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“Experiência chinesa tem lições que podem servir ao Brasil”

Em entrevista, a autora do livro premiado analisa como o país asiático escapou de “terapia de choque” no pós-Guerra Fria e cita encontro de economistas chineses com o ex-ministro Delfim Netto na década de 80.

Por: Vinícius Pereira | Crédito Foto: Keith Tsuji/ZUMA/picture Alliance. “Líderes políticos da China têm bastante experiência econômica”, diz Weber

A pujança econômica da China é em parte resultado de o país ter conseguido desviar de um conjunto de políticas pós-Guerra Fria que visava converter economias socialistas em de mercado de uma só vez, e no lugar de ter desenvolvido um tipo de capitalismo que tem o Estado como eixo estratégico para o crescimento, diz à DW a economista alemã Isabella M. Weber, professora na Universidade de Massachusetts Amherst, nos Estados Unidos.

Autora de Como a China escapou da terapia do choque , lançado em julho no Brasil pela editora Boitempo, Weber contrasta o forte crescimento chinês após o fim da Guerra Fria ao desempenho inferior da Rússia, e diz que algumas políticas de Pequim poderiam servir de inspiração ao Brasil.

O livro de Weber recebeu o prêmio de melhor obra interdisciplinar da Associação de Estudos Internacionais (ISA) e foi incluído nas listas de melhores livros de 2021 do jornal britânico Financial Times.

“[Na Rússia] a terapia de choque causando uma das recessões mais profundas e mais prolongadas na história recente e a mais dramática desindustrialização de uma superpotência”, disse. “Na China, o Estado manteve o controle da espinha dorsal da economia e, aos poucos, derrotou o mercado nas margens desse sistema.”

No livro, um economista relata como um encontro entre economistas chineses com o ex-ministro da Fazenda do Brasil, Antônio Delfim Netto, na década de 80 desencadeou uma discussão sobre o que sentia na China, e discute se o país asiático teria experiências úteis para outros países , como para o Brasil.

“A China tem um sistema sofisticado de taxas de juros diferenciadas e condições de crédito para áreas das quais eles querem incentivar o investimento”, afirma. “O que a experiência chinesa nos ensina é que é possível atrair investimentos externos, mas que é necessário desenhar as instituições para que o investimento de fora não seja apenas superficial.”

Weber diz ainda que, mesmo com a guerra comercial entre China e Estados Unidos , países como a Alemanha não conseguirão romper a dependência do mercado chinês no curto prazo sem consequências. “Esse tipo de pânico em relação à influência chinesa pode ser mais perigoso para a Europa do que para os Estados Unidos, dada a condição de desenvolvimento das economias do continente, que dependem mais do mercado mundial”, disse.

DW: O que é a chamada “terapia de choque” que a senhora cita em seu livro e como a China escapou dela?

Isabella M. Weber: A terapia do choque é um pacote de políticas incentivadas para que houvesse uma transição de economia planejada do socialismo para a economia de mercado do capitalismo. A ideia é que você deveria liberar todos os preços de uma vez, como um big bang , para que seguindo de acordo com os do mercado global, privatizar as forças, liberar o comércio e, finalmente, importar uma austeridade macroeconômica para garantir que essa produção dos preços não aumentasse a flexibilidade.

A terapia de choque não é um projeto de construção, mas é um projeto de destruição do que estava lá. Nela, o mercado é visto como um tipo de ordem natural natural que vai aparecer se você derrubar todas as intervenções não naturais, distorções, instituídas, etc. Ela sugere que uma economia de mercado vai aparecer como uma fênix, das cinzas das instituições de uma economia eletrônica. Mas isso nunca funcionou. Mesmo onde o mercado tem mais sucesso, ele sempre tem sido complementado com outros tipos de políticas. 

Em alguns casos, a terapia do choque causa um desastre econômico extremo. É o caso da Rússia, que implementou uma terapia de choque completa ao fim da URSS. Há muitas variáveis ​​aqui, como a desintegração de um Estado, é claro, mas por lá a terapia de choque causando uma das mais profundas e mais prolongadas recessões na história recente e a mais dramática desindustrialização de uma superpotência.

Isabela Weber
Isabella M. Weber é professora na Universidade de Massachusetts Amherst, nos Estados Unidos. Foto: Novo Pensamento Econômico – Como a China Escapou da Terapia de Choque, CC BY 3.0

Na China, por sua vez, o Estado manteve o controle da espinha dorsal da economia e, aos poucos, derrotou o mercado nas margens desse sistema. Isso iniciou uma nova dinâmica que, eventualmente, transformou o núcleo da economia, mas manteve o controle de instituições importantes com o Estado. O país não fez algo para criar um novo mercado apenas privado, mas um mercado que também poderia participar via Estado.

Desde o final da década de 70, quando sentiu as primeiras discussões sobre reformas, a China abriu seu mercado de uma forma estratégica, focada em alcançar o seu próprio projeto de desenvolvimento. A ideia era que você colocasse o capital estrangeiro nas regiões das costas para o desenvolvimento da indústria manufatureira, usando a competitividade da China ao ter um mercado de trabalho barato, para obter um desenvolvimento intensivo.

Isso significa que você está se integrando ao capitalismo global, mas não está dependendo financeiramente, pelo menos não no sentido imediato, das formas que você estaria se você fosse fazer a abertura como um big bang . 

Alguns economistas afirmam que o Estado deve ser pequeno, mas você afirma que o Estado neoliberal é, na realidade, forte para proteger o mercado. Como a China utiliza esse Estado em seu sistema econômico?

Havia uma compreensão do neoliberalismo simplesmente como o recuo do Estado. Mas, na literatura mais recente, houve um reconhecimento de que, na verdade, no neoliberalismo o Estado tem sido muito poderoso. 

Se você observar o neoliberalismo de [Augusto] Pinochet [ex-ditador do Chile], você tem uma ditadura militar aliada a uma política econômica muito neoliberal. Então, isso mostra que é um Estado muito forte, muito violento, de fato. 

Na China dos anos 80, houve também um debate que, caso o país optasse por fazer um big bang com a liberação dos preços, isso significaria que precisariam trazer tanques às ruas e ter um Estado muito forte e violento para fornecer essa política. Isso acabou por ocorrer em 1989, também por uma reação ao aumento da colisão que chegava como parte da comercialização dos preços.

No caso chinês, você também tem um Estado muito forte em todas as dimensões, mas o diferencial é ter um Estado com uma enorme capacidade na esfera econômica. Dentro do Estado Chinês, há bancos, grandes agências comerciais, empresas de trens de alta velocidade, enfim, companhias de diversas áreas, algumas das quais são bastante exigentes tecnicamente. Também há pessoas que sabem administrar esse tipo de negócio, que mostram o tamanho da capacidade do Estado Chinês, em uma forma concreta. 

Os líderes políticos da China geralmente trocam de bastante de cargos e, dentro desse processo, eles também passam por posições dentro de uma dessas instituições comerciais do Estado.

Isso significa que, por lá, o poder político tem MUITA experiência econômica. Não necessariamente no sentido de ter estudado a economia, mas no sentido de ter feito operações de aceleração de grande escala. O que eu acho interessante e bem diferente da carreira de políticos em contexto democrático. 

No seu livro, você cita encontros dos economistas reformistas da China com o ex-ministro da Fazenda do Brasil, Antônio Delfim Netto, na década de 80. Como foi isso?

Este é um episódio muito contestado na China, porque algumas pessoas interpretaram a ida da convidada chinesa ao Brasil para falar com Delfim Neto como uma representação de que a China não teria que se preocupar com a traição, pois sempre haveria alta nos preços quando um país cresce muito rápido. 

Acho que não é uma interpretação correta. Nós temos que ver que, na China nos anos 40, havia uma grande ansiedade em relação à identidade. Os nacionalistas perderam a capacidade de segurar a alta dos preços no país à época e por isso perderam o poder. Na década de 80, o regime estava muito preocupado porque, se a voltasse à China, poderia alcançar o controle e a estabilidade política. 

A mensagem que os chineses levaram do encontro com Delfim Netto era mais sobre entender a pálpebra como um fenômeno que existe, que necessita de controle, mas que não deveria ser controlado pela austeridade e contenção controlada.

Em relação às diferenças entre o Brasil e a China, por lá, ao fim da década de 80, quando a influência na China estava na casa dos 20% ao ano, o que era muito alto para os padrões do país, eles fortaleceram o controle sobre a refletida dentro do sistema de planejamento para a meta de hospedeira. 

Eles também recontrolaram certos preços estratégicos e usaram uma política oriunda dos anos 40, logo depois da revolução, que foi baseada em ter uma garantia para que a moeda pudesse ser trocada por uma certa cesta de bens essenciais a uma taxa estável. 

Isso foi algo importante para reconquistar a confiança das pessoas na moeda e garantir que o dinheiro pudesse comprar as coisas mais importantes, mesmo com a herança em um período de alta.

Você diz que a “China manteve o controle sobre os setores estratégicos quando passou do planejamento direto para a regulação indireta com a participação estatal do mercado”. Isso poderia trazer alguma inspiração para o Brasil?

O que a experiência chinesa nos ensina é que, de certa forma, é possível atrair investimentos externos, mas que, quando você faz isso, é necessário desenhar as instituições com muito cuidado para fazer com que o investimento de fora não seja apenas superficial, sem alcançar de verdade a economia doméstica. Acho que a China faz isso, com sucessos e falhas, mas que há muito o que foi aprendido com o que ocorre por lá.

Em relação a políticas específicas, como o papel de bancos de Estado e como eles têm encorajado certos tipos de investimentos, acho que há lições específicas que podem ser tiradas da experiência chinesa e que podem servir de base à formulação de políticas no Brasil. 

A China tem, por exemplo, um sistema bastante sofisticado e complexo de taxas de juros diferenciados e condições de crédito para áreas das quais eles querem incentivar o investimento. 

Por exemplo, há propostas na União Europeia para que o Banco Central Europeu também defendam taxas de juros diferenciadas para projetos verdes, afinal as pessoas não querem alterar a transição verde porque o bloco está aumentando as taxas de juros para combater a sobrevivência.

Portanto, tendo taxas de juros diferenciadas, que fazem parte de uma grande missão, em direção a certos projetos estratégicos é algo que a China vem fazendo extensivamente. Isso é algo que um país pode aprender e tentar entender como algo assim poderia funcionar em seu próprio Estado.

A China desponta como potência, trazendo uma preocupação sobre uma possível dependência econômica da Europa em relação ao país. O continente poderá se tornar cada vez mais dependente da China?

Para a economia alemã em particular, eu acho que é importante reconhecer que estruturalmente, a Alemanha está em uma posição muito diferente da dos Estados Unidos, por exemplo, dado que a Alemanha é um país de exportação de suprimentos.

Agora, se a Alemanha impõe austeridade para o resto da Europa, como nosso ministro [alemão] das Finanças vem fazendo, isso significa que eles não estão criando mais demanda para produtos alemães no continente.

Além disso, esse tipo de pânico em relação à influência da China pode ser mais perigoso para a Europa do que para os Estados Unidos, dada a condição de desenvolvimento das economias do continente, que dependem mais do mercado mundial.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/experi%C3%AAncia-chinesa-tem-li%C3%A7%C3%B5es-que-podem-servir-ao-brasil/a-66475757

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