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Brasil-México: uma nova aliança a ser construída

Juntos, os dois países detêm 65% do PIB da América Latina. Com a vitória de Lula, eles se reaproximaram e podem construir outros caminhos de cooperação. Mas governo mexicano precisará enfrentar alguns desafios internos…

Por: Ana Claudia Paes, Bruno Fabricio Alcebino da Silva, Caio Vitor Spaulonci, Felipe Firmino Rocha, Gabriel de Mello Rodrigues, Giovanna Furquim Moreschi e Juliana Valente Marques| Créditos da foto: AFP/Presidência do México. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, e o ex-presidente Lula na sede do Governo do México

Em 4 de junho, o resultado das eleições do Estado do México – centro econômico do país –  representou a consolidação de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), atual presidente, como a mais importante liderança nacional das últimas décadas. A vitória de Delfina Gómez Álvarez consolida o Movimento de Regeneração Nacional (Morena), de centro-esquerda, partido de López Obrador como ator dominante na cena política e desfere um golpe fatal contra o outrora hegemônico Partido Revolucionário Institucional (PRI), retirando-o de seu maior reduto eleitoral.

O estado do México foi governado pelo PRI por 94 anos ininterruptos (desde 1929). Com uma participação de 9,1% no PIB nacional e 17 milhões de habitantes é lugar definidor na cena política mexicana. Além do mais populoso e violento do país, o Edomex abriga também grandes atrações turísticas, como Teotihuacan, e grandes indústrias, como a Nestlé e a Ford, com um território fragmentado entre regiões urbanas e rurais.

As eleições regionais funcionam como uma espécie de ensaio geral e de ponto de partida para a corrida pela presidência de 2024. Agora, o Morena passa a governar sozinho ou em aliança 23 dos 32 estados mexicanos.

Impedido pela legislação de tentar a reeleição, AMLO externou em diversas oportunidades não ter preferência entre vários pré-candidatos, optando por uma estratégia de escolher o sucessor via consulta popular. O objetivo seria evitar fissuras internas e construir unidade no novo bloco governista.

Os aspirantes são tacitamente proibidos de se confrontarem ou se desqualificarem, bem como conceder entrevistas a meios de comunicação considerados reacionários, conservadores e adversários ao governo. Participarão da disputa Claudia Sheinbaum, chefe de governo da Cidade do México, Marcelo Ebrard, secretário nacional de Relações Exteriores, Adán Augusto López, secretário nacional do Interior, Ricardo Monreal, senador, Gerardo Fernández Noroña, deputado do Partido do Trabalho, e o senador Manuel Velasco, do Partido Verde. A consulta será realizada entre 28 de agosto e 3 de setembro.

Com uma tradição democrática tortuosa, que teve seu ponto inaugural na Revolução de 1910, o país passou por transformações políticas e sociais importantes ao longo das últimas décadas. Nos anos 1990, o México desempenhou um papel significativo no NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte), um acordo comercial firmado em 1994 entre México, Estados Unidos e Canadá. A participação no bloco econômico permitiu ao México aumentar o comércio e atrair investimentos estrangeiros, impulsionando setores como o automotivo e o de manufatura. O dispositivo também trouxe desafios, como a competição com produtos agrícolas dos EUA e aumento de disparidades socioeconômicas internas.

Obrador em ação

Ao explorarmos os principais aspectos do governo mexicano, analisando sua ascensão ao poder, suas políticas e reformas, bem como os desafios enfrentados e as perspectivas para o futuro, é possível vislumbrar, a partir desses pontos,  uma perspectiva geral do país.

A eleição de AMLO em julho de 2018 marcou uma mudança significativa na política mexicana. O presidente conquistou a vitória com uma plataforma centrada na luta contra a corrupção, a desigualdade social e a violência.

Desde o início de seu mandato, AMLO tem implementado uma série de políticas e reformas em diversas áreas. Uma de suas principais iniciativas foi a criação da Secretaria de Función Pública para monitorar e investigar a conduta dos servidores públicos, medida de enorme apelo popular, mas de clara conotação demagógica. Além disso, foram estabelecidos programas sociais, como o “Jovens Construindo o Futuro”, que visa oferecer oportunidades de emprego e educação.

Na economia, foram adotadas medidas para promover o desenvolvimento econômico e reduzir a pobreza, incluindo a implementação de projetos de infraestrutura e a busca por uma maior independência energética, um grande desafio para o país, que teve seu parque elétrico totalmente privatizado nas últimas décadas. O presidente declarou em seu discurso de posse que “As políticas econômicas neoliberais foram um desastre” em crítica ao ex-mandatário Enrique Peña Nieto. As iniciativas nessa direção também têm gerado debates acalorados, especialmente em relação ao papel do setor privado e à sustentabilidade fiscal.

Há desafios significativos a serem enfrentados. A violência relacionada ao narcotráfico continua sendo um problema persistente, exigindo esforços para garantir a segurança dos cidadãos e combater o crime organizado. Além disso, a pandemia de Covid-19 trouxe desafios adicionais, impactando a economia e o sistema de saúde.

Alguns críticos argumentam que o estilo de governança de AMLO é caracterizado por uma forte centralização de poder, o que pode afetar a independência das instituições. Além disso, a relação com o setor privado tem sido um ponto de tensão, com preocupações sobre a falta de incentivos para investimentos e o impacto nas parcerias comerciais, críticas típicas a governos progressistas, como podemos vislumbrar no restante da região latina e, especialmente, no Brasil.

Os programas sociais implementados têm beneficiado muitos setores da população, especialmente os mais vulneráveis. Além disso, AMLO tem buscado fortalecer as relações internacionais do México, estabelecendo parcerias estratégicas e buscando maior cooperação regional. A eleição de Lula em conjunto com o protagonismo brasileiro pode cooperar para uma maior independência e influência da região no cenário global.

Relações brasileiras

As relações diplomáticas entre o Brasil e o México foram estabelecidas no ano de 1834, quando o primeiro diplomata brasileiro foi enviado em missão. Ao longo de dois séculos, as relações foram amenas, com uma mudança significativa a partir dos anos 2000, com visitas presidenciais mútuas. Em 2007, após uma viagem do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao México, as relações bilaterais começaram a tomar uma forma mais concreta. Desde então, pelo menos 122 acordos bilaterais foram assinados, com o México se tornando o 8° principal parceiro de exportação brasileiro. Juntos, os dois países detêm 65% do Produto Interno Bruto (PIB) da região latino-americana, e geram quase 60% das exportações.

As relações entre os dois países passaram por certo esfriamento. Com uma política externa voltada para o alinhamento com os Estados Unidos, os governos pós-golpe de 2016 (Temer e Bolsonaro) não deram a devida importância para seus vizinhos latino-americanos, o que ocasionou certo esfriamento dessas relações. Apesar de tudo, Bolsonaro e López Obrador, presidente do México, foram comparados pela mídia em suas atuações muito parecidas frente a epidemia do coronavírus.

Com a nova eleição de Lula, entretanto, já é percebida uma reaproximação entre os dois países. Já em 2022, o então candidato à presidência visitou López Obrador, quando conversaram sobre a ampliação e aprofundamento das relações entre México e Brasil.

Desafios e militarização

O México é um dos países com maiores problemas de segurança pública em toda América Latina. As temáticas ao redor deste setor são constantemente cobradas pela população, principalmente as mulheres. Entre janeiro e novembro de 2022 foram registrados 131 feminicídios no estado do México, bem como a volta dos ataques de ácido contra mulheres no país, que ocorreram em meados de abril de 2022.

O principal desafio que o Morena enfrentará nos próximos anos é entregar mudanças significativas aos problemas históricos que a política mexicana carrega consigo, principalmente as pautas sociais, o desenvolvimento sustentável e o auxílio no combate à desigualdade.

O ano de 2006 foi central para a organização da Segurança Pública mexicana. O cenário era de grande insatisfação com o processo eleitoral que teve como vitorioso Felipe Calderón do Partido da Ação Nacional (PAN), considerado de direita. Candidato então derrotado, AMLO convocou protestos que levaram milhares de mexicanos às ruas. O candidato pediu ainda a recontagem de votos, entretanto, após autorizada a revisão de menos de 10% das urnas, oficializou-se Felipe Calderón como o novo presidente.

Após nove dias de mandato, em 10 de dezembro de 2006, Calderón deu o primeiro passo para implementar uma política de  “guerra às drogas”, ao decidir a alocação temporária  de 6.500 militares do exército para o combate ao crime organizado na região de Tierra Caliente, no sul, através da  “Operativa conjunto Michoachán”.

Ao longo de seu mandato de seis anos, o governo continuou a incorporar os militares nas ações de segurança como forma de complementar as forças policiais civis, que se viam superadas pelo crime organizado. Desde então, diversos casos de extrema violência perpetrados pelas forças nacionais foram sendo descobertos e expostos pela mídia, suscitando o debate do papel das forças armadas, tal como os eventuais abusos cometidos.

Em setembro de 2012, após seis anos de denúncias sobre abusos, foram aprovadas decisões judiciais  que colocavam sob escrutínio e investigação civil os abusos cometidos pelos militares, que poderiam ser processados na justiça penal comum. Entretanto, apenas pouco menos de 4% dos casos investigados pela (PGR) tiveram condenações: foram 16 entre mais de 500.

Em apenas dez anos, o orçamento para a Segurança Pública quase que dobrou, passando de US$ 5 bilhões em 2006 para US$ 9,8 bilhões em 2017. As bases militares de operações mistas mais do que dobraram em números absolutos, enquanto o número de homicídios aumentou cerca de 30%, passando de 121.613 de 2006 a 2012 para 157.158 de 2012 a 2018. Críticos argumentam que a crescente militarização fez com que o crime organizado também se utilizasse de armamentos e táticas bélicas, o que intensificou a violência no país.

Em 2019, o governo anunciou a substituição da Polícia Federal, marcada por denúncias de corrupção e violações de direitos humanos, pela Guarda Nacional, composta por maioria de militares. No mesmo ano, sob forte pressão das políticas anti-imigratórias dos Estados Unidos e a constante ameaça de retaliação econômica, o país intensificou a presença militar na fronteira sul, com o objetivo de conter a onda migratória com destino aos EUA.

Em 2020, foi aprovado um arranjo constitucional que sacramentou a participação militar na Segurança Pública nacional e elevou a capacidade de autonomia do exército, pois a nova regulação carecia de mecanismos de limitação e supervisão. O movimento normativo veio conjuntamente com um aumento das funções realizadas pelos militares, que passaram a realizar tarefas das mais diversas, como a distribuição e gestão de insumos, o monitoramento de gasodutos da Petróleos Mexicanos (PEMEX), na realização de obras como o novo aeroporto da Cidade do México, e respectivas operações civis e comerciais  relacionadas ao seu funcionamento.

Em 2022, o comando da Guarda Nacional passou ao Exército, o que suscitou diversas preocupações da comunidade internacional e de membros de grupos de direitos humanos sobre a intensa militarização da Segurança Pública no país, incluindo a falta de uma polícia de controle civil em nível federal.

No início do ano de 2023, ataques realizados em pontos turísticos de Cancún e Acapulco fizeram com que o atual presidente intensificasse mais uma vez a presença de militares nas estratégias de segurança pública.  Mais de 8.000 deles foram enviados para realizar a segurança nessas regiões, além de Tulum, Puerto Vallarta, Mazatlán e Veracruz, e nas principais rodovias do país.

O futuro do México dependerá da capacidade do governo em conciliar as necessidades e expectativas da população com a busca por estabilidade econômica, segurança e fortalecimento das instituições democráticas. Além disso, as relações com outros países, como o Brasil, e as parcerias regionais desempenharão um papel importante no direcionamento político e na influência do país como uma potência na América Latina.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/brasil-mexico-uma-nova-alianca-a-ser-construida/

 

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