Urnas determinaram que a direita, bolsonarista ou não, domina a política brasileira; o centro-liberal perdeu relevância; e o PT se consolida na dianteira da esquerda, distanciando-se de outras legendas.
Por: Jairo Nicolau | Crédito Foto: Foto: Adriano Machado/REUTERS
A diferença de apenas cinco pontos percentuais entre Lula e Bolsonaro foi uma enorme surpresa para jornalistas, analistas e cientistas políticos, já que as pesquisas feitas pelos mais conhecidos institutos apontavam que a distância entre os dois seria de pelo menos de dez pontos. A discussão sobre os erros pesquisas dominou o debate nos dias seguintes, e pouca gente comentou a dimensão mais decisiva das eleições de 2022: o efeito disruptivo que as eleições produziram no sistema partidário brasileiro.
Em 2018, a vitória de Bolsonaro produziu um primeiro choque no sistema partidário configurado em meados da década de 1990, cuja característica central era a polarização entre dois partidos (PT e o PSDB) nas eleições presidenciais.
O PT, força dominante no campo da esquerda enfrentou, em dez turnos sucessivos (1994, 1998, e duas vezes em 2002, 2006, 2010 e 2014) o PSDB, uma legenda de centro. Ao longo dessas duas décadas, os partidos conservadores, mantinham uma forte presença no Congresso e na política subnacional, mas não apresentaram candidatos competitivos nas eleições presidenciais.
A vitória de Bolsonaro em 2018 representou não somente a chegada, pela primeira vez de um nome da ultradireita à Presidência, mas também uma derrota das forças de centro-direita representados pelo PSDB, PMDB/MDB e PFL/DEM. O PSL, o partido de Bolsonaro, que tinha apenas sete representantes antes das eleições, sai das urnas como o mais votado para a Câmara dos Deputados, elegendo 52 cadeiras. É fundamental não perder de vista que a ascensão do PSL aconteceu, sobretudo nos estados do Sudeste e Sul, onde as bancadas do PSDB, PMDB e PFL tiveram fortes perdas.
Em um país federalista com diversos níveis de distribuição de poder partidário e com um número reduzido de candidatos à Presidência, a melhor forma de dimensionar o desempenho dos partidos é observar a votação para a Câmara dos Deputados.
Um sinal de reconfiguração do sistema partidário pode ser observado no desempenho das legendas que apoiaram a candidatura de Simone Tebet. Somados, os quatro partidos obtiveram apenas 72 cadeiras (14% da Câmara dos Deputados). Esse número é revelador do declínio dos partidos que ocupam o centro do sistema partidário; a vitória da direita aprofundou uma tendência de perda de espaço do MDB e PSDB, partidos que foram centrais para a configuração da ordem política pós-1988.
Lula obteve o apoio de todos os partidos esquerda (somente o PDT lançou Ciro Gomes) e de algumas pequenas legendas de centro-direita. O total das cadeiras dos partidos que apoiaram Lula é de 120 (23% do total).
Os grandes vitoriosos da eleição são os partidos de direita que somados elegeram 59% da Câmara dos Deputados. PL, PP e Republicanos, partidos que participaram formalmente da coligação de Jair Bolsonaro elegeram 187 deputados (36% do total). A direita que não apoiou Bolsonaro obteve 117 cadeiras (23%), concentradas em duas legendas União Brasil e PP.
Os partidos brasileiros de centro-direita têm segmentos pró-Bolsonaro e pró-Lula, como ficou claro na posição de diversos dirigentes do MDB, do PSD e do PSDB ao longo da campanha. E essas divisões já estão se refletindo nos apoios das lideranças e diretórios estaduais aos dois candidatos que disputarão o segundo turno. Por isso, a pura contabilidade das cadeiras das principais forças que disputaram a Presidência está longe de ser um indicador seguro a respeito de como os partidos se comportarão diante do novo presidente.
De qualquer modo, as eleições para a Câmara mostram alguns sinais claros da recomposição em curso do sistema partidário; esses indicam que a direita (na sua versão bolsonarista ou não alinhada à Bolsonaro) se tornou a força dominante da política brasileira, o centro-liberal perdeu relevância, e à esquerda observamos a consolidação do PT como força dominante, se distanciando em poder parlamentar de outras legendas.
Comente aqui