Clipping

Como evitar a catástrofe climática e a crise econômica que se aproximam

Ao acompanhar o desenvolvimento do capitalismo global e dos movimentos de esquerda internacionais pelas últimas três décadas, Naomi Klein tem analisado o mundo com muito mais clareza do que observadores políticos consagrados ao propor soluções concretas para consertar nossos problemas mais flamejantes como a mudança climática.

Por Alyssa Battistoni / Tradução Natanael Alencar

On Fire: The (Burning) Case for the Green New Deal começa com a imagem de crianças fazendo uma greve pelo clima, liderados pela adolescente sueca Greta Thunberg, cujos desafios que propôs aos líderes políticos ao redor do mundo a trouxeram fama mundial. É um começo que reflete a alteração monumental na conversa sobre mudança climática ao longo do último ano,  levada adiante, particularmente, por jovens — das Greves Escolares pelo Clima de Thunberg ao protesto pacífico do Movimento Nascer do Sol em frente ao Capitólio e à eleição da deputada ecossocialista Alexandria Ocasio-Cortez — e a emergência de um Green New Deal (NGD) como demanda central.

Ao invés de revolver os acontecimentos do último ano ou argumentar por um conjunto particular de políticas ou programas, On Fire mistura a proposta do Green New Deal com a evolução das políticas climáticas ao longo da última década. 

Levando em conta a recente onda em defesa do Green New Deal pelos ambientalistas, relacionado aos últimos dez anos de produção de Klein – sobre vazamento de óleo da BP, os protestos contra o Keystone XL, o oleoduto em Dakota e os incêndios em British Columbia —, devemos ter em mente todas as catástrofes e protestos que aconteceram para chegarmos até aqui.

Em 2011, Klein estava protestando contra o sistema de oleodutos Keystone XL na Casa Branca. Em outubro de 2013, ela escreveu sobre a necessidade de uma “revolução política” capaz de responder aos augúrios cada vez piores da ciência climática e relatou os seus alertas iniciais — pessoas agindo para deter o fracking (fraturamento hidráulico) na Inglaterra, atrapalhando a perfuração em busca de óleo em águas russas e processando companhias exploradoras de areia betuminosa por violar a soberania indígena. Essas ações de confronto não começaram com Sunrise ou o os militantes do Extinction Rebellion.

Mesmo quando ela narra seus encontros pessoais com um mundo em chamas, como o seu relato perturbador de duas semanas que passou de férias na costa de British Columbia, em 2017, enquanto florestas queimavam ao norte, Klein sempre acaba em falando de política — uma mudança revigorante no cada vez mais difundido gênero de meditações angustiantes sobre a ruína climática.

Dentre tantos autores que publicaram livros sobre mudança climática recentemente, Klein permanece a mais proeminente analista do clima em relação ao capitalismo; essa coleção também serve como um lembrete de quão duradoura tem sido seu foco.

Em 2011, seu primeiro grande ensaio sobre a mudança climática,  “Capitalismo Vs. Clima”, argumentava que não era uma coincidência que boa parte da direita negue a mudança climática: com razão, os conservadores perceberam que a mudança climática coloca severos desafios aos princípios do capitalismo.

Para muitos conservadores, portanto, a mudança climática veio quase como um “cavalo de Tróia cujo objetivo é abolir o capitalismo e colocar alguma forma de ecossocialismo no lugar”. Klein argumenta que os negacionistas conservadores estavam sendo perfeitamente razoáveis: agir em relação à mudança climática vai demandar investimento público, redistribuição da riqueza, regulação mais firme e uma série de avanços que os conservadores se opõem.

Ela reitera um argumento similar no início de On Fire, dessa vez se referindo não aos think tanks conservadores, mas ao “espectro do ecofascismo”.  Klein discute que “as alterações climáticas exigem que se leve em conta elementos que estão em um terreno que as mentes conservadoras repelem: redistribuição de riqueza, compartilhamento de recursos e reparações”. Ao invés de negar a mudança climática completamente, a direita passa a usá-la como uma justificação para reforçar fronteiras.

Um artigo sobre Edward Said, Palestina e o “colonialismo verde” de Israel, ilustra a preocupação de Klein de maneira mais ampla. A “barreira de separação” na Cisjordânia, ela afirma, não é apenas comparável aos apelos da sireita para “construir um muro” — na realidade, a existência do primeiro energiza a última.

Paradoxalmente, se a direita é nacionalista em suas políticas, ela é internacionalista em suas aspirações. Ainda assim, o que passa despercebido é a transformação em curso da direita, na medida em que os capitalistas “globalistas” acusados no ensaio original “Capitalismo Vs Clima” passam a ser cada vez mais atacados por populistas de direita. Os primeiros recebem pouca atenção nesse livro, mas continuam sendo oponentes formidáveis. Na medida em que a era do negacionismo climático financiado pela Exxon parece chegar ao fim, que nova trilha as corporações irão procurar desmontar qualquer proposta do Green New Deal e se relacionar com os aliados da direita nacionalista? Que desafios e oportunidades esse realinhamento coloca para a esquerda?

Nesse sentido, podemos hoje fazer uma observação similar na direção oposta. Não é uma coincidência que as abordagens mais fortes e convincentes a respeito da mudança climática partam da esquerda: Ocasio-Cortez, sem dúvida; mas também Bernie Sanders, cuja estratégia climática o rendeu a nota A do Sunrise; Ilham Omar, que se juntou a Sander e Ocasio-Cortez na defesa do Green New Deal voltado para o setor da habitação; e a própria Klein. 

O que é geralmente descrito como a “bola de cristal” ou o “pressentimento” de Klein é melhor entendido com sua trajetória: ao acompanhar o desenvolvimento do capitalismo global e os movimentos internacionais de esquerda pelos últimos 20 anos, Klein foi capaz de perceber fenômenos emergentes de forma mais clara do que observadores políticos convencionais. Como Daniel Denvir observou recentemente sobre os protesto de 1999 na Organização Mundial do Comércio, “em Seattle, nós vimos a política do Green New Deal em sua forma rudimentar: que a junção do trabalho com meio ambiente era a única maneira de seguir adiante”. Não deveríamos nos surpreender que a nossa melhor cronista daqueles movimentos seja hoje representante da vanguarda do Green New Deal.

Na verdade, Klein advogava pelo Green New Deal há oito anos: no nascimento do movimento Occupy, ela disse, “existe uma oportunidade ampla aberta para rachar o terreno na direita. O que, para ela, significaria “ser persuasivo a respeito de que as reais soluções para a crise climática são também nossas melhores esperanças de construir um sistema econômico muito mais justo e iluminado — que diminuísse desigualdade profundas, fortalecesse e transformasse a esfera pública, gerasse trabalho digno em abundância e regulasse radicalmente o poder corporativo”.

Os ensaios ao longo do livro, que cobrem anos de escrita, Klein articula repetidamente “soluções integradas” que “diminuam radicalmente as emissões ao mesmo tempo em que que lidam com desigualdades estruturais e tornam a vida tangivelmente melhor para a maioria”. 

Ainda assim, na maior parte, a produção compilada neste livro foca menos em quem pode se beneficiar do Green New Deal do que aqueles que serão impactados pela mudança climática. Em um ensaio, Klein utiliza o conceito de “othering” para descrever, como Edward Said, como e porquê algumas pessoas e comunidades carregam os fardos ambientais mais significativos: como ela diz, “o pacto de Fausto” do industrialismo era que “os riscos mais pesados seriam terceirizados, descarregados sobre o outro”. 

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2020/12/como-evitar-a-catastrofe-climatica-e-a-crise-economica-que-se-aproximam/

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