Condições naturais do território brasileiro são especialmente favoráveis às fontes limpas – mas país ainda é frágil nas tecnologias solar e eólica. Poderão os investimentos chineses suprir este déficit? Quais as condições políticas para tanto?
Por: Ana Camille da Fonseca, Mayra Contin e Rafael Abrão, no (OPEB) | Imagem: publicada no Gauchazh
As mudanças climáticas e a necessidade de transição energética tornaram-se questões de extrema importância no século XXI. Soluções para a descarbonização e o desenvolvimento de tecnologias verdes estão cada vez mais inseridas nos acordos internacionais, nas negociações comerciais e nos fluxos de investimento externo. A transição energética, portanto, tornou-se um dos pilares na relação entre Brasil e China, uma vez que o país asiático está comprometido a se transformar em um líder em suprimentos de energias renováveis, ao participar de todas as etapas da cadeia de forma vertical, principalmente nas tecnologias da economia de baixo carbono. Para o Brasil, fica o desafio de usar a transição energética nas relações com a China de forma a auxiliar seus objetivos de neoindustrialização.
A transição energética para a China e o Brasil
O 14º Plano de Desenvolvimento Chinês, aprovado para o período de 2021 a 2025, atribui importância significativa ao desenvolvimento de novas fontes de energias de baixo carbono com os investimentos financeiramente sustentáveis em países parceiros. Nesse sentido, diversos são os investimentos chineses nos setores eólico e solar. A liderança chinesa nos setores de energia eólica e solar e sua capacidade de investimento externo é explicada em grande parte pela mão-de-obra especializada e o desenvolvimento de tecnologia na produção de equipamentos para tais setores, resultado de políticas públicas formuladas para criar as condições para que o país assumisse a vanguarda dessas tecnologias.
Diante desse panorama, o Brasil tem se destacado como um destino significativo para o investimento estrangeiro chinês, conforme relatado pelo portal Diálogo Chino (2019), com as empresas chinesas dominando quase um quinto da capacidade solar e eólica do Brasil. Conforme dados do China Global Investment Tracker, entre 2010 e 2020, 74% dos investimentos da China no Brasil se concentraram no setor de energia, o que corresponde a US$ 42,3 bilhões. Contudo, apenas uma porção menor foi para os setores eólico e solar, apesar da perspectiva futura ser de crescimento.
Neste contexto, em 2014, a Three Gorges Corporation (CTG) adquiriu 49% da participação de onze campos de energia eólica em diferentes estados brasileiros, a BYD anunciou, em 2015, seu segundo investimento no Brasil para uma unidade de montagem de painéis solares, enquanto a State Power Investment Corporation of China (SPIC), investiu R$780 milhões de reais na construção de dois novos parques eólicos no Nordeste.
Se tornando o maior investidor em energias renováveis em nível global, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China, a China passou a ocupar uma posição estratégica como financiador e fornecedor de tecnologias como painéis solares, equipamentos eólicos, hidrolisadores, mobilidade elétrica e outros maquinários, colocando o Brasil em uma situação de dependência tecnológica em relação ao país asiático. No Brasil, os painéis solares fabricados nacionalmente custam o dobro do que os chineses, o que intensifica a concentração no fornecimento dos equipamentos. Se por um lado essa dependência pode ser um problema, por outro pode abrir uma frente para repactuar a relação e a presença da China nesses setores no Brasil em função da neo-industrialização.
Transição energética e neoindustrialização
Vê-se a agenda brasileira comprometida em criar um ambiente favorável e atrativo aos investimentos chineses no setor. O encontro do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, com os representantes da gigante chinesa State Grid, em abril de 2024, corrobora o compromisso com a consolidação de uma nova etapa do setor energético brasileiro, sobretudo no eólico. Na reunião, o ministro de Minas e Energia demonstrou otimismo ao ressaltar que temos uma forte relação com a China e agradeceu aos investidores por acreditarem no potencial de geração de energia limpa do Brasil.
Recentemente, a Rede Brasileira de Certificação, Pesquisa e Inovação (RBCIP), em parceria com o Green World Energy Hydrogen (GWE), solidificou o compromisso com o avanço da tecnologia do hidrogênio verde no Brasil ao concluir com sucesso a missão de visita à China, com o objetivo de participar de reuniões estratégicas com empresas chinesas que lideram as tecnologias de produção de hidrogênio e de validar, em colaboração com os principais fabricantes, a viabilidade de implementação nacional de eletrolisadores de última geração. No relato da missão, o correspondente da RBCIP afirmou que “ao fomentar a colaboração entre as partes interessadas brasileiras e chinesas, as organizações visam estabelecer um ecossistema robusto de hidrogênio verde que beneficiará ambos os países”.
Entre os entes subnacionais, ocorreu uma disputa para atrair a instalação da fábrica de aerogeradores da chinesa Goldwind Science & Technology – a maior fabricante mundial de turbinas eólicas – o que ao final acabou ocorrendo no município de Camaçari, na Bahia, no local da antiga fábrica da General Electric (GE), instigando a expectativa brasileira em produzir turbinas com 6.2 a 8.3 MW de potência, algo inédito no país. O investimento de cerca de R$150 milhões está alinhado às diretrizes do governo chinês no que se refere à ampliação da presença em setores de alta tecnologia ligados à transição energética, entretanto, convém questionar se tal novidade também está equiparada ao interesse da neoindustrialização e na consolidação de uma estrutura produtiva de energia verde no país.
Cabe ainda destacar que no debate sobre a transição energética no Brasil, a combinação de outros setores como o de produção fotovoltaica e de hidrogênio verde são essenciais para o estímulo da produção de energia limpa. O desenvolvimento da produção de hidrogênio verde se faz como um dos caminhos para a transição energética. Assim, destacar a cooperação sino-brasileira nos avanços nacionais se estabelece como um ponto crucial, tendo em vista a liderança da China na produção de infraestruturas de energias renováveis – em especial, de hidrogênio verde, com a geração anual de cerca de 30 milhões de toneladas.
O Brasil possui energia verde e sustentável, mas carece de tecnologias e planejamento industrial para aumentar sua competitividade na transição energética. Como forma de conseguir superar os desafios atuais, cabe a reflexão acerca de quais tipos de investimentos e setores devem ser priorizados para auxiliar no desenvolvimento do país e reverter o cenário de desindustrialização precoce ao que o Brasil está submetido há décadas, após a ascensão da hegemonia do pensamento econômico neoliberal no debate nacional. É preciso questionar qual caminho de desenvolvimento será adotado pelo país diante dos novos modelos de geração de energia, inclusive como conseguir equacionar a parceria estratégica com a China, sem abandonar a indústria brasileira e um projeto de desenvolvimento nacional. Esta parceria pode inclusive contribuir para que as pretensões brasileiras de neoindustrialização avancem.
A China é um dos maiores investidores em energia renovável do mundo e possui vasta experiência e tecnologias avançadas no setor. A parceria estratégica com a China pode ser um catalisador para o desenvolvimento da indústria brasileira, caso inclua transferência de tecnologia, investimentos em infraestrutura e projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento. Estes são pontos cruciais para que essa parceria seja equilibrada e beneficie igualmente ambos os países. O Brasil deve assegurar que os acordos respeitem os interesses nacionais e contribuam para o fortalecimento da indústria local, evitando a simples importação de produtos, tecnologia e serviços chineses.
Veja em: https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/brasil-e-china-caminho-para-a-transicao-energetica/
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