Representatividade feminina em posições de liderança nas empresas pode aumentar com valorização da maternidade, maior licença para pais e jornada flexível. Mulheres e negras são exceção na cúpula de firmas brasileiras.
Por: Laís Modelli | Créditos da foto: Channel Partners/Zoonar/picture alliance. Pesquisa mostra que apenas 4,5% das mulheres ocupam cargos de chairs (diretoras) em conselhos administrativos de empresas brasileiras
Em 25 anos de carreira em grandes empresas, a empresária negra Jandaraci Araújo, de 50 anos, nunca foi chefiada por uma mulher. “Meus chefes e gestores sempre foram homens brancos. Também nunca tive a referência de uma executiva negra de sucesso para me inspirar”, diz.
Além da falta de representatividade de gênero e raça nos cargos de gestão, Janda, como é conhecida, afirma que, à medida que avançava na carreira, sua capacidade costumava ser questionada pelos colegas.
“Sou uma preta retinta, e isso causa um impacto nas salas de reuniões. Eu não era a moça da limpeza ou da cozinha, então muitos questionavam a minha capacidade para ocupar tal posição. Um homem que integrava minha equipe chegou a dizer: ‘Não quero ser liderado por essa pretinha'”, conta Janda. A empresária ainda lembra que era frequente não ser cumprimentada em reuniões e eventos corporativos em que ela representava a empresa.
Membro do conselho administrativo do Instituto Inhotim e das empresas Future Carbon, de projetos de geração de créditos de carbono, e Kunumi S.A., de produtos de Inteligência Artificial (IA), Janda faz parte dos 14,3% de mulheres que ocupam cadeiras em conselhos administrativos em empresas no Brasil, segundo a pesquisa Brasil Board Index 2021, da consultoria Spencer Stuart, que analisou o quadro dos conselhos administrativos de 211 empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) em diferentes áreas de governança corporativa.
Ainda segundo a pesquisa, em 65% dos conselhos administrativos, há pelo menos uma mulher. Porém, as mulheres ocupam apenas 11 cargos como chairs (presidentes dos conselhos de administração), o equivalente a 4,5% do total de mulheres – e uma redução em comparação ao estudo de 2020 (6%).
O valor da oportunidade
Natural de Salvador e mãe pela primeira vez aos 17 anos, Janda se mudou para o Rio de Janeiro aos 23 anos para fugir da violência doméstica. Desempregada e com duas filhas pequenas, a baiana foi morar de favor com uma tia na periferia carioca.
Enquanto procurava emprego como secretária, Janda fazia salgados para vender de manhã no trem. “Eu saía de casa com uma pasta de currículos e uma caixa de salgados para vender no caminho até as empresas”, lembra. Foi vendendo salgado na porta de uma faculdade que Janda conseguiu a sua primeira oportunidade profissional.
“Um professor da faculdade, que trabalhava no Grupo Sendas [atual Grupo Pão de Açúcar], costumava comprar meus salgados. Sempre fui muito comunicativa e, entre uma conversa e outra, eu contei para ele minha história. Um dia, ele me ofereceu um estágio na empresa”, conta.
Com o salário de estagiária e vários bicos – como entregar panfletos na rua –, Janda cursou faculdade de administração e começou a conquistar cargos. Em sete anos de trabalho, tornou-se gestora de Inteligência do Grupo Pão de Açúcar em São Paulo. Depois, passou pela direção de marketing em outras grandes empresas até se tornar conselheira fiscal.
Porém, a história de Janda é exceção: segundo a pesquisa Potências Invisíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho, publicada em 2020 pelas agências Indique Uma Preta e Box1824 com mil trabalhadoras negras de todo o país, entre as entrevistadas que estavam tinham emprego formal, só 2% eram diretoras e 3% eram gerentes. Não chegou nem a 1% a quantidade de entrevistadas presidentes ou vice-presidentes. A pesquisa diz também que 46% das entrevistadas estavam trabalhando e que, desse contingente, 20% atuavam como autônomas.
Por causa de números como esses, Janda e oito amigas fundaram em 2020 o Conselheiras 101, um programa de treinamento sem fins lucrativos voltado a empresárias negras que ocupam cargos altos em empresas nacionais e internacionais e que queiram se tornar conselheiras administrativas e fiscais.
“Cansei de ver executivo dizendo que não havia nenhuma mulher negra qualificada para ocupar este ou aquele conselho. Não era possível que num país do tamanho do Brasil e com maioria negra não existisse uma única mulher preta capacitada para a posição”, diz Janda.
Em dois anos de existência, o Conselheiras 101 já treinou mais de 60 executivas negras; 47% delas atualmente integram conselhos administrativos e fiscais.
Quanto mais alto o cargo, menos mulheres
A igualdade de gênero ainda está longe de ser realidade nos postos de liderança no mercado de trabalho brasileiro: apenas 38% dessas posições são ocupadas por mulheres, de acordo com a pesquisa Women in Business 2022, da Grant Thornton. Em 2021, mulheres em posição de liderança no Brasil representavam 39% dos cargos.
A representatividade feminina cai ainda mais quando se observam os dados do cargo mais alto numa empresa, o de CEO (equivalente a presidente ou diretor-executivo): dos CEOs das cem maiores startups brasileiras, apenas cinco são mulheres, segundo a pesquisa Cem Super CEOs, da consultoria Distrito – uma realidade que reproduz um padrão negativo do mercado de trabalho tradicional no setor inovador das startups.
A administradora Talita Lacerda, 35 anos, da startup PetLove, é uma dessas cinco. Filha de empregada doméstica e marceneiro, Lacerda precisou começar a trabalhar ainda na adolescência. Cursou administração na prestigiada Faculdade Getúlio Vargas (FGV) graças a uma bolsa de estudos e ao trabalho de vendedora de shopping e alguns bicos. Já formada, passou por cargos importantes no mercado financeiro e de varejo, tendo sido gerente-geral de operação da multinacional BRF na China.
Lacerda também conta que nunca teve uma chefe mulher nas empresas onde trabalhou. Desde que se tornou CEO, passou a ver ainda menos colegas mulheres. “Sempre faço reuniões com gestoras e bancos. Em muitas delas eu sou a única mulher na sala”, diz Talita.
Por isso, desde que se tornou CEO, Lacerda incentiva a contratação de mulheres na Petlove. “Não tinha nenhuma mulher líder na companhia quando assumi o cargo, em 2021. Sei disso porque todas as que têm atualmente fui eu que contratei”, relata.
Lacerda também se orgulha em dizer que, dos 1.500 funcionários da Petlove, 47% são mulheres. No time de gerência, 40% são mulheres. “Agora, a nossa meta é alcançar 50% de liderança feminina nos próximos três anos”, afirma.
“Maternidade fez de mim uma profissional melhor”
Quando assumiu o cargo de CEO, em 2021, a filha caçula de Lacerda – a executiva é mãe de duas meninas – tinha apenas 1 ano e meio. Apesar do medo de não conseguir conciliar família e trabalho naquele momento, a maternidade não foi impeditivo para sua carreira decolar.
“A maternidade fez de mim uma profissional muito melhor. Hoje sou muito mais eficiente. Agora sei como gastar o meu tempo com coisas que são importantes, porque, poxa, tenho uma preciosidade em casa, uma vida para cuidar, então tenho que manter o foco”, diz a CEO.
Porém, Lacerda confessa que precisou de incentivo dentro da empresa assim que voltou da licença parental. “O momento pós-maternidade gera insegurança, e eu achei que não ia dar conta do trabalho”, conta a empresária.
Por saber o quão difícil é o nascimento de um filho, a startup liderada por Lacerda oferece seis meses de licença maternidade e até três meses de licença paternidade, além de sala dedicada a lactantes e de apoio à amamentação dentro da empresa.
A diretora de Conteúdo Daniela Diniz, da Great Place to Work (GPTW), que ranqueia as melhores empresas para se trabalhar no Brasil, diz que na última década cresceu o número de empresas que valorizam a maternidade. “Até 2006, um lugar considerado bom para se trabalhar eram empregadores que apenas cumpriam o que já está garantido em lei para as mulheres, ou seja, os quatro meses de licença maternidade”, explica.
Já no ranking de 2021 da GPTW, Diniz afirma que pelo menos metade das empresas consideradas melhores lugares para trabalhar oferece licença maternidade de seis meses e outros benefícios, como jornadas flexíveis para mães que regressam ao trabalho, creches (muitas vezes no próprio local de trabalho) e salas dentro das empresas dedicadas exclusivamente ao apoio à amamentação.
“Existem empresas com ações de incentivo à carreira de mães, como promover as que retornam da licença maternidade e oferecer jornada de trabalho flexível nos meses pós-licença. Ficamos sabendo que uma das empresas que estão no nosso ranking acabou de promover uma funcionária que está no sétimo mês de gestação. É isso, maternidade não é problema”, conta Diniz.
Além de apoio às mães, 5% das melhores empresas para se trabalhar no Brasil segundo o ranking da GPTW também oferecem licença paternidade de um a três meses. “Se o objetivo é a igualdade de gênero no ambiente de trabalho, temos que responsabilizar os pais, não deixar todos os cuidados somente para as mães, que já amamentam e fazem dupla jornada. E após a licença maternidade, a empresa precisa propiciar uma rede de apoio a essa trabalhadora, com jornadas de trabalho flexíveis e empatia”, afirma Diniz.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/como-empresas-podem-al%C3%A7ar-mais-mulheres-a-cargos-de-chefia/a-64918524
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