Desde a criação do STF, 171 ministros passaram pela Corte – mas nunca uma mulher negra. Movimentos sociais têm pressionado Lula a indicar uma jurista negra para a vaga de Rosa Weber, que se aposenta em outubro.
Por: Jéssica Moura | Créditos da foto: Franck Camhi/PantherMedia/picture alliance. Estátua da Justiça no Supremo Tribunal Federal, em Brasília
Diante da aposentadoria da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, prevista para 2 de outubro, grupos da sociedade civil vem se mobilizando para pressionar o presidente por mais diversidade na Corte. Eles querem a indicação de uma jurista negra à vaga. No entanto, especialistas avaliam que o critério da representatividade não deve ser prioridade para o presidente na escolha do sucessor da ministra, e sim a proximidade política.
Por isso, um bloco que reúne 18 organizações sociais vem promovendo um abaixo-assinado sobre o tema. Até esta terça-feira (12/9), 28,1 mil pessoas tinham aderido ao documento. “No Judiciário são debatidas agendas muito importantes para o cotidiano da população negra, como o marco temporal e a violência policial. Uma jurista negra tem potencial de avançar com posicionamentos mais progressistas nessas questões e influenciar o voto de outros ministros”, argumentou Ingrid Farias, coordenadora da Secretaria Operativa da Coalizão Negra por Direitos.
A campanha do grupo chegou à Índia no final de semana, quando o país sediou o encontro do G20, no qual Lula esteve presente. Uma mensagem escrita em inglês foi exibida em um outdoor de Nova Déli. “Em 132 anos, o Brasil nunca teve uma mulher negra na Suprema Corte”, dizia a mensagem.
Autoridades do próprio governo federal também se posicionaram sobre o assunto. Na semana passada, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, redigiu um artigo publicado pela imprensa brasileira em que defendeu a nomeação de uma mulher negra ao STF. “A concepção de mundo diversa enriquece o conhecimento jurídico, a experiência da cátedra, numa via de mão dupla”, escreveu a ministra.
Procurado, o Planalto afirmou que não iria comentar as declarações da ministra.
No Congresso Nacional, também houve manifestações no mesmo sentido. “O STF é tradicionalmente ocupado por homens. Na renovação da Suprema Corte, há uma oportunidade de garantir a cadeira de ministra para uma mulher negra. É um momento ímpar para combatermos a desigualdade racial e de gênero”, disse o senador Paulo Paim (PT-RS).
Outra iniciativa foi uma carta assinada por mulheres da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ao todo, 57 ministros do STF passaram pela instituição. Uma das signatárias é Eunice Prudente, secretária municipal de Justiça de São Paulo e primeira professora negra da faculdade. “Uma jurista negra no STF comprometida com direitos humanos vai fazer cumprir a Constituição”, afirmou.
Indicação inédita
Desde a criação do Supremo, em 1808, 171 juristas foram nomeados para a Corte, mas nunca uma mulher negra. Essa baixa representação também se reflete nos demais tribunais: o Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário de 2023, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em setembro, revelou que 14,5% dos juízes se declararam pretos ou pardos e 83,8% brancos.
“Mesmo que o STF não seja um espaço representativo, trata-se de um espaço de poder, cujas decisões afetam a todos nós. O direito é uma prática interpretativa que comporta disputas sobre visões de mundo. Por isso, uma corte plural e diversa é vista como uma corte melhor”, defende Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV-SP. Ela diz que a votação entre os 11 ministros é polarizada quanto a temas relacionados aos direitos humanos, por isso “todo voto importa e pode fazer diferença em julgamentos”.
A professora de direito Eunice Prudente, da USP, diz que medidas importantes, como a ação que considerou homofobia crime, são decididas pelo STF. “Nesse momento, os direitos humanos no Brasil têm sido defendidos no judiciário. Infelizmente 513 deputados e 81 senadores têm falhado na proteção aos direitos intrínsecos à pessoa, sobretudo no enfrentamento das violências discriminatórias. Temos dependido do STF para uma convivência política”.
Tendência de nomeação
A demanda de setores da sociedade civil por mais diversidade entre os 11 ministros do STF se intensificou em abril, quando Ricardo Lewandowski deixou a Corte e Lula teve de indicar um substituto. A expectativa dos movimentos sociais associados à esquerda foi frustrada quando o Senado confirmou em sabatina mais um homem branco, Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente.
Com a perspectiva de uma nova vaga no Supremo, o debate em torno do tema voltou a crescer, mas, para especialistas, outros homens estão na disputa pela preferência de Lula. Entre os cotados ao posto estão o Advogado-Geral da União (AGU) Jorge Messias e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.
Eloísa Machado acredita que é possível que o nome de uma jurista negra esteja nessa corrida, mas a última indicação ao STF aponta para outra tendência. “Seria de se esperar uma escolha alguém com perfil alinhado aos direitos humanos, ao combate à desigualdade, à agenda proclamada pelo governo. A conjuntura atual mostra um governo cedendo para ampliar apoio e desagradando sua base. A escolha é central do governo, tão importante quanto a de ministérios estratégicos”.
A professora alertou para o fato de que a participação de mulheres no primeiro escalão do governo está em declínio. Depois da minirreforma ministerial da semana passada, Ana Moser foi demitida do Ministério do Esporte, e substituída pelo deputado André Fufuca, membro de uma dinastia política do Maranhão. Em julho, Daniela Carneiro deixou o Ministério do Turismo, agora comandado pelo deputado Celso Sabino (União Brasil-PA). Com isso, a participação de mulheres na Esplanada, que em janeiro era de onze ministras, encolheu para nove.
No entanto, o cientista político Valdir Pucci lembra que, apesar da disposição de Lula em dar preferência a um nome de quem seja próximo, ele já atendeu aos apelos de movimentos sociais em outras ocasiões neste mandato. Há um mês, a advogada Edilene Lobo tomou posse como ministra no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foi a primeira jurista negra da Corte.
“Lula aprendeu a não ouvir tanto os movimentos sociais na escolha dos ministros, e que tem que ter dentro do STF pessoas com quem tenha proximidade. No terceiro mandato está menos afoito e toma decisões mais pragmáticas”, avalia Pucci. Para o especialista, o presidente deve priorizar perfis mais conciliadores e legalistas na escolha. “O mundo perfeito para Lula seria encontrar uma mulher negra com esse perfil”.
A professora de direito Janaína Lima, da Universidade de Brasília (UnB), diz que a composição da Corte tem impacto sobre a sociedade. ” A composição é importante porque as formações dos seus membros podem fortalecer a democracia e, com isso, o regime constitucional. Sem ministras e ministros independentes, o STF fica refém das circunstâncias e com isso abala essa conquista inegável que é a democracia constitucional”.
Escolha e aprovação
O processo para preencher uma vaga no STF começa com a indicação do jurista pelo presidente da República. O nome é oficializado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que sabatina o candidato. Ao final da sessão, os senadores votam pela aprovação ou rejeição do postulante ao cargo. É preciso apenas angariar votos da maioria simples dos 27 membros da comissão.
Após essa fase, a análise do resultado segue para a apreciação do plenário do Senado. O conjunto dos 81 senadores votam para passar ou não o parecer da CCJ. Com a aprovação pela Casa, o indicado toma posse como ministro.
Comente aqui