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Quando Aleijadinho mudou o modernismo

Em 1924, Mário, Oswald e Tarsila levam o poeta Blaise Cendrars às cidades históricas de Minas. No reencontro com a obra do artista mineiro, a caravana descobre a superação da dicotomia entre o novo e o antigo, o regional e o cosmopolita

Por: Angelo Oswaldo de Araújo Santos

Apresentação: A viagem que inaugurou um outro modernismo 

Blog da BVPS, o Projeto MinasMundo e Outras Palavras publicam hoje texto de Angelo Oswaldo de Araújo Santos sobre a viagem de 1924 dos modernistas paulistas – Mário, Oswald, Tarsila e alguns outros – às cidades históricas de Minas Gerais. Centrado na fascinante figura de Blaise Cendrars, o ensaio reconstrói passagens e encontros do poeta franco-suíço com o modernismo brasileiro, em especial desde as viagens por Minas, passando por sua relação com Aleijadinho e com grupos de artistas de diversas cidades.

A viagem dos modernistas de 1924 tem guiado as atividades do projeto MinasMundo como um outro marco do modernismo brasileiro, alternativo e complementar à Semana de 1922. Ou melhor: como o marco de um outro modernismo mais aberto simultaneamente à brasilidade e às diferenças. Com efeito, a viagem marca um jogo complexo de relações e irritações que, não se deixando domesticar pela ideia de dialética entre localismo e cosmopolitismo, como já foi tentado na crítica brasileira, se repete como diferença em várias linguagens, notadamente aquelas ligadas a Minas Gerais, mantendo em tensão criativa o novo e o conhecido, a cópia e o original. A viagem modernista surpreende um “passado-em-diferença” e abre à imaginação artística e intelectual possibilidades de reconhecer a cultura não como um campo de reconciliação, mas de tensão que, a nosso ver, constitui e suscita o cosmopolitismo na cultura brasileira, colocando em xeque várias interpretações assentadas em um século de modernismo. Trata-se, portanto, de um deslocamento por Minas, essa geografia de falsa obediência, teria dito o historiador Francisco Iglésias, e entre Minas-mundo, capaz de descentrar o modernismo brasileiro, ao questionar seus pressupostos de unidade e origem, e desrecalcar a dimensão utópica de seu cosmopolitismo – não apenas uma cópia subalterna dos padrões metropolitanos, mas a tradução de um desejo de inclusão e igualdade.

Este tem sido o eixo de trabalho do projeto MinasMundo: o cosmopolitismo na cultura brasileira, uma rede em expansão de cooperação de mais de 60 pesquisadoras e pesquisadores de diferentes instituições, áreas de formação e atuação acadêmica nucleada em cinco universidades: UFRJ, UFMG, Universidade Princeton, Unicamp e UFRRJ. Constituída tendo em vista as comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna em 2022, a rede propõe uma revisão dos sentidos do modernismo e dos seus legados na cultura brasileira. O projeto pretende, ainda, rever a questão do localismo/cosmopolitismo da cultura brasileira que vem informando modos específicos de ler a diferença cultural, e por meio dos quais artistas, intelectuais e agentes públicos organizaram práticas discursivas, institucionais, culturais e políticas que ajudaram a modular algumas das mais persistentes linhas de interpretação sobre o Brasil e seus dilemas.

E por que Minas Gerais? Há vários indícios empíricos de que o cosmopolitismo não apenas se faz presente, como é crucial na definição de sentido nas culturas mineiras. Desde o gesto de Cláudio Manuel da Costa de fazer as musas árcades banharem-se no ribeirão do Carmo, que não precisa ser lido como protótipo de uma “comédia ideológica”, mas de uma experiência cosmopolita da “repetição com diferença”; passando pela poesia de Carlos Drummond, a prosa de Guimarães Rosa, a poesia e as traduções de Henriqueta Lisboa, ou mesmo a prosa adolescente de Helena Morley; até a música popular de Milton Nascimento, que cantou “sou do mundo, sou Minas Gerais” (de onde afinal retiramos o título do projeto). E sem esquecer a importante experiência migratória dos mineiros pelo Brasil e pelo mundo, de suas ciências sociais tão marcadas pela linguagem universalista matemática; de sua impressionante inovação museológica, de que Inhotim é apenas um dos melhores exemplos mais recentes; da racionalidade política de state-makers como Francisco Campos; do cosmopolitismo de suas rebeliões, como a Inconfidência mineira e a linguagem republicana que nela ganha corpo; da problemática inserção negra no quadro da cultura visual nas fotos de Chichico Alkmin; do planejamento urbano de sua atual capital e do próprio Barroco com seus ícones notáveis como Aleijadinho etc.

O texto de Angelo Oswaldo marca, então, a contagem regressiva do MinasMundo para o centenário desse encontro cheio de consequências para a cultura e a sociedade brasileiras. Esperamos nos encontrar pessoalmente em Ouro Preto em um ano, na Semana Santa de 2024 e, assim, cumprir o destino do MinasMundo.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/poeticas/quando-aleijadinho-mudou-o-modernismo/

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