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Créditos carbônicos: solução para o clima ou truque sujo?

Negócios para compensar emissões de gases-estufa com projetos de remoção ou evitamento de CO2 se tornaram um setor bilionário. No entanto crescem as críticas quanto à eficácia e sentido do mecanismo.

Por: Georgina Quach | Crédito Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS. Supostamente aplicar na proteção da floresta amazônica mas continuar poluindo pore ser contraproducente para o clima

Comer hambúrguer pode ser uma forma de combate às mudanças climáticas? A rede de fast-food sueca Max parece acreditar que sim: ela não só alega zero emissões líquidas de dióxido de carbono, mas rotula seus sanduíches, tradicionais ou vegetarianos, como “climaticamente positivos”.

A estratégia anunciada pela cadeia é compensar 110% de suas emissões carbônicas – 147 mil toneladas só em 2020 – sobretudo doando uma fração de seus lucros para o cultivo de árvores em Uganda.

A solução parece ideal. No entanto uma pesquisa publicada recentemente na revista Environmental Science & Policy questiona essa lógica. Pois comprando “créditos” de carbono, a Max não precisa realmente reduzir suas emissões a fim de cumprir as alegações de “zero líquido”.

Na verdade, as emissões absolutas da rede de lanchonetes mais do que triplicaram entre 2007 e 2021, devido à inauguração de mais filiais e o consequente aumento de seu consumo de energia. A própria companhia admite que conta com um incremento continuado de seu impacto carbônico.

É tão fácil ser “climaticamente neutro”?

Na compra de créditos para “compensar” os danos ambientais que causam, as empresas prestam contribuições financeiras a projetos para redução do volume de gases do efeito estufa na atmosfera – como a plantação de árvores ou reirrigação de turfeiras, as quais capturam grande volume carbônico –, e  em troca podem continuar poluindo.

Seguindo essa lógica, a companhia aérea alemã Lufthansa vende voos “carbonicamente neutros”. Até mesmo a Copa do Mundo de Futebol 2022, no Catar, se anunciou como “climaticamente neutra“. Nos últimos anos, o setor de créditos carbônicos prosperou, movimentando 2 bilhões de dólares por ano, com a previsão de quintuplicar até o fim da década.

Além disso, desde a invenção do conceito, em 1987, alguns tratados climáticos internacionais, como Protocolo de Kyoto, permitem aos países industrializados utilizar créditos – de uma tonelada de CO2 cada um – para se manter dentro dos limites de emissão permissíveis. Esse mercado, em que o gás é negociado para que se cumpram as regulamentações governamentais, é muito maior, em torno de 261 bilhões de dólares anuais.

Ave caminha em meio a pântano
Como pântanos de turfa sequestram grande volume de CO2, projetos de recuperação são negociados como crédito carbônico. Foto: Huseyin Yildiz/AA/picture alliance

Créditos carbônicos “podres”

No entanto, especialistas alertam que a maioria dos créditos do mercado voluntário não é eficaz. Uma análise de dois jornais, o britânico The Guardian e o alemão Die Zeit, e o website investigativo SourceMaterial constatou que mais de 90% das compensações para florestas tropicais da certificadora Verra, a maior do mundo, provavelmente são “créditos-fantasma” – ou seja, não representam redução real dos gases-estufa. A companhia rechaça com veemência as conclusões da investigação.

Forrest Fleischman, professor de política ambiental e para recursos naturais da Universidade de Minnesota, frisa que as alegações empresariais de “positividade climática” não podem depender exclusivamente de medidas de compensação, pois “não há espaço no planeta para árvores absorverem todas as emissões carbônicas”: “Portanto, embora possa parecer bom para a companhia, não é uma estratégia prática, do ponto de vista global.”

Segundo Alexandra Mihailescu Cichon, vice-presidente da empresa de pesquisa de dados Reprisk, sediada na Suíça, que analisa práticas corporativas ambientais, sociais e de governança: “Se uma companhia alega ser carbonicamente neutra, os consumidores pensam que ela não prejudica o meio ambiente, mas a realidade é que mudar o modelo de negócios custa tempo e dinheiro.”

Para início de conversa, o custo dos créditos, partindo de 4,24 dólares por tonelada de CO2, costuma ser muito inferior ao custo para a companhia reduzir suas próprias emissões. Além disso, a falta de regulamentação ainda resulta em padrões altamente erráticos no mercado.

Compensação carbônica na prática

Os projetos de compensação carbônica se dividem em duas categorias amplas: remoção e evitamento. No primeiro caso, o carbono é retirado ativamente da atmosfera e sequestrado de modo permanente, por exemplo no cultivo de árvores ou por captura direta do ar. Como tais tecnologias não são disponíveis em ampla escala, a remoção de CO2 representa apenas uma pequena porcentagem dos créditos em circulação.

Nos projetos de compensação por evitamento, impede-se a liberação de gases-estufa, por exemplo protegendo árvores do abate. Como quando o setor de gestão de ativos do banco americano JP Morgan Chase comprou 250 mil acres de florestas por mais de 500 milhões de dólares, e pagou proprietários de bosques para não abaterem suas árvores, as quais assim seguem capturando carbono atmosférico.

Moça come hambúrguer
Cadeia de lanchonetes sueca Max vende seus sanduíches como “bons para o clima”. Foto: Robin Utrecht/picture alliance

Por sua vez, a firma lucra com a geração de potenciais créditos de CO2 para seus clientes. A investidora alternativa Oak Hill Advisors LP também ganha com acordos de compensação carbônica, tendo aplicado 1,8 bilhão de dólares em florestas nos Estados Unidos.

Críticos acusam a JP Morgan de “lavagem verde” (greenwashing), argumentando que, embora seja positivo as árvores não virarem madeira de corte, é complicado provar se e até que ponto isso resulta em remoção líquida de carbono na atmosfera.

No método de aferimento para certificação dos projetos de compensação denominado “adicionalidade”, mede-se se o financiamento do crédito carbônico teve qualquer influência positiva sobre o clima. Outro teste é o de “permanência” da atividade.

Além disso, avalia-se o “vazamento” do projeto: se uma área florestal é salva da exploração, mas a pressão total para abater as árvores não se reduz, é possível que a demanda de desmatamento venha a ser redirecionada para outras florestas.

Perspectiva de regulamentação dos créditos de CO2

Observadores erguem esses e outros questionamentos pela suspeita de que o impacto carbônico das medidas de evitamento – do qual, de qualquer modo, só se pode fazer uma estimativa – esteja sendo grandemente exagerado por quem extrai lucros financeiros delas.

Por outro lado, é possível que em breve as alegações de compensação carbônica passem a ser submetidas a medidas de escrutínio mais rigorosas: a organização independente de governança Integrity Council for the Voluntary Carbon Market está definindo padrões para os compradores poderem separar o joio do trigo e evitar créditos carbônicos de baixa eficácia e credibilidade.

Também vêm sendo estudadas soluções naturais: uma análise da We Mean Business Coalition, uma coalizão global de sete ONGs climáticas, mostrou que, “se os 1.700 maiores emissores de gases-estufa compensassem anualmente apenas 10% de suas emissões através de investimentos na natureza, isso mitigaria quase 30 gigatoneladas de dióxido de carbono e mobilizaria até 1 trilhão de dólares em financiamento climático até 2030”.

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