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Amazônia: em palco criado por Lula, líderes cobram países ricos, mas não chegam a acordo sobre petróleo e desmatamento

Por: Leandro Prazeres | Crédito Foto: Antonio Lacerda/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK. O presidente Lula com líderes sul-americanos presentes na cúpula.

Convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Cúpula da Amazônia chegou ao fim do seu primeiro dia nesta terça-feira (8/8) marcada pela dificuldade dos países em encontrar consensos sobre pontos considerados chave em relação à preservação do bioma e ao combate às mudanças climáticas.

Havia a expectativa de que os países chegassem a uma meta comum de desmatamento zero até 2030, mas o acordo não veio. A exploração de petróleo na Amazônia também foi um dos focos de divergência ao longo das reuniões desta terça-feira.

A Cúpula da Amazônia foi organizada pelo governo brasileiro a pedido do presidente Lula. Ela reúne chefes-de-Estado e líderes dos oito países da região na capital paraense até a quarta-feira (9/8).

O evento vinha sendo tratado como uma espécie de ensaio para a diplomacia brasileira para a 28º Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP-28), que será realizada no final do ano, nos Emirados Árabes Unidos.

Ao final desta terça-feira, uma declaração conjunta acordada por todos os países foi divulgada.

O documento tem mais de 100 parágrafos e não trouxe a esperada meta comum de desmatamento zero na Amazônia até 2030. A meta foi assumida por Lula no início do ano. No programa Conversa com o Presidente, da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Lula disse que gostaria de sair da cúpula com uma política “unificada” sobre meio ambiente durante a COP-28.

“A ideia básica é a gente sair daqui preparado para, de forma unificada, todos os países que têm floresta terem uma posição comum nos Emirados Árabes durante a COP28 e mudar a discussão”, disse Lula.

O termo “desmatamento” aparece 13 vezes no documento, mas a meta de que todos o países aderissem à taxa zero até 2030 não aparece.

No lugar desse compromisso, os países prometeram estabelecer uma “Aliança de Combate ao Desmatamento entre os Estados Partes” que contempla metas nacionais menos ambiciosas que a de desmatamento zero até 2030.

Mauro Vieira discursando em microfone
CRÉDITO, ANDRE BORGES/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK. Legenda da foto: O ministro Mauro Vieira minimizou a ausência da meta comum

“Estabelecer a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento entre os Estados Partes, com o objetivo de promover a cooperação regional no combate ao desmatamento e de evitar que a Amazônia atinja o ponto de não retorno, reconhecendo e promovendo o cumprimento das metas nacionais, inclusive as de desmatamento zero”, diz um trecho da declaração.

Funcionários do governo brasileiro envolvidos na negociação do texto da declaração que falaram à BBC News Brasil sob a condição de anonimato avaliaram que a meta comum de desmatamento zero até 2030 sofreu resistência de países da região, em especial da Bolívia, comandada pelo presidente Luiz Alberto Arce.

Segundo esses funcionários, o país teria encontrado dificuldades em aceitar o estabelecimento de uma meta concreta em torno do assunto.

O secretário-executivo da organização não-governamental Observatório do Clima, Márcio Astrini, explica que a falta de consenso em torno dessa meta é resultado de diferenças políticas e econômicas entre os países da região. Segundo ele, a falta dessa meta gera frustração entre os ambientalistas.

“A meta de desmatamento zero colocaria esse documento em outro nível, mas isso não aconteceu. A explicação para isso é que países vivem momentos políticos diferentes. O Brasil é um grande produtor global de commodities e assumir uma meta como essa tem impacto nos negócios do país lá fora. Com outros países, as pressões são diferentes”, disse Astrini à BBC News Brasil.

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, minimizou a ausência da meta comum.

“Isso não vai separar a região. Houve entendimento sobre essa questão de desmatamento”, afirmou Vieira em resposta a pergunta feita pela BBC News Brasil.

Dinheiro dos países ricos

Um ponto que também gerou relativa divergência foi o trecho em que os países da região cobram países ricos a repassarem recursos nações em desenvolvimento lidarem com adaptação e mitigação às mudanças climáticas.

O documento diz que os países amazônicos concordam em “exortar os países desenvolvidos a cumprirem seus compromissos de fornecer e mobilizar recursos, incluindo a meta de mobilizar US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para apoiar as necessidades dos países em desenvolvimento”.

O compromisso de repassar recursos a países em desenvolvimento é frequentemente cobrada pelo presidente Lula em seus discursos.

Apesar disso, o presidente colombiano, Gustavo Petro, criticou o foco do grupo nesse tipo de cobrança.

“Pedir que nos deem dinheiro não é suficiente. Essa é uma maneira retórica do Norte dizer que está fazendo algo. Se nós valorizarmos [a Amazônia], ela vale muito mais. Não é com presente do Norte que vamos fazer isso”, disse Petro.

Outro que criticou a atuação de atores estrangeiros na Amazônia foi o presidente da Bolívia, Luiz Alberto Arce. Segundo ele, enquanto os Estados Unidos tentariam influenciar a região por meios militares, a Europa tentaria fazê-lo por meio de organizações não-governamentais. Petro, no entanto, não ofereceu nenhuma evidência disso.

“Alguns querem controlar a Amazônia por meios militares ou através de ongs, enquanto outros, através somente das ongs. Não aceitamos formas encobertas de dominar a Amazônia”, disse Arce.

Polêmica em torno do petróleo

Apesar da tentativa do governo brasileiro em focar a declaração primordialmente no aspecto florestal, a exploração de petróleo na Amazônia acabou incluída no documento final da cúpula.

O texto da declaração final faz apenas uma menção sobre o tema.

Nele, os países dizem concordar que vão “iniciar um diálogo entre os Estados Partes sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos na Região Amazônica, no marco da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e de suas políticas nacionais soberanas”.

Nos dias que antecederam a cúpula, movimentos sociais reunidos na capital paraense fizeram manifestações pedindo o fim da exploração de petróleo na Amazônia e a redução global da utilização de combustíveis fósseis. Elas são apontadas como principais responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa que causam as mudanças climáticas.

O tema é delicado para países ricos em reservas de petróleo como o Brasil, Venezuela, Guiana, Suriname e Equador. Do outro lado, praticamente isolada, ficou a Colômbia. Em seu discurso durante a cúpula, Petro voltou a criticar a exploração de petróleo, mantendo a posição do governo que, no início do ano, prometeu não liberar novas licenças de exploração de petróleo no país.

Indígena gritando em protesto, com cartazes atrás pedindo proteção à Amazônia
CRÉDITO, REUTERS/UESLEI MARCELINO. Legenda da foto: Protesto em Belém durante a cúpula

Petro chamou as apostas em novas fontes de combustíveis fósseis de “negacionismo’.

“[Os governos de] direita têm um fácil escape, que é o negacionismo. Negam a ciência. Para os progressistas, é muito difícil. Gera então outro tipo de negacionismo: falar em transições”, disse Petro durante sua fala.

O ministro Mauro Viera evitou criticar a declaração do presidente colombiano.

“Com relação à posição do presidente Petro, não há divergência. O Brasil, desde os anos 1970, começou uma transição (energética) e tenho certeza de que a descarbonização será alvo de um documento no futuro”, disse o chanceler.

“A posição é convergente (com a da Colômbia) e cada país terá que seguir no ritmo e passo que estiver ao seu alcance. Há muitos países no mundo que detém uma matriz energética dependente de carvão e combustíveis fósseis”, disse Vieira.

Em julho, durante encontro com Lula na Colômbia, Petro chegou a questionar se os países da região iriam permitir a exploração de petróleo na Amazônia. Lula não respondeu, na ocasião.

Para Márcio Astrini, apesar da declaração considerada tímida sobre o petróleo, o assunto não deverá sair da agenda.

“Não era esperado que petróleo entrasse (no texto da declaração) […] Essa pressão vai continuar e essa demanda veio pra ficar em cima da mesa dos governos da região. Pode não ter saído nessa declaração, mas está longe de ser um tema morto”, afirmou.

Frustração

Para a coordenadora de projetos do Instituto ClimaInfo, Carolina Marçal, o documento final da Cúpula da Amazônia foi pouco ambicioso.

“O foco em mecanismos de redução do desmatamento foi uma escolha cômoda. É um tema que está em pauta há muitas décadas e sobre o qual pouca gente discorda. O que nós precisávamos é que os governantes fossem mais ambiciosos em seus compromissos ambientais”, afirmou à BBC News Brasil.

Márcio Astrini, do Observatório do Clima, também relata uma sensação de frustração.

“É frustrante que em pleno ano de 2023 os países da Amazônia não deixem claro que não há lugar mais para desmatamento […] países como o Brasil já entenderam isso e tem posicionamento claro de desmatamento zero, mas a frustração fica por conta de que nem todos os oito países que assinaram a declaração têm o mesmo entendimento”, disse.

A Cúpula da Amazônia continuará nesta quarta-feira (9/8) com a participação de países de fora da região Amazônica. Foram convidados representantes da República Democrática do Congo, da República do Congo e Indonésia. Eles foram incluídos no evento por serem ricos em florestas tropicais. Alemanha e Noruega também participarão do evento por serem doadores regulares do Fundo Amazônia, criado pelo Brasil em 2008 para financiar mecanismos de combate ao desmatamento e preservação da Amazônia.

Veja em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx0wv428ypqo

 

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