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Acesso à informação: a chave para chegar ao ensino superior?

Muitos estudantes da rede pública não sabem exatamente para que servem os programas de financiamento dos estudos universitários. Falta de conhecimento prejudica e reduz aprovação de estudantes de baixa renda.

Por: Vinícius De Andrade | Créditos da foto: Joacy Souza/PantherMedia/IMAG. Falta de informações preocupa: mais desigualdade entre estudantes da rede pública e da rede privada?

Quais são as variáveis decisivas para criar um muro, em vez de uma ponte, entre estudantes da rede pública e o ensino superior, especialmente nossas universidades públicas?

Comecei a pensar muito sobre isso quando ingressei na USP, lá em 2015. Na época, eu vivia em dois mundos: nascido e criado no bairro com mais favelas da minha cidade, Ribeirão Preto (SP), e estudante da USP, a famosa Universidade de São Paulo, aquela que aparece nos rankings mundiais, mas que também, nos bastidores, é uma das mais elitistas do país – ainda que esse quadro esteja se alterando lentamente.

Eu queria entender o que me diferenciava de todas as minhas irmãs, familiares, amigos, colegas e vizinhos. Por qual razão eu, somente eu, havia “escolhido” continuar estudando após o ensino médio e eles não.

Para procurar respostas e entender mais sobre a construção desse processo de “decisão”, eu fiz duas pesquisas com estudantes do último ano do ensino médio da rede pública brasileira: uma regional, com 193 estudantes em 2016, e outra nacional, com 1.645 jovens, em 2017.

Os dados mostraram que uma significativa variável, se não a mais importante, é a falta de informação. É isso mesmo que você leu e, possivelmente, pode estar se perguntando: “mas como assim?”.

Antes de discorrer sobre o assunto, eu gostaria de apresentar alguns dados da pesquisa nacional: 90% diziam querer, sim, continuar os estudos após o fim do colégio e quase 80% estavam inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Ainda assim, surpreendentemente, menos de 40%, do total de inscritos sabiam para que serve e como utilizar o Fies e menos de 25% sobre a funcionalidade do Sisu e do ProUni.

Os três programas são os instrumentos práticos do Enem e é através deles que o ingresso na maioria das universidades que aderem ao exame é viabilizado, ou seja: o pessoal se inscreve em um exame, sem entender claramente como utilizá-lo como instrumento de acesso ao ensino superior. É seguro imaginarmos que essa não-clareza totalmente enviesa negativamente a preparação e o consequente desempenho no exame.

Falta de informações

Notem: há, sim, interesse. No entanto, faltam informações sobre os meios de ingresso e também sobre as possibilidades que as universidades públicas oferecem, como, por exemplo, os auxílios de permanência – informação, esta, de suma relevância para alguém de baixa renda.

Por isso, no início da coluna, eu coloquei entre aspas as palavras “escolhido” e “decisão”. A razão é simples e imagino que irão concordar comigo: para que uma escolha seja feita é necessário que o agente tenha acesso às informações sobre as possibilidades, correto? Em um cenário em que as opções são desconhecidas ou, como usualmente ocorre, não estão claras, simplesmente não podemos falar sobre escolha ou decisão.

Assim, como se um processo já não fosse o bastante, o jovem da rede pública brasileira – mesmo aquele que até pensa em continuar estudando e ingressar naquela instituição que chamam de universidade – enfrenta dois processos seletivos: o famoso vestibular, que já é distante e desafiador o bastante, e um anterior a este e próprio para o grupo: o acesso à informação. Ou, na verdade, o não-acesso.

Privilégio de poucos

A informação, no Brasil, se tornou um privilégio de poucos. Ela cria asas para os que a possuem e limita os sonhos de quem não foi privilegiado o bastante para ter acesso.

Você pode estar pensando: “Ah, isso é exagero. Hoje em dia a internet está aí e é possível encontrar informações sobre tudo”. Sua premissa está correta. Há sim informações sobre tudo na internet, inclusive sobre o mecanismo de funcionamento exato do Prouni, do Sisu e do Fies.

No entanto, você está desconsiderando uma questão fundamental e irei explicar meu ponto. Eu já pesquisei quase tudo sobre como criar pombos-correio, desde o tempo de incubação dos ovos até mesmo sobre as melhores rações e vitaminas. Você já pesquisou sobre isso? Imagino que não. O que nos diferenciou? Eu fui apresentado, através do meu pai, ao universo de criação destas aves e, somente depois disso comecei a pesquisar sobre o tema.

A questão é que essa apresentação prévia e a motivação para conhecer mais simplesmente não faz parte do contexto diário da maioria de nossos estudantes da rede pública. Muitos dos seus familiares não continuaram estudando após o ensino médio e o caminho mais claro para eles é o seguinte: terminar a escola, ir trabalhar e ajudar em casa.

Escolas e professores desatualizados

Infelizmente, é comum que nem os próprios colégios difundam essas informações. Muitas vezes os próprios professores estão desatualizados. Me lembro bem de um dia que escutei uma professora dizendo para a turma que após o fim da escola era proibido fazer o Enem. Ela não estava mentindo. Era a informação que ela tinha.

Há sim colégios que fogem a esse padrão. Conheci um em Fortaleza, chamado Adauto Bezerra, que a gestão foca muito em informar e atualizar a equipe de docentes para que estes, consequentemente, levem a informação para o corpo discente. Acreditem: faz diferença e a escola coleciona centenas de aprovações.

Expansão do Enem pode aumentar desigualdade?

É dentro de todo esse contexto que me preocupa muito o processo de expansão do Enem, algo que me lembra muito a formação de um monopólio. Cada vez mais, instituições públicas e privadas de ensino superior estão aderindo ao exame por completo e abolindo o seu próprio. Não me surpreenderá se em um futuro próximo o Enem se tornar o único meio de ingresso para o ensino superior brasileiro, especialmente nas instituições públicas.

Alunos fazem fila diante da Universidade Mackenzie, em São Paulo, para fazer Exame Nacional do Ensino Médio.
“Expansão do Enem é algo que me lembra muito a formação de um monopólio”: para colunista, processo pode acentuar desigualdade entre redes pública e privada de ensino no Brasil e o consequente acesso às universidades. Foto: Roberto Casimiro/Fotoarena/imago images

Qual o problema disso? Bom, talvez eu seja pessimista demais, mas temo que esse processo irá acentuar a desigualdade entre os colégios públicos e privados. A razão é que em quase todas as escolas particulares é comum que tudo seja pautado pelo vestibular e na preparação para o exame.

Nesse contexto, não é incomum que as mesmas informações que percebo que faltam para estudantes formados na rede pública, ou atuais estudantes, sejam familiares para os da rede privada desde antes mesmo do ensino médio.

É urgente que o MEC, especialmente com a gestão atual, crie políticas eficientes de difusão dessas informações para a rede pública básica de ensino e que estas não se restrinjam apenas a serem veiculadas na mídia, mesmo que no horário nobre da maior emissora do país.

É necessário que sejam criados mecanismos que garantam a constante atualização das equipes gestoras, para que estas informem seu corpo docente e assim, consequentemente, a informação chegará também para quem mais precisa: os estudantes.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/acesso-%C3%A0-informa%C3%A7%C3%A3o-a-chave-para-chegar-ao-ensino-superior/a-64582613

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