Gustavo Petro, presidente eleito da Colômbia, ainda era congressista quando foi a um encontro em 2000 com Carlos Castaño, o temido chefe dos paramilitares, a fim de tentar convencê-lo a não ser morto pelo grupo.
Por: Daniel Pardo | Créditos da foto: Getty Images
“Eu tinha ouvido que deveria falar firme com ele, porque ele iria encolher diante de alguém com fortes convicções”, escreveu Petro em seu livro de memórias.
Petro, que havia deixado a guerrilha dez anos antes e exercia influência na Advocacia-Geral, fazia diversas denúncias contra os paramilitares, como são chamados os grupos armados ilegais que combatiam as guerrilhas. Essa atuação havia lhe garantido uma sentença de morte.
“Eu pedi a ele com firmeza”, conta Petro. “E depois de alguns minutos ele estava balbuciando e gaguejando.” E não apenas os paramilitares não o mataram como, segundo Petro, se convenceram dos benefícios de fazerem um acordo de paz com o Estado, algo que ocorreria formalmente cinco anos depois.
Esse episódio, segundo José Cuesta, amigo de longa data de Petro e companheiro de guerrilha, ilustra bem quem é o presidente eleito para governar a Colômbia de 2022 a 2026. “Isso porque ele acredita que a única forma de resolver problemas é pegar o touro pelos chifres.”
Petro, 62, abalou a história política da Colômbia ao se tornar o primeiro líder de esquerda a chegar ao poder, com críticas ao modelo econômico vigente e pouca ligação com a classe política tradicional.
O senador e ex-prefeito de Bogotá (segundo cargo político mais relevante do país) venceu Rodolfo Hernández por 50,44% a 47,31%, somando um patamar recorde de 11,2 milhões de votos.
Em sua campanha, Petro prometeu tirar do papel profundas reformas sociais, econômicas e políticas que levariam a Colômbia, um país violento e desigual, à paz e igualdade. “Pela trilha da vida e do amor”, como ele costuma dizer.
Rebelde, estudioso e introvertido, o presidente eleito passou 12 anos na guerrilha e construiu uma trajetória política de quatro décadas com posicionamentos corajosos em cargos como vereador, prefeito e senador.
Muitos temem que sua personalidade com traços despóticos e contenciosos — ele próprio admite ter um perfil autoritário — vai gerar conflitos que levarão ao caos, e tornarão o país ingovernável. Outros afirmam que uma suposta proximidade ideológica com o líder venezuelano Hugo Chávez (a qual ele nega) vai levar a uma crise econômica semelhante à da Venezuela.
Encontrar-se com Castaño foi quase um suicídio, mas Petro transformou o episódio numa oportunidade. “Naquele dia, eu senti que, para ele, eu poderia ser útil no futuro”, lembra ele, em referência à desmobilização que os paramilitares firmaram poucos anos depois.
Esse senso de oportunidade é o que Petro revelou em sua campanha por mudança, em meio a levantes populares e crises econômicas. E fez isso ao lado de uma liderança popular, feminista, negra e também de esquerda: Fracia Márquez, agora eleita vice-presidente.
“Onde os outros veem riscos, Petro vê oportunidades. Ele é, no bom sentido do termo, um oportunista.”
Rebelde introvertido
Gustavo Petro Urrego nasceu em uma família de classe média baixa em Ciénaga de Oro, uma pequena cidade da savana caribenha, terra de gado e algodão. Seu pai foi professor e sua mãe, membro de um partido nacionalista. O mais velho entre três irmãos, Petro era descrito como um garoto jovem que se vestia com cores escuras e mergulhava nos livros.
Ele é da costa colombiana, mas suas características são mais típicas na população da parte andina do país: sério, introvertido, desconfiado.
Petro atribui esse paradoxo cultural aos seus aprendizados políticos. “Ele disse que a ‘amarga e inflexível’ esquerda colombiana precisava de ‘um banho de Caribe’ e de uma sacudida para poder entender sua própria sociedade”, relata um perfil dele publicado pelo site noticioso colombiano La Silla Vacía.
Quando ainda era criança, ele se mudou com seus pais para Zipaquirá, uma cidade ao norte da capital colombiana, Bogotá. Petro estudou numa escola pública dirigida por padres e frequentada também por Gabriel García Márquez, uma de suas maiores influências.
Aliás, quando atuava como insurgente, seu codinome era Aureliano, em homenagem ao coronel que estrela a obra-prima de Márquez, Cem Anos de Solidão. Petro costuma citar o romance em seus discursos.
Adolescente curioso, Petro frequentou reuniões sindicais e, aos 17 anos, aderiu a um grupo urbano, nacionalista e social democrata de guerrilheiros: o Movimento 19 de Abril (M19).
Sobre o motivo de sua integração na guerrilha, ele mencionou em várias ocasiões a desigualdade social na Colômbia, à qual se somaram as ideias à esquerda que eram muito populares entre os jovens da América Latina e do mundo, embora elas não fossem as mais extremadas no grupo.
“Tínhamos uma concepção completamente diferente da do Exército de Libertação Nacional (ELN), das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), do Partido Comunista ou dos vários grupos da esquerda universitária, que dialogavam com modelos como o soviético, o cubano ou o chinês, enquanto pensávamos em nosso próprio projeto nacionalista e democrático”, escreveu Petro.
Petro, que naqueles anos era membro das bases da organização, reconhece que recebeu treinamento militar e empunhava um fuzil, embora assegure que nunca participou ativamente de ações armadas, algo que alguns críticos duvidam. Em vez disso, ele afirma ter participado de tarefas de distribuição de propaganda ideológica e de outras iniciativas pacíficas, como a entrega de alimentos em comunidades carentes.
“Havia pessoas que se dedicavam à atividade política, fazendo trabalho educacional. Essas eram as tarefas que Petro e outros quadros desempenhavam”, conta Darío Villamizar, analista político, escritor e ex-militante do M-19, à BBC News Mundo.
Petro viajava frequentemente para Bogotá, onde tinha uma bolsa de estudos numa universidade privada, a Externado, para estudar economia.
Em 1985, quando o M19 se preparava para a invasão do Palácio de Justiça, que deixaria pelo menos 101 mortos, Petro foi preso sob acusação de posse ilegal de armas e levado para um acampamento militar, onde ele diz ter sido torturado.
Dois anos depois, ele foi solto e continuou sua militância em várias regiões do país, até ser preso novamente.
Só que em 1990 o M19 se desmobilizou. Naquela época, Petro era um representante eleito na Casa de Representantes de Cundinamarca, onde Zipaquirá fica localizada.
Mas ele foi ameaçado de morte, e aos 34 anos deixou o país pela primeira vez.
Período na Europa
Como forma de proteger um ex-guerrilheiro que havia se afastado da luta, o governo colombiano lhe concedeu um cargo de baixo escalão na embaixada na Bélgica.
Os quatro anos de Petro na Europa foram fundamentais para a construção de seu perfil político: conheceu o mundo mais desenvolvido, os partidos social-democratas e a “sociedade do conhecimento” que diz querer para a Colômbia.
No continente europeu ele também estudou o meio ambiente, sua maior preocupação após a justiça social. Em suas memórias, ressalta que não dirige um carro há 30 anos por causa do impacto climático.
Petro não esconde a alta estima que tem por si mesmo. “Os ventos do povo me levaram de um lugar para outro, fizeram de mim um gigante”, escreve em seu livro.
Por essas e outras ele é chamado de “vaidoso”, além de “alpinista social” e “messiânico” porque “acredita ser o salvador do povo”.
A esquerda critica características como arrogância intelectual, despotismo gerencial, teimosia conceitual e discurso polarizador. A direita lamenta sua visão econômica do país, sua proximidade com personagens como Chávez e seu passado guerrilheiro.
Veja em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61871719
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