Moradores da Terra Indígena Ibirama La Klanõ fogem para abrigo improvisado e temem pior alagamento da história, agravado pelo fechamento de barragem de um afluente do rio Itajaí-Açu.
Por: Nádia Pontes | Créditos da foto: Vandeir de Almeida/DW. Chuvas fortes e fechamento da barragem Norte inundaram comunidade xogleng em Santa Catarina
Não há mais lugar seguro nas aldeias da Terra Indígena Ibirama La Klanõ, em José Boiteux, Santa Catarina. Muitos moradores já deixaram suas casas e agora correm para salvar móveis e objetos que deixaram para trás.
“Nós estamos usando a igreja e o posto de saúde como abrigo. Mas há muitos que não querem sair de casa e estão em área de risco”, diz por telefone à DW, nesta sexta-feira (13/10), o cacique Voia de Lima, liderança do povo xogleng, também denominado laklanõ.
Acompanhado de um grupo, o cacique montou um acampamento improvisado de lona perto da barragem Norte. A estrutura, construída dentro do território indígena para segurar o nível do rio Itajaí-Açu e diminuir os impactos das cheias no Vale do Itajaí, está com as comportas fechadas por determinação do estado de Santa Catarina.
Barragem acima, onde moram os habitantes da Ibirama La Klanõ, a água represada acelera o alagamento nas comunidades. O acesso por terra a muitas das nove aldeias já não existe mais, e uma delas está sem comunicação devido ao alagamento de postes.
“É a pior situação que já vivemos. E a Defesa Civil abandonou a gente”, lamenta o cacique, que percorre as casas isoladas, levando mantimentos e fraldas que a comunidade recebe de doadores.
Consultado pela DW, até o fechamento desta reportagem o governo de catarinense não havia respondido.
Estado de calamidade
O risco de inundação continua alto na região, segundo boletim do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Até esta sexta-feira, o órgão havia emitido 57 alertas de alagamentos e deslizamentos vigentes.
No estado vizinho, na região sudoeste do Rio Grande do Sul, o risco de enchentes passou a ser alto, devido à propagação da onda de cheia em rios na bacia do rio Uruguai. Segundo o Cemaden, cidades às margens de rios e córregos localizados em áreas urbanizadas, podem sofrer alagamentos.
Em Santa Catarina, 113 dos 295 municípios declararam situação de emergência desde o começo das chuvas fortes, no início de outubro. Estima-se que mais de 14 mil pessoas estejam desabrigadas até o momento.
Em Blumenau, que fica às margens do Itajaí-Açu, a Oktoberfest, considerada a maior festa alemã do continente, reabriu a venda de ingressos nesta sexta-feira. Sua programação, que vai até 29 de outubro, chegou a ser suspensa alguns dias devido às fortes chuvas e risco de alagamento.
Barragens contra cheias
Uma das medidas usadas pelo governo estadual para controlar o nível do Itajaí e proteger cidades como Blumenau é o fechamento de comportas de barragens construídas na bacia – como a Norte, dentro da Terra Indígena Ibirama La Klanõ.
O rio Itajaí-Açu é formado por três afluentes principais: Itajaí do Oeste, Itajaí do Norte e Itajaí do Sul. A bacia tem uma longa história de desastres, com cidades que foram estabelecidas justamente ao longo da planície de inundação natural, reunindo cerca de 1,5 milhão de habitantes.
Para amenizar os impactos, o governo instalou três estruturas de contenção de cheias. A barragem Norte, no rio Itajaí do Norte, foi inaugurada em 1992 no município de José Boiteux, que deve seu nome ao patrono do ensino superior em Santa Catarina, de ascendência franco-suíça.
A barragem Oeste, no Itajaí do Oeste, entrou em operação em 1973 em Taió. Já a barragem Sul, no Itajaí do Sul, é de 1975 e fica em Ituporanga. Elas foram planejadas inicialmente com capacidade de armazenamento de 357 milhões, 83 milhões e 93,5 milhões de metros cúbicos de água, respectivamente.
“O uso delas é para armazenar uma parte do volume da onda de cheia que vem da cabeceira da bacia, diminuindo o nível e atrasando o pico de montante para jusante. O problema é que essas estruturas têm um volume limitado e, dependendo do tamanho da cheia e operação, o efeito pode não ser suficiente”, comenta Pedro Luiz Chaffe, professor do Laboratório de Hidrologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ele destaca ainda que, a ocupação histórica na área de inundação precisa ser considerada na equação. “Se a gente aumentar a proteção contra cheias, na verdade podemos diminuir a frequência de inundação, porém podemos aumentar os danos devido a uma maior exposição de infraestrutura e pessoas nessas planícies”, justifica o pesquisador.
Sem informações para os indígenas
Em comunicado publicado em seu site, a Defesa Civil de Santa Catarina informou que monitora o nível da barragem Norte, que estaria com 96,5% da sua capacidade. A água armazenada começou a verter – passar para o outro lado da estrutura – nas primeiras horas do sábado.
“É importante destacar que o vertimento de barragens é uma operação controlada e monitorada de perto por equipes técnicas”, afirmou o órgão na nota.
O cacique Voia Lima, que acampa ao lado da estrutura, afirma que ainda não viu funcionários do governo no local fazendo vistorias: “Só vemos pessoas curiosas que vêm aqui fotografar e nos fazer doações.”
Em Taió e Ituporanga, que já verteram parte da água, até 125% do volume do reservatório foi contido pelas estruturas, informa a Defesa Civil, frisando que isso teria ajudado a reduzir o nível dos rios e os danos provocados pelas cheias no Vale do Itajaí.
Ainda segundo a nota da Defesa Civil, o controle na barragem Norte “não representa qualquer risco de inundação para o município” de José Boiteux. Não há qualquer menção aos impactos na Terra Indígena Ibirama La Klanõ.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/cheias-for%C3%A7am-ind%C3%ADgenas-a-abandonarem-suas-casas-em-sc/a-67098062
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