Projetos de hortas comunitárias, reflorestamento e preservação ambiental avançam nas periferias, mostra o Dicionário Marielle Franco. Eles unem saberes populares e avanços técnicos – e mobilizam comunidades em torno do bem-estar coletivo
Por: Gabriel Nunes | Imagem: Judite Costa. Prefeitura de Osasco
No Brasil, a discussão sobre questões no campo da ecologia comparece a partir de diferentes atores. Na política institucional é cada vez mais comum encontrar a discussão de emergência climática, convocando a população a discutir e repensar suas práticas em função das mudanças climáticas provocadas pela intervenção humana no planeta. Um exemplo recente é o projeto de lei que tramitou na Câmara dos Vereadores da cidade do Rio de Janeiro, de autoria do vereador William Siri (PSOL-RJ) que reconhece o estado de Emergência Climática na cidade, situação que ameaça a vida humana e que requer um conjunto de esforços para transição energética, bem como implementação de políticas públicas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
O que essa movimentação nos revela, por um lado, é um esforço de parte da sociedade civil em disputar a agenda pública para rever práticas e políticas públicas, num horizonte de garantia de direitos de forma interseccional. Por outro lado, nos revela que quem precisa de justiça climática no Brasil não é um sujeito universal, dado que os efeitos das mudanças climáticas são sentidos de forma mais intensa entre as pessoas pobres, negras, moradoras de territórios de favelas e periferias. O modo de produção que predomina nas economias do capitalismo periférico, explorador e predatório, age para retirar a autonomia de suas populações e, com isso, o direito dos povos de escolherem como organizarão a produção e a distribuição dos alimentos, numa estreita relação com temas como democratização do acesso à terra, modelos produtivos sustentáveis (agroecologia) e pequena produção (agricultura familiar).
“A fome vem crescendo drasticamente, pra quem o agro é pop? Nós que estamos nas periferias precisamos conquistar as tecnologias que a agroecologia apresenta para ser sustentável. A agroecologia tem o poder de levar para as pessoas o real valor da alimentação e seus processos” (evoca Lucas Fernando, bolsista do projeto tecnologias sociais e saúde na favela da ONG Verdejar em parceria com a Fiocruz, para o episódio 6, “Agroecologia”, do Programa de TV “Papo na Laje”).
Por isso, não é incomum ver as respostas para a crise climática vindo das favelas e periferias. A questão da moradia em grandes centros urbanos, da ocupação irregular do solo e da ausência de políticas públicas, são também problemas ligados ao meio ambiente. A falta de acesso à água, ao saneamento básico e à segurança alimentar têm relação com as condições socioambientais amplificando possíveis situações de risco: deslizamentos, inundações e problemas de saúde ligados à falta de saneamento. Frente à emergência climática global, são as populações das favelas e periferias as mais afetadas pela injustiça ambiental, ou seja, pela condição de desigualdade, operada e sustentada por mecanismos sociopolíticos que perpetuam o ciclo ao destinar a maior parte das consequências dos danos ambientais às populações mais vulnerabilizadas que têm que arcar também com os custos de construção de suas próprias moradias. Neste sentido, é fundamental repensarmos a questão do espaço urbano, das moradias irregulares e suas condições ambientais e sanitárias na luta pelo meio ambiente e pela vida.
Há diversas iniciativas mapeadas pelo Dicionário de Favelas Marielle Franco, projeto da Fundação Oswaldo Cruz, de ações coletivas nas favelas para produzir efeitos positivos no clima e conscientizar a população sobre a emergência climática. Diante dessas iniciativas, podemos destacar o biossistema de saneamento do Vale do Encantado, na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, considerada como incubadora de práticas sustentáveis, e o protagonismo das mulheres contra os “negócios da água”. É claro que as iniciativas contribuem muito para a transformação social, mas é fundamental pensar em como ampliar tais ações, rumo à uma mudança integral de práticas de produção, disputando as matrizes políticas e econômicas da sociedade. O projeto “Outra Economia é Possível”, que contou com a criação de uma moeda social, de mercados solidários e campanhas de conscientização, nos ajuda a pensar a partir da experiência da cidade de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, que há transformações e futuros possíveis – e que eles têm sido fabricados, sobretudo, nas ações de resistência.
No caso do Brasil, onde há uma íntima relação entre a degradação ambiental e o agronegócio, práticas alternativas têm se mostrado como um caminho possível para a reprodução da vida com respeito ao meio ambiente. Como aponta Ailton Krenak, liderança indígena do Brasil, em entrevista ao Instituto Socioambiental e republicada pelo Outras Palavras,
“(…) o solo brasileiro está todo sendo vendido a preço de banana. Estão exportando água e solo. Mas a terra cansa. Vai chegar uma hora que aquela terra não vai responder mais; você pode enchê-la com todo tipo de veneno, mas ela não vai mais responder. Ela será uma terra morta.”
As práticas agroecológicas podem ser uma das respostas para a grave crise que atravessa o mundo e, em particular, o Brasil, que é um dos líderes em desmatamento e degradação ambiental no mundo. Como forma de sistematizar o debate e apresentar experiências em diferentes localidades, Gabriel Nunes, Assistente Social e Mestrando em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social na UFRJ, nos apresenta o verbete “Agroecologia em Favelas”, disponível na íntegra no Dicionário de Favelas Marielle Franco (ICICT-FIOCRUZ). (Introdução: Equipe Dicionário de Favelas Marielle Franco)
Veja em: https://outraspalavras.net/cidadesemtranse/wikifavelas-a-agroecologia-que-transforma-favelas/
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