entrar nessa pauta do debate da política partidária, mas nos últimos anos, por conta desse governo autoritário e anti-indígena, nos demos conta que mais do que nunca é necessário um envolvimento, porque não dá para ficar em cima do muro, ou do lado errado – é preciso ficar do lado progressista. E o acampamento discutiu muito isso. Tivemos a presença da Comissão Parlamentar Mista de Apoio de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, tivemos um momento com o ex-presidente Lula, e dialogamos com diversas lideranças políticas dos partidos de esquerda.

FM 

Esse é um bom momento para fazer uma pergunta acerca da política institucional, sobre a eleição de indígenas no Brasil para ocupar cargos eletivos, o que pode representar a construção de um novo cenário político no Brasil onde os indígenas passam para uma posição de protagonismo político, inclusive na arena eleitoral. Você concorda com isso? Os indígenas estão tomando o protagonismo na política institucional também? 

WT

Acredito que sim. No parlamento, por exemplo, nas eleições municipais a gente tem dado um salto. Isso se deve também à organização do movimento dos povos indígenas nos seus próprios territórios. Por exemplo, em 2016 elegemos 169 vereadores em todo o país. Já em 2020, pulamos para 224 indígenas. E em 2018 elegemos a nossa primeira deputada mulher indígena da história do Brasil, a deputada Joênia Wapichana do Estado de Roraima, a primeira indígena no Congresso depois do Mário Juruna, que foi ainda no período da Constituinte.

Acreditamos que chegamos de verdade agora para a ocupação desses espaços, que são estratégicos. No Acampamento Terra Livre houve o lançamento da campanha da “Bancada do Cocar”. A ideia é que nos Estados onde temos viabilidade eleitoral, condições de disputa, lançarmos nomes para concorrerem a mandatos eletivos. Então isso está sendo discutido, estimulado pelo próprio movimento indígena, por meio da APIB e de suas delegações regionais.

FM 

O “desenvolvimento” é um dos grandes argumentos usados para justificar os megaprojetos, a expansão da fronteira agrícola e da mineração, apesar das ameaças ao meio ambiente e à vida das pessoas. O conceito de desenvolvimento é muito amplo e muitas vezes se confunde com o mero crescimento econômico. Como você entende que deveria ser um desenvolvimento justo para o Brasil?

WT

Primeiro, precisaria estar a serviço dos que mais necessitam. Não é o que nós temos visto, principalmente neste período da pandemia: os que já eram os mais ricos do Brasil ficaram ainda mais ricos, enquanto os mais pobres ficaram ainda mais pobres. A desigualdade é escancarada no nosso país. O modelo de desenvolvimento econômico que o Brasil persegue é um modelo que não deu certo, que não está dando certo, e que não dará certo. É um modelo que tem como base o agronegócio e a mineração.

A política econômica do Brasil é uma política atravessada, que não enxerga nos trabalhadores e nas trabalhadoras um potencial para o verdadeiro desenvolvimento. Os dados apontam que cerca de 70% do alimento que o brasileiro come é produzido pela agricultura familiar. Mas o agricultor familiar pouco tem recursos do orçamento do governo federal, o recurso de fomento de apoio à Agricultura Familiar é pífio em relação aos investimentos na área do agronegócio. No Acampamento Terra Livre dissemos que o agronegócio, junto com a mineração, “mata e desmata”. Levamos esse tema para o Acampamento Terra Livre mostrando que esse setor econômico, embora influencie muito na política (no Congresso Nacional a maior bancada que existe é a bancada ruralista), acaba contribuindo pouco para o desenvolvimento humano e o bem viver das pessoas.

 

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2022/04/o-movimento-indigena-esta-se-organizando-para-eleger-a-bancada-do-cocar/

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