Créditos da foto: REUTERS
Vinte anos depois do seu primeiro discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao púlpito da entidade, agora para fazer uma espécie de reapresentação das credenciais do Brasil diante das 193 nações que compõem a organização.
Tradicionalmente cabe ao presidente brasileiro inaugurar a sessão de debates de alto nível na organização.
Em sua fala, que durou cerca de 21 minutos no total, Lula defendeu que a desigualdade deve ser o objetivo síntese da agenda.
“É preciso reincluir o pobre nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais a seu patrimônio”, declarou.
O presidente brasileiro prestou condolências às vítimas de tragédias no Marrocos e Líbia, lembrando ainda das chuvas no Rio Grande do Sul.
Lula repetiu que o “Brasil está de volta”, sendo interrompido por aplausos nesse momento de sua fala.
Lembrou ainda que a fome foi tema central de seu discurso há 20 anos e que hoje ela atinge 735 milhões de pessoas, ao mesmo tempo em que os maiores bilionários acumulam mais riqueza do que os 40% mais pobres do mundo.
“Precisamos vencer a resignação que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural”, afirmou. “Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo.”
Mudança climática e Amazônia
Lula falou sobre a urgência de os países abordarem a questão da mudança climática.
“São as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima”, destacou o presidente, incluindo a questão da desigualdade também na agenda climática.
“Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera.”
Lula destacou as ações de seu governo para o combate ao desmatamento, afirmando que “ao longo dos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi reduzido em 48%”.
Segundo dados do próprio governo federal, no entanto, no mesmo período, houve aumento de 19,8% nos alertas de desmatamento no Cerrado brasileiro, o que Lula omitiu em seu discurso.
Ele ainda urgiu os países ricos quanto à necessidade de recursos para o cumprimento da agenda climática.
“Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade. A promessa de destinar US$ 100 bilhões anualmente para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa”, disse o mandatário brasileiro.
Reforma dos organismos multilaterais
Lula também reforçou a necessidade mudanças em organismos multilaterais como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional.
“Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução”, afirmou.
“No ano passado, o FMI disponibilizou US$ 160 bilhões em direitos especiais de saque para países europeus, e apenas US$ 34 bilhões para países africanos.”
Ele celebrou ainda a recente expansão do Brics como uma forma de fazer frente ao que classificou como “imobilismo” dos organismos multilaterais.
“O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias”, criticou o presidente.
Em outro momento de seu discurso, Lula disse ainda que o Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade.
“Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime”, disse.
“Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia.”
Crítica à extrema direita
O presidente brasileiro criticou o que chamou de uma “dissonância cada vez maior entre a ‘voz dos mercados’ e a ‘voz das ruas'”, afirmando que “o neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política”.
Lula criticou ainda o surgimento de “aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas.”
“Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores”, afirmou, reforçando ainda a necessidade da preservação da liberdade de imprensa.
Ele criticou também a ação das redes sociais nesse contexto.
“Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos. Aplicativos e plataformas não devem abolir as leis trabalhistas pelas quais tanto lutamos”, disse o presidente, prestando ainda solidariedade ao jornalista Julian Assange, fundador do WikiLeaks e atualmente preso em Londres.
Lula, que esteve no fim de semana em Cuba, também criticou as sanções impostas ao país caribenho.
“O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo.”
Guerra na Ucrânia
Nos Estados Unidos, Lula deve se encontra ainda com o líder ucraniano Volodymyr Zelensky na quarta-feira (20/09), às 16 horas, em Nova York.
O presidente brasileiro também tratou da guerra na Ucrânia em seu discurso.
“A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU”, disse Lula.
“Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo”, acrescentou.
O presidente criticou ainda “toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência e de reeditar a Guerra Fria.”
Segundo fontes do Itamaraty, a Assembleia Geral era o último “tabuleiro” no qual o petista queria reencaixar o Brasil como um jogador relevante — depois do que Lula considera como quatro anos de ausência internacional do país no cenário externo, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Em menos de nove meses de mandato, o líder brasileiro já participou dos fóruns do G7, G20, Brics, Celac com União Europeia e G77.
A última vez que Lula havia discursado como presidente na Assembleia-Geral da ONU foi em 2009, há 14 anos.
Veja em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/crgl09m8m03o
Comente aqui